segunda-feira, 27 de dezembro de 2010

Anacronismo

O que é o Anacronismo? Em que momentos é legítimo trabalhar com categorias da própria época do historiador para analisar a História, e em que momentos o historiador desavisado desliza para a prática do Anacronismo - que corresponde à projeção indevida de um tempo sobre o outro? Como saber a diferença entre as duas situações?

No post anterior (http://ning.it/hxFuZD), discutíamos os usos dos conceitos pela História, e tocamos em uma questão importante para a formação dos historiadores, que era precisamente a necessidade de evitar isto que muitos teóricos costumam identificar como o pecado capital da historiografia: o Anacronismo. Na ocasião, evoquei como exemplo a palavra e o conceito de "feminismo", e seu uso indevido para sociedades anteriores ao século XX. Vamos retomar este exemplo, e imaginar que alguém proponha, como tema de Monografia ou de Tese, estudar "O Feminismo na Grécia Antiga" - predispondo-se a examinar as mulheres feministas da Atenas Clássica.

Porque isto é um Anacronismo? Simplesmente porqueneste caso, eu estou pressupondo que fazia parte do ambiente mental das mulheres da Grécia Antiga uma categoria de nossa própria época - surgida no contexto das lutas sociais das mulheres no século XX, da expansão da mulher pelo mercado de trabalho, e da sua conquista de direitos políticos. O Feminismo é um fenômeno das sociedades ocidentais contemporâneas, é inclusive um movimento sócio-político-cultural datado de nossa época, com manifestos específicos, uma concepção teórica, um certo diálogo de idéias e um inventário de ações específicas. Uma mullher da Grécia Antiga não podia ser feminista, mesmo no sentido lato desta palavra, da mesma maneira que Átila não podia ser "nazista". Quando alguém diz estes absurdos, está efetivamente projetando algumas categorias de nossa época dentro da cabeça, das ações e do ambiente social de seres humanos que não podiam pensar de acordo com estas categorias.

Vou tomar a liberdade de citar uma passagem do meu próprio livro, "O Campo da História" (2004):


"O que o historiador não deve fazer, com vistas a evitar os riscos do anacronismo, é inadvertidamente projetar categorias de pensamento que são só suas e dos homens de sua época nas mentes das pessoas de determinada sociedade ou de um determinado período. Para compreender os pensamentos de um chinês da época dos mandarins, terei de me avizinha dos códigos que (tanto quanto me for possível perceber) regeriam o universo mental dos chineses. Este exercício de compreender o 'outro chinês' é que tem que ser feito. Mas não é a análise que tem que ser chinesa" (BARROS, José D'Assunção. O Campo da História. Petrópolis: Editora Vozes, 2010, 6a edição, p.53).

Certa vez, na época em que eu fazia doutorado, tive uma pequena discussão acadêmica com um colega. Eu tinha utilizado, em determinado trecho de um trabalho sobre a Idade Média, uma perspectiva ou algum conceito que tinha sido proposto por Nietzsche (mas que poderia ter sido também proposto por Marx; pois apenas estou dando um exemplo). Esse colega insistia que eu estava sendo anacrônico, pois não poderia utilizar um autor como Nietzsche para falar da Idade Média (suponho que então, também não poderia utilizar Marx, que inclusive seria anterior a Nietzsche, para falar do 'modo de produção feudal'; também não poderia utilizar Koselleck, um autor recente, para falar de qualquer outra época).

Este antigo colega de doutorado, conforme penso, estava com uma compreensão totalmente equivocada sobre o que era o anacronismo. Se fôssemos adotá-la, não poderíamos utilizar as modernas técnicas da História Oral para examinar os aontecimentos a serem rememorados pelos sobreviventes do Nazismo, pois naquela época (a Segunda Guerra Mundial) não existia ainda a História Oral como subcampo disciplinar da História; não poderíamos utilizar a análise semiótica para examinar um romance do século XVIII, porque a Semiótica só surgiu na segunda metade do século XIX; não poderíamos falar em "crise do Império Romano" porque o conceito de "crise" só surgiu muito depois, na Medicina, e ainda posteriormente na História,com os trabalhos de Ernst Labrousse sobre a "crise dos preços no Antigo Regime" (ele mesmo, nesse caso, teria sido primeiro anacronista).

Tampouco poderíamos falar em "crescimento populacional" para as sociedades européias do século XIII, ou do século XV, porque o conceito de "crescimento populacional" é bem posterior. Para falar rigorosamente, não poderíamos mesmo indagar pelas condições de vida das mulheres na Grécia Antiga, se quisermos considerar que a preocupação com as condições de vida das mulheres nas sociedades misóginas constituem uma preocupação típica de nosso tempo.

Ora. As perguntas não só podem ser de nosso tempo, como são inevitavelmente de nosso tempo. A análise também tem que ser de nosso tempo. Alguns dos conceitos utilizados para analisar uma época antiga também podem perfeitamente ser de nosso próprio tempo -embora o historiador, quando está se referindo ao "outro" através do discurso que vem das fontes, também possa utilizar conceitos de uma outra época, já que ele trabalha com os dois níveis de conceitos, tal comovimos no último post (http://ning.it/hxFuZD). Com relação a isto, já discutimos suficientemente no texto anterior o fato de que uma das competências que precisam ser desenvolvidas pelos historiadores é saber bem a diferença: quando um determinado conceito pode ser empregado na anáise de uma outra sociedade, e quando a utilização deste conceito produz anacronismo.

De todo modo, é fundamental entendermos que a análise, os problemas, os modos de ver, as maneiras de falar na hora em que estamos escrevendo ao nível de historiadores (e não nos momentos em que estamos escrevendo ao nível das fontes) ... tudo isso tem que estar ligado à nossa própria época. Senão, estaríamos desprezando a grande conquista da historiografia ocidental a partir da contribuição dos historicistas da segunda metade do século XIX e de praticamente todos os historiadores a partir do século XX, que foi a de perceber com clareza incontornável que a História é construída pelo historiador de um lugar social e de uma época específica, e que este lugar dá à História por ele construída uma especificidade, uma tonalidade específica, um horizonte de expectativas, uma marca que é a de seu próprio tempo e também de todo umcomplexo de intersubjetividades que o envolve.

Isso, é claro, não significa em nenhum momento desconsiderarmos o fato de que, quando examinamos as fontes históricas, não podemos em nenhuma hipótese projetar categorias de pensamento da nossa época na mente das pessoas de uma outra época. Não podemos tentar enxergar um inglês da época digital em um homem da Inglaterra Puritana. Temos que entender uma outra época nos seus próprios termos quando estamos trabalhando ao nível das fontes (mesmo Ranke já se pronunciou sobre isto nos primórdios da historiografia científica). Todavia, na hora de fechar a nossa análise, temos de retornar à nossa época. As perguntas do historiador começam na sua própria época. A partir destas perguntas ele ilumina uma outra época, tentando enxergá-la nas suas fontes; e finalmente, ao analisar estas fontes, depois de tentar compreender como viviam os homens daquele período de seu passado, ele volta à sua época para fechar a análise. Isto é História.

O "anacronismo" só se dará se o historiador deformar os materiais do passado. Não é lícito chamar Safo, a sacerditosa grega da Ilha de Lesbos, de "feminista". Não é aceitável chamar o pintor Hieronymus Bosch (1450-1516), artista neerlandês do período renascentista, de "surrealista", mesmo que ele tenha desenhado algumas criaturas fantásticas a partir de uma extraordináriia imaginação que lhe dá uma singularidade incomum entre os pintores de sua própria época. Não tem nenhum sentido tentar enxergar uma estrutura sindical entre os escravos que se rebelaram sob a liderança de Spartacus, na Roma Antiga. Estes são anacronismos. Mas posso analisar a crise econômica que favoreceu o declínio do Império Romano. Como eu disse anteriormente: tenho que tentar compreender o chinês da era dos mandarins, mas não é a análise que tem de ser chinesa.

Tanto quanto possível, devo procurar me acercar dos modos de pensar de um chinês antigo, através das fontes, e tentar compreendê-lo. Um investigador criminal, para realizar o seu trabalho, também procura penetrar na mente do criminoso, imaginar suas idiossincrasias a partir das pistas e indícios deixadas na cena do crime. Esse exercício de se colocar no lugar do outro é importante; mas não é que você tenha (ou possa) se transformar nesse outro. Um Antropólogo que não soubesse bem a diferença entre uma coisa e outra, poderia acabar se transformando em Índio (um péssimo índio, claro), e nesse mesmo instante ele deixaria de ser Antropólogo. O Investigador Criminal não pode se transformar no Criminoso. O Historiador, para estudar os Cavaleiros Templários, não precisa se vestir com a túnica desta ordem e realizar a redação de seu texto em um castelo.

Usar Computador não é Anacronismo. Valer-mo-nos das sofisticadas técnicas de serialização, e da tecnologia que permite nos dias de hoje manipular em pouco tempo todo um universo de quantificação, não é Anacronismo. Dialogar com Marx, Nietzsche, Freud, Koselleck, Marc Bloch para entretecer uma rede teórica que ilumine de um modo específico um antigo período da História é perfeitamente possível.

Desconhecer que as fontes do início do Brasil-República,ao mencionarem a palavra "operário", tem em vista algo diferente do que hoje entendemos por um operário - isso é um Anacronismo. Acreditar que os romanos da época do primeiro saque de Roma (410 d.C) tinham o mesmo tipo de desespero que que os americanos que vivenciaram a crise inspirada pelos atentados que destruíram o World Trade Center em setembro de 2001,isso seria anacronismo. Podemos até comparar contrastivamente estes eventos, mas não para confundi-los. De igual maneira, podemos utilizar perfeitamente o conceito de "crise" para entender certos aspectos da sociedade e da economia da Roma Antiga, ao nível de nossa análise historiográfica, sem pensarmos que os romanos daquela época pensavam estar em crise, no sentido que hoje atribuiríamos a esta palavra. Podemos empregar conceitos da moderna psicologia e psicanálise para analisar períodos antigos, não podemos é colocar Napoleão no Divã. Saber a diferença entre uma coisa faz parte do complexo de competências que precisa ser desenvolvidopelos historiadores em formação. Posso utilizar um conceito de Nietzsche em minha análise, não posso é projetar a "crítica do conhecimento" desenvolvida por Nietzsche na mente de um humanista do século XVI.

A habilidade do Historiador é trabalhar com duas temporalidades da maneira adequada, a sua própria, e a do período que está examinando. Também precisa saber fazer a distinção entre um conceito a ser operacionalizado ao nível de sua análise, e uma categoria de pensamento que é a dos homens de uma outra época, no momento em que está trabalhandocom as fontes e tentando compreendê-los.

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Sobre o Anacronismo, ver BARROS, José D'Assunção. O Campo da História. Petrópolis: Editora Vozes, 2011, 8a edição.

Visite o site do livro "O Campo da História"

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Os Conceitos e a História

Os textos anteriores, em torno da operacionalização de conceitos nas Ciências Humanas, abordaram questões importantes sobre a conceituação em História. Quando se fala em conceitos, existe um aspecto, contudo, que é particularmente importante, e que faz a História se distinguir do que acontece com outras ciências humanas como a Sociologia, Geografia, ou a Antropologia.
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Reinhart Koselleck - historiador que se especializou em uma modalidade historiográfica que hoje é conhecida como "História Conceitual" - faz uma digressão importante sobre o uso dos conceitos pelos historiadores em seu célebre livro 'Futuro Passado'. Vamos discorrer um pouco sobre estas considerações, que também são retomadas com maestria por Antoine Prost no capítulo sobre conceitos de seu livro 'Doze Lições sobre a História'.
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Devemos considerar, antes de mais nada, que todo historiador trabalha com dois níveis de conceitos, e também com dois níveis de realidade, da mesma forma que seu texto é constituído em dois níveis de escrita. Isto porque o historiador (1) escreve da sua própria época, sobre uma outra época. (2) escreve seu discurso de historiador, mas incluindo o discurso de uma outra época (a época trazida pelas fontes históricas).
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O historiador lida com idéias, conceitos e palavras que são de sua própria época, ou melhor - que são elaborados ao nível do discurso dos historiadores. Mas ele também lida com idéias, conceitos e palavras que são da época que está examinando. Ele só tem que saber quando está fazendo uma coisa, e quando está fazendo outra, e a partir daí refletir sobre a adequação, ou não, do conceito que está pretendendo utilizar. Isto porque o uso inadequado de conceitos pode gerar, eventualmente, um problema sobre o qual refletiremos mais adiante, em um outro texto: o do Anacronismo.
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Por exemplo, vamos retomar uma reflexão de Antoine Prost sobre o assunto e considerar o conceito de "crise", aplicando-o à "crise do Antigo Regime na época da Revolução Francesa". Em 1789, a palavra "crise" não era utilizada na História. Era uma palavra que existia na Medicina, mas não na História. Quem trouxe essa palavra pela primeira vez para a História foi Ernst Labrousse, na terceira década do século XX. A palavra caiu ttão bem no gosto dos historiadores e economistas, que hoje em dia, falar em "crise econômica" tornou-se lugar comum para a História e para a Economia, e conquistou mesmo o grande público. "Crise", desta maneira, é um conceito da nossa época.
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Isto não impede que nós possamos utilizar este conceito de nossa época para tentar entender uma sociedade anterior, quando não havia o conceito de crise. Podemos também utilizar a "análise estatística" para entender o movimento dos preços no século XIII, mesmo que nessa época não existisse "análise estatística". Podemos, por exemplo, utilizar o conceito de "inconsciente", que surge no século XIX, um pouco antes de Freud, para nos referimos a sociedades da antiguidade ou da Idade Média, ou do período iluminista.
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Embora estas maneiras de ver as coisas - com os recursos da análise econômica, da estatística e da psicanálise - sejam típicas de nossa época, e só tenham se tornado possíveis em nossa época, isso não impede que as utilizemos para analisar uma outra época. A nossa época nos permite fazer novas perguntas. E com estas perguntas novas, só possíveis em nossa própria época, lançamos um novo olhar para o passado. Vemos este passado de maneira diferenciada de como o viram nossos pais e nossos avós, metaforicamente falando.
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Por outro lado, existem casos em que o uso inadequado de um conceito pode produzir o caso do Anacronismo, que ocorre, por exemplo, quando projetamos indevidamente categorias nossas nas mentes de seres humanos do passado, que estamos tentando representar através das fontes históricas. Por exemplo, constitui grosseiro anacronismo falar em algo como "O Feminismo na Grécia Antiga". Quando fazemos isto, estamos supondo, indevidamente, que uma cidadã grega da Antiguidade podia pensar como uma feminista dos dias de hoje. Estamos, em uma palavra, projetando nas mulheres da Antiguidade um conceito nosso, datado de nosso tempo e que está inteiramente vinculado ao contexto de nossa época. Não era possível a uma mulher da Antiguidade pensar como uma feminista. O 'Feminismo' é um movimento que só poderia ter surgido no contexto das sociedades industriais, e particularmente a partir do período em que a mulher conquista um lugar reconhecido no mercado de trabalho assalariado,ao lado da afirmação de direitos políticos que a equiparariam aos homens. O Feminismo é também um "movimento" específico, com conotações culturais e políticas. Não pode ser conceituado apenas como uma forma de comportamento atemporal.
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O problema com a projeção anacrônica do conceito de "feminismo" nas mulheres da Antiguidade decorre do fato de que estamos projetando uma forma de pensamento de hoje em pessoas que existiram há tempos atrás, quando estas formas de pensamento não teriam sido possíveis. Neste caso, estamos considerando um conceito pertinente ao 'nível 1' - a época do próprio historiador - como um conceito pertencente ao 'nível 2', que é o nível da época das fontes examinadas. Mas o problema mesmo é que, neste caso específico do Feminismo, ocorre uma deformação da mentalidade dos indivíduos da Antiguidade. Era possível enxergar "crise" na Grécia Antiga, mesmo que os gregos antigos não conhecessem este conceito, e isto porque a utilização deste conceito não deforma a mentalidade ou os modos de sentir e de se comportar dos gregos antigos. Mas não é possível utilizar o conceito de "feminismo" para estes mesmos gregos antigos, simplesmente porque o uso deste conceito implica em uma deformação do pensamento grego.
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Saber quando o uso de um conceito implica em anacronismo ou não é de fato uma das competências mais importantes a serem desenvolvidas pelos historiadores. No próximo post, falaremos mais especificamente sobre o problema do "Anacronismo".

'Extensão' e 'Compreensão' de um Conceito

Conceitos,conforme discorremos em texto anterior, são instrumentos teóricos fundamentais para os diversos campos de saber, inclusive a História. O presente texto avança mais um pouco no esclarecimento sobre como podemos usar conceitos na historiografia, e sobre quais são as propriedades de um conceito. Foi extraído do livro "O Projeto de Pesquisa em História" [BARROS, José D'Assunção. O Projeto de Pesquisa em História. Petrópolis: editora Vozes, 2011, 7a edição).

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Do ponto de vista filosófico, todo conceito possui duas dimensões a serem consideradas: a “extensão” e a “compreensão” (às vezes também chamada de “conteúdo”). Chama-se “extensão” de um conceito precisamente ao grau de sua abrangência a vários fenômenos e objetos (seu campo de aplicação, por assim dizer); e chama-se “compreensão” de um conceito ao esclarecimento das características que o constituem. À medida que um conceito adquire maior “extensão”, perde em “compreensão”. Para deixar mais clara esta relação, exemplificaremos com um caso específico.

Quando se conceitua “revolução” como “qualquer movimento social que se produz de maneira violenta”, dá-se a este conceito uma ‘extensão’ muito grande, que passa a abranger diversos movimentos sociais mas que, em contrapartida, reduz a sua ‘compreensão’ a dois elementos apenas (“movimento social” e “violento”). Quando definimos “revolução” como um movimento social que se produz de modo violento, implicando em mudanças efetivas nas relações sociais entre os grupos envolvidos, acrescentamos-lhe um elemento de ‘compreensão’, mas diminuímos a sua extensão, já que proposto deste modo o conceito de “revolução” passa a abranger menos movimentos sociais (excluindo os que implicam em meras trocas de poder, mas sem produzir modificações reais na estrutura social, sem falar nas meras agitações sociais).

Hannah Arendt, no seu livro "Da Revolução" (1963), combina alguns elementos essenciais à ‘compreensão’ do seu conceito de “revolução”. Para a autora, em primeiro lugar o conceito moderno de revolução “está inextricavelmente ligado à noção de que o curso da História começa subitamente de um novo rumo, de que uma História inteiramente nova, uma História nunca antes narrada está para se desenrolar” (ARENDT, 1998: 23). Atores e espectadores dos movimentos revolucionários a partir do século XVIII, passariam a ter uma consciência ou uma convicção muito clara de que algo novo estava acontecendo. É esta consciência do novo, da ruptura com o anterior, o que a autora considera essencial no moderno conceito de “revolução”.

Com este elemento essencial incorporado à “compreensão” do que chama de moderno conceito de Revolução, Hannah Arendt separa as autênticas revoluções, posteriores aos dois marcos modernos das revoluções ‘francesa’ e ‘americana’, de insurreições ou revoluções no sentido antigo, onde os homens pensavam nos seus movimentos políticos como restauradores de uma ordem natural que havia sido interrompida, e não como algo que visava à instituição do “novo” . Percebe-se que esta ampliação da ‘compreensão’ do conceito de “revolução” produziu, inversamente, uma restrição da ‘extensão’ deste conceito, que assa a excluir uma série de movimentos sociais da designação proposta.

Prosseguindo na ampliação da ‘compreensão’ do seu conceito de “revolução”, Arendt acrescenta que esta sempre envolve o desejo de obtenção da “liberdade”, noção incorporada dentro da definição de revolução e que a autora distingue muito claramente da noção de “libertação”. Enquanto a “liberdade” é conceituada em torno de uma opção política de vida (implicando em participação das coisas públicas, ou em admissão ao mundo político), a “libertação” implica meramente na idéia de ser livre da opressão (por exemplo, quando se livra um povo de uma tirania intolerável, mas sem modificar-lhe fundamentalmente as condições políticas). Assim, embora a “libertação” possa ser a condição prévia de “liberdade”, não conduziria necessariamente a ela. A noção moderna de “liberdade”, pensada como direito inalienável do homem, diferia inclusive da antiga noção de “liberdade” proposta pelo mundo antigo, relativa “à gama mais ou menos livre de atividades não-políticas que um determinado corpo político permite e garante àqueles que o constituem”.

Podemos ver, assim, que o conceito de revolução proposto por Hannah Arendt combina dois elementos essenciais, para além da mera mudança política matizada pela violência social, e mesmo da modificação na estrutura social. Devem estar presentes necessariamente a idéia de “liberdade”, na moderna acepção já discutida, e a convicção dos próprios atores sociais de que o ato revolucionário instaura um “novo começo”. Ampliada a ‘compreensão’ do conceito para esta combinação de elementos (mudança política, violência, transformação social efetiva, liberdade política, convicção de um “novo começo”), a ‘extensão’ de Revolução passa a enquadrar muito menos situações, excluindo uma série de movimentos políticos e sociais aos quais Hannah Arendt assim se refere:


“Todos esses fenômenos têm em comum com a revolução o fato de que foram concretizados através da violência, e essa é a razão pela qual eles são, com tanta freqüência, confundidos com ela. Mas a violência não é mais adequada para descrever o fenômeno das revoluções do que a mudança; somente onde ocorrer mudança, no sentido de um novo princípio, onde a violência for utilizada para constituir uma forma de governo completamente diferente, para dar origem à formação de um novo corpo político, onde a libertação da opressão almeje, pelo menos, a constituição da liberdade, é que podemos falar de revolução” (ARENDT, 1998: 28)


Percebe-se, através do exemplo atrás discutido, que a conceituação científica deve ser muito mais rica e precisa do que a conceituação cotidiana. O conceito de “revolução” proposto por Hannah Arendt mostra-se muito mais enriquecido, ao propor uma ampliação da sua ‘compreensão’ e uma redução da sua ‘extensão’, do que o conceito banalizado proposto por um dicionário comum.

Assim, na edição de bolso do Dicionário Aurélio (FERREIRA, 1975) – um dicionário muito utilizado no Brasil pelo grande público – pode-se ler no verbete “revolução” que esta é uma “rebelião armada; revolta; sublevação”. Um tal conceito, com tamanha redução da sua ‘compreensão’, mostra-se extensivo a um tal número de movimentos sociais, ou mesmo de golpes de Estado, ações criminosas e privadas, insurreições espontâneas e badernas, que muito pouco se poderia fazer com ele em termos de precisão sociológica e historiográfica . Foi com uma ‘compreensão’ assim reduzida do conceito de “revolução” que a Ditadura Militar de 1964, no Brasil, procurou afastar de si o estigma de que ali se tinha nada mais nada menos do que um articulado “golpe militar” direcionado para a conservação de antigos privilégios e para o abortamento de um movimento social e de consciência política que começava a se fortalecer.

Admitidas estas características, o Golpe de 1964 encaixa-se mais na noção de “contra-revolução”, ou pelo menos de “golpe de Estado”, do qualquer outra coisa .

Outro aspecto que podemos perceber a partir do exemplo de Hannah Arendt é que, conforme já havíamos mencionado anteriormente, a elaboração de uma definição de conceito pode gerar a necessidade da especificação de novos conceitos, ou requerer novas definições como desdobramentos. Assim, uma vez que a autora inclui como elemento inerente ao conceito de “revolução” a idéia de “liberdade”, preocupa-se em definir com muita precisão o que está entendendo por “liberdade”, já que não se trata aqui da noção vulgar de liberdade. Deste modo, opõe este conceito ao de “libertação”, também definido com precisão, além de apresentá-los dentro de um percurso histórico onde se examina a passagem da antiga noção de liberdade a uma noção já moderna. Também não faltam as referências teóricas e históricas pontuando um e outro caso.

Para confirmar ainda uma vez a diferença de qualidade entre a conceituação científica e a conceituação vulgar, basta comparar o conceito altamente elaborado de “liberdade política” em Hannah Arendt com a noção de “liberdade” que aparece registrada na versão de bolso do Dicionário Aurélio:


“liberdade. 1. Faculdade de cada um se decidir ou agir segundo a própria determinação. / 2 . Estado ou condição do homem livre” (FERREIRA, 1975)


Já nem será necessário lembrar que na definição ‘2’ o Dicionário comete a inadequação lógica de definir uma palavra por ela mesma, dizendo que “liberdade é o estado ou condição do homem livre” (definição que não acrescenta nada), e que na definição ‘1’ (“faculdade de cada um se decidir ou agir segundo a sua própria determinação”) uma mesma seqüência de palavras poderia se adaptar à idéia de “tirania” enquanto modo de governar (o tirano também “age e decide segundo a sua própria determinação”, particularmente sem consultar bases políticas e sociais).

Assim, para tornar a segunda definição de liberdade mais científica (já que a primeira não tem salvação), seria necessário acrescentar mais elementos, ampliando a sua compreensão e diminuindo a sua extensão. Está bem, “liberdade é a faculdade de cada um se decidir ou agir segundo a sua própria determinação”; mas com respeito a que tipo de ações, observando que tipos de limites no que se refere ao confronto com a liberdade do outro? Fazendo acompanhar as decisões e ações de que tipo de consciência? Não seria necessário nuançar também este último aspecto para distinguir o homem livre do homem louco (que por vezes tem a sua liberdade encerrada dentro das paredes de um hospício exatamente porque “decide e age segundo a sua própria determinação”)? Ou seria o caso de dizer que “a liberdade é a faculdade socialmente restringida de decidir ou agir segundo a sua própria determinação”? Como se vê, para tornar um conceito utilizável em um trabalho científico, é preciso lhe dar um tratamento mais elaborado.

Ainda com relação ao esforço de elaborar a “compreensão” de um conceito, deve se destacar que um conceito mais amplo pode ir sendo desdobrado em sucessivas divisões conceituais. Assim, retomando o conceito mais amplo de “revolução”, delineado de acordo com a ‘compreensão’ proposta por Hannah Arendt, poderia ser o caso de se construir uma nova divisão conceitual, que cindisse a classe maior das revoluções em “revoluções burguesas” e “revoluções socialistas”.

Por um lado todas as revoluções (de acordo com Arendt) possuem em comum certas características – como a mudança política brusca e violenta, a consecução ou o projeto de uma transformação social efetiva, a presença da idéia de “liberdade política” para além da mera “libertação”, e a convicção de um “novo começo” por parte dos atores sociais. Este conjunto de atributos independe de estas revoluções serem “revoluções burguesas” ou “revoluções socialistas”.

Por outro lado, no que se refere à participação ou ao tipo de participação de determinados atores ou classes sociais no processo de luta, e também ao seu resultado ou intenções em termos da organização social alcançada ou a alcançar, podem começar a ser entrevistas as diferenças entre as “revoluções burguesas” (conduzidas pelas classes enquadradas dentro da burguesia e almejando uma sociedade fundada na propriedade privada individual e na expansão capitalista) e as “revoluções socialistas”, conduzidas por lideranças operárias ou camponesas e motivadas pela possibilidade da dissolução das formas de propriedade típicas da sociedade burguesa (isto é, considerando-se a conceituação de “revolução socialista” habitualmente proposta pelo marxismo).

Seria possível continuar conduzindo desdobramentos conceituais como estes. Cindir, por exemplo, a classificação das “revoluções socialistas” entre aquelas que tiveram uma participação mais ativa do proletariado (como a Revolução Russa) e as que tiveram uma participação mais ativa do campesinato (como a Revolução Chinesa). Estaríamos deste modo elaborando ‘compreensões’ mais amplas e ‘extensões’ mais restritas que se desdobrariam nos novos conceitos de “revolução socialista proletária” e “revolução socialista camponesa”. Cada um destes desdobramentos conceituais passa a se restringir a um número menor de casos que, em contrapartida, seriam compreendidos de maneira mais rica. Mas chega um momento em que a operação de ampliar a ‘compreensão’ de um conceito e de reduzir a sua ‘extensão’, ou de desdobrar um conceito mais amplo em novas subdivisões conceituais, atinge os seus limites. Saímos do plano generalizador de “revolução”, para entrar no plano particularizador de cada revolução específica. Se a Revolução Chinesa e a Revolução Albanesa podem ser caracterizadas como “revoluções socialistas camponesas”, o evento da “Grande Marcha” foi uma especificidade histórica da Revolução Chinesa. Descrever os vários processos e eventos inerentes a este acontecimento único e irrepetível que foi a Revolução Chinesa já não é mais da esfera da conceituação. Não se pode conceituar a Revolução Chinesa; pode-se enumerar as suas características, descrever aspectos essenciais do seu desenrolar histórico, e assim por diante. Descrições e definições não-conceituais também são necessárias aos estudos históricos e sociológicos, mas são de outra natureza que não a das operações da conceitualização.

Cumpre extrair um ensinamento do exemplo acima. A definição proposta para um conceito não deve ser nem excessivamente ampla, nem demasiado estreita, existindo uma medida mais ou menos adequada que o autor deve se esforçar por atingir. Definir “revolução” de maneira exageradamente ampla, fazendo-a significar “qualquer movimento social armado”, seria tão problemático quanto definir “revolução” de maneira extremamente estreita, a tal ponto que dentro desta designação só coubesse um único exemplo histórico de revolução. Tais procedimentos são inúteis do ponto de vista científico.

Um exemplo aparentemente mais simples poderá iluminar a questão. “Homem” não pode ser definido simplesmente como um “mamífero bípede”, já que existem inúmeros outros animais que são mamíferos bípedes mas que não são homens; também não pode ser definido como “um animal que habita cidades construídas por ele mesmo”, já que existem homens que vivem no campo e não em cidades, sem falar nas sociedades humanas que não investiram na urbanização (como os povos indígenas brasileiros ou os aborígines australianos). Neste último caso a ‘expressão definidora’ foi demasiado estreita (mais estreita que a essência do ‘termo a definir’) incluindo uma característica que não é essencial ao gênero humano, mas apenas eventual (a urbanidade). Já no primeiro caso a ‘expressão definidora’ foi mais ampla do que a essência do ‘termo a definir’, mencionando apenas uma combinação de duas características que não pertence exclusivamente ao gênero “homem” (mamífero bípede).

Quem sabe se a definição do “homem” como “construtor de cidades” não poderia ser melhorada dando-se uma maior extensão ao aspecto faber (construtor) registrado na ‘expressão definidora’ proposta? O homem seria então definido como “um animal que constrói” (não apenas cidades, mas também ocas como os indígenas, e também ferramentas, armas, utensílios). Em duas palavras, mais do que "homo sapiens" (homem que sabe), o Homem poderia ser definido como "homo faber" (homem que faz). Na mesma linha, poderia se tentar uma definição adaptada daquela que foi proposta por Marx e Engels “o homem é o único animal capaz de produzir as suas próprias condições de existência” (Marx e Engels, "A Ideologia Alemã").

Esta Definição, se por um lado registra a inserção do homem no mundo animal, por outro lado o diferencia como animal capaz produzir inventivamente as suas próprias condições de vida, interferindo na natureza. Mas então sempre surgiria alguém para dizer que o pássaro joão-de-barro também constrói o seu ninho, ou um castor a sua represa, de modo que seria preciso acrescentar que o homem produz os seus meios de vida transformando os materiais que a natureza oferece, e não apenas coletando-os . Estes tateamentos em busca de uma definição mais ajustada mostram as imprecisões que os estudiosos devem enfrentar diante da aventura de conceituar e de definir.

Uma lição, ainda, pode ser colhida dos exemplos até aqui discutidos: nenhum conceito é definitivo, sendo sempre possível redefini-lo. Se Hannah Arendt definiu “revolução” a partir do seu caráter originário de movimento social, operando sucessivos recortes na sua extensão, o mesmo conceito pode adquirir um enfoque bem diferente, mas igualmente válido, como aquele proposto por Krzystof Pomian:


“Efetivamente, qualquer revolução não é mais que a perturbação de uma estrutura e o advento de uma nova estrutura. Considerada neste sentido, a palavra ‘revolução’ perde o seu halo ideológico. Já não designa uma transformação global da sociedade, uma espécie de renovação geral que relega para a sua insignificância toda a história precedente, uma espécie de ano zero a partir do qual o mundo passa a ser radicalmente diferente do que era. Uma revolução já não é concebida como uma mutação, se não violenta e espetacular, pelo menos dramática; ela é, muitas vezes, silenciosa e imperceptível, mesmo para aqueles que a fazem; é o caso da revolução agrícola ou da revolução demográfica. Nem sequer é sempre muito rápida, acontece que se alongue por vários séculos. Assim (como o demonstram François Furet e Mona Ozouf), uma estrutura cultural caracterizada pela alfabetização irrestrita foi substituída por outra, a da alfabetização generalizada, no decurso de um processo que, em França, durou cerca de trezentos anos” (POMIAN, 1990: 206)


“Revolução”, segundo a ‘compreensão’ proposta por Pomian, já não é necessariamente uma mudança brusca (“acontece que se alongue por vários séculos”) ou sequer violenta (“ela é muitas vezes silenciosa e imperceptível”). Tampouco é concebida como um novo começo (“essa espécie de ano zero a partir do qual o mundo passa a ser radicalmente diferente do que era”). Por outro lado, implica necessariamente na passagem de uma “estrutura” a outra. Desta forma, associada ao conceito de “estrutura” tal foi como proposto pelos historiadores dos Annales, “revolução” passa a ter a sua ‘extensão’ aplicável a uma série de outros fenômenos para além dos movimentos políticos, como a “revolução agrícola” ou a “revolução demográfica”.

Pode-se dar que o polissemismo possível de um conceito esteja presente em um mesmo autor, mas referindo-se a situações diversas. Em Marx e Engels, por exemplo, ocorre que às vezes – como em A Ideologia Alemã – a expressão “revolução” apareça relacionada com o salto de um modo de produção para o seguinte . Neste sentido, portanto, também pode incorporar fenômenos como a “revolução agrícola” ou a “revolução urbana”, de maneira similar ao enfoque de Pomian. Mas Marx e Engels também empregam a expressão “revolução” no seu sentido mais propriamente político, referindo-se especificamente a movimentos sociais – o que implica em um enfoque mais próximo do proposto por Hannah Arendt, embora bem mais flexível (ou “extenso”).

É preciso notar, ainda, que dois autores podem elaborar um conceito a partir de uma ‘compreensão’ idêntica ou muito próxima, e no entanto diferirem na sua concepção concernente à ‘extensão’ deste conceito, no que se refere a quais os casos observáveis que se enquadrariam neste conceito. Assim, Gianfranco Pasquino, encarregado de compor o verbete “revolução” para o Dicionário de Política coordenado por Norbert Bobbio (PASQUINO, 2000: 1121), não deixa de chegar a uma ‘compreensão’ deste conceito bastante compatível com a de Hannah Arendt, uma vez que nela combina os aspectos da violência, da intenção de promover efetivamente mudanças profundas nas relações sociais, além do aspecto relativo ao sentimento do novo . No entanto, no exame dos casos empíricos – isto é, na avaliação de que processos históricos se enquadrariam na categoria “revolução” – discorda da afirmação de que a Revolução Americana tenha sido efetivamente uma Revolução, preferindo enxergá-la como uma “sub-espécie da guerra de libertação nacional” . Por outro lado, já admite que a Revolução Francesa teria introduzido uma mudança no conceito de “revolução”, passando-se à fé na possibilidade da criação de uma ordem nova. Assim, apesar de uma ‘compreensão’ relativamente próxima ou compatível de um mesmo conceito, os dois autores divergem no que se refere ao ajuste dos casos concretos à ‘extensão’ atribuída a este conceito.

Estes exemplos, entre tantos outros que poderiam ser relacionados, são suficientes para mostrar que, ao procurar precisar os conceitos que irá utilizar, o estudioso pode ter diante de si uma gama relativamente ampla de alternativas. É esta variedade de possibilidades – verdadeira luta de sentidos diversos que se estabelece no interior de uma única palavra – o que torna desejável uma delimitação bastante clara do uso ou dos usos que o autor pretende atribuir a uma determinada expressão-chave de seu trabalho.


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O presente texto foi extraído do capítulo 5 do livro "O Projeto de Pesquisa em História" (BARROS, José D'Assunção. O Projeto de Pesquisa em História. Petrópolis: Editora Vozes, 2010, 7a edição).

Aos leitores deste Blog que se interessarem em conhecer um pouco do livro, dois capítulos serão disponibilizados por e-mail. Basta pedir para jose.assun@globo.com

Os Conceitos e sua instrumentalização teórica

O que são os conceitos, e como eles podem ser empregados operacionalmente na História, nas Ciências Sociais e nas Ciências Humanas? Como se relacionam com a realidade que pretendem ajudar a descrever, ou com a base teórica que ampara uma determinada argumentação em áreas como a História, a Sociologia, a Antropologia, a Geografia? O objetivo deste texto será refletir livremente sobre estas questões, visando auxiliar didaticamente o seu entendimento e as suas possibilidades de esclarecimento no âmbito da metodologia científica aplicável às ciências humanas de modo geral, e à História, mais especificamente. Nosso objetivo será, de um lado, discutir a questão dos conceitos em um nível mais abstrato e filosófico, e, de outro lado, oferecer exemplificações concretas relacionadas às ciências sociais e humanas.
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Antes de tudo, consideraremos, para nossa própria operacionalização, que um conceito pode ser entendido como uma formulação abstrata e geral, ou pelo menos como uma formulação passível de generalização, que o indivíduo pensante utiliza para tornar alguma coisa inteligível nos seus aspectos essenciais ou fundamentais, para si mesmo e para outros. Visto desta forma, o conceito constitui uma espécie de órgão para a percepção ou para a construção de um conhecimento sobre a realidade, mas que se dirige não para a singularidade do objeto ou evento isolado, mas sim para algo que liga um objeto ou evento a outros da mesma natureza, ao todo no qual se insere, ou ainda a uma qualidade de que participa.
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Vale lembrar que este entendimento do conceito simultaneamente como algo instrumental (algo que pode ser utilizado como instrumento) , e como algo que se apresenta como uma unidade de conhecimento produzido, não é um consenso no âmbito dos estudos de metodologia. De fato, o conceito pode, de modo diversificado, ser alternadamente discutido como unidade de pensamento, unidade de conhecimento e unidade de comunicação . Ingetraut Dahlberg, em um artigo intitulado “Teoria do Conceito” (1998: 101-107), acrescenta que, para que se possa dizer que estamos propriamente diante um conceito, é preciso identificar necessariamente em torno da expressão considerada três dimensões: o referente, o termo e as características. As ‘características’ correspondem mais especificamente às propriedades atribuídas ao ‘referente’, que por sua vez é uma unidade de pensamento através da qual se torna possível falar (pensar) em “pássaro”, conceitualmente, para além dos pássaros específicos que existem efetivamente na realidade observável, singularizados, cada um diferente do outro. Mas a isto voltaremos mais adiante. ‘Termo’, por fim, corresponde à palavra ou grupo de palavras que está sendo utilizada para designar o conceito (a expressão verbal “pássaro”, por exemplo). Embora em outros campos do saber, como a matemática, o ‘termo’ possa ser uma fórmula, um algarismo ou um símbolo, para o nosso âmbito de estudos, invariavelmente os “termos” se apresentam como palavras ou como um grupo mínimo de palavras.
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Voltando ao que dizíamos sobre a dimensão de generalização trazida pelo conceito, podemos considerar que, muito habitualmente, os conceitos correspondem a categorias gerais que definem classes de objetos e de fenômenos dados ou construídos, e o seu objetivo é sintetizar o aspecto essencial ou as características existentes em comum entre estes objetos ou fenômenos. Desta maneira, a Revolução Francesa ou a Revolução Americana não são conceitos, mas “revolução” sim. Da mesma forma, o conceito marxista de “modo de produção” pode encontrar um desdobramento no “modo de produção asiático” ou no “modo de produção feudal”: mas não tem sentido, por exemplo, dizer que se pretende conceituar o “modo de produção feudal” em uma determinada região da Europa medieval. O que se está fazendo neste último caso é descrever uma situação social específica, que pode até se enquadrar no que habitualmente se define como “modo de produção feudal”, mas que neste tipo de operação (a descrição de um fenômeno) virá misturada com singularidades que não fazem parte do âmbito conceitual.
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De maneira análoga, pode-se “explicar” historicamente o que foi a Revolução Francesa a partir de um certo ponto de vista, mas não se pode “conceituá-la”, uma vez que a Revolução Francesa constitui um conjunto singular e único de situações e aspectos. Uma descrição histórica, ou uma narrativa historiográfica, mesmo que sintetizada, não pode ser confundida com uma conceituação. A explicação construída sobre a Revolução Francesa, por outro lado, poderá se valer dentro dela do uso do conceito de “revolução”, mediante o qual, se a explicação for levada até este ponto, o leitor poderá saber o que há de comum entre a Revolução Francesa e a Revolução Chinesa e a Revolução Cubana, e o que habilita chamar a cada um daqueles eventos e situações de “revolução”.
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Este tipo de conceito, quando bem formulado, representa somente os elementos que são absolutamente essenciais ao objeto ou fenômeno considerado na sua generalidade, e deste modo ele deve trazer para a sua definição aspectos que são comuns a todas as coisas da mesma espécie, deixando de fora fatores que são somente particularizantes de um objeto ou fenômeno singular.
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Exemplos de conceitos que reúnem objetos particulares em uma única classe podem ser encontrados na própria vida cotidiana. “Pássaro”, por exemplo, é um conceito construído a partir da abstração das características que todos os pássaros têm em comum. Trata-se, por outro lado, de um exemplo de conceito muito menos abstrato que o de “revolução”, uma vez que as características que todos os pássaros têm em comum, e que constituem o conceito de “pássaro”, são facilmente observáveis ou mensuráveis. Já a elaboração do conceito de “revolução”, conforme teremos oportunidade de verificar mais adiante, requer um grau maior de abstração que transcende a mera observação direta. Alguns autores chamam a este tipo de conceito construído a um nível de abstração mais elevado de constructo .
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Enquanto o conceito propriamente dito tem os seus elementos mais imediatamente apreensíveis (por observação ou por mensuração), o constructo não permite uma apreensão ou mensuração direta de suas propriedades ou aspectos essenciais, e muitas vezes tem de ser construído utilizando-se de outros conceitos, de menor nível de abstração, como materiais de base. Assim, “peso” é um conceito de nível mais direto de apreensão (já que os objetos se apresentam imediatamente à sensibilidade humana como “leves” ou “pesados”). “Volume” remete a apreensões imediatas que estão relacionadas ao espaço ocupado por um corpo. “Massa” é um conceito mensurável fisicamente com os instrumentos adequados (a massa de um corpo depende simultaneamente de quantos átomos ele contém e da massa individual destes átomos). “Densidade”, contudo, é um conceito que necessita de um nível maior de abstração: pode ser definido no caso como uma ‘relação entre “massa” e “volume” (massa  volume). Nesta situação, a elaboração do constructo “densidade” necessitou da utilização dos conceitos de “massa” e “volume”, de menor nível de abstração.
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Retornando à idéia de “revolução”, mais adiante veremos que este conceito necessita da utilização de outros materiais conceituais para a sua elaboração, construindo-se na combinação ou na relação entre conceitos e noções como os de “violência”, “mudança”, “liberdade”, “movimento social”, que de um modo geral são conceitos mais imediatamente apreensíveis (todos já estão familiarizados com a “violência” ou com a idéia de “mudança” a partir da sua própria vida cotidiana). Assim, mais rigorosamente, “revolução” seria um constructo. Para simplificar, neste artigo chamaremos de “conceitos” às diversas elaborações nos vários níveis de abstração, independentemente de serem constructos ou conceitos propriamente ditos.
Vimos acima que “revolução” ou “pássaro” são conceitos que sintetizam as características essenciais de fenômenos ou objetos do mesmo tipo. Mas vale lembrar que existem conceitos que não se referem propriamente a categorias gerais nas quais se enquadram objetos particulares, mas sim a propriedades, a processos ou situações generalizadas que ajudam a compreender o mundo circundante. O conceito darwiniano de “seleção natural”, por exemplo, foi cunhado para representar um processo global relativo a um sistema de mútuas interações do qual participariam todos os seres vivos na sua luta pela sobrevivência. O conceito de “centralização política” articula-se a uma certa maneira de ver o processo mediante o qual determinados poderes e atribuições de controlar e organizar a sociedade passam a se concentrar em torno de um núcleo estatal. O conceito de “imaginário” procura dar conta de uma dimensão da vida humana associada à produção de imagens visuais, mentais e verbais, na qual são elaborados ‘sistemas simbólicos’ diversificados e na qual se constroem ‘representações’.
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Estes três exemplos (“seleção natural”, “centralização”, “imaginário”) referem-se a conceitos que não produzem, necessariamente, sistemas de classificação. Da mesma forma, atributos ou propriedades podem ser conceituados, como “justiça”, “liberdade”, “densidade”.
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O importante é compreender que o conceito é uma abstração elaborada a partir da generalização de observações particulares. Sobretudo, é preciso ter em mente que o conceito é uma construção lógica que tem o objetivo de organizar a realidade para o sujeito que busca conhecê-la, mas não se devendo confundir a abstração conceitual com esta mesma realidade. Assim, os conceitos não existem como fenômenos reais, mesmo que tentem representar os fenômenos reais (a não ser, é claro, em teorias idealistas como a platônica, onde as idéias têm uma existência concreta para além do universo imaginário criado pelos homens na sua busca de compreender o mundo).
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Não obstante, apesar de não possuir uma existência real, o conceito é um instrumento imprescindível não apenas para o conhecimento científico, como para a própria vida comum. Se os objetos e fenômenos não pudessem ser concebidos em termos de semelhanças e diferenças, com a ajuda dos conceitos, a ciência e uma série de outras atividades humanas fundamentais simplesmente não seriam possíveis. Neste sentido, o conceito é um mediador necessário entre o sujeito pensante e a realidade.
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Em se tratando de “conceitos científicos”, acrescentaríamos que o conceito deve possuir destacada clareza e suficiente precisão, uma vez que são eles que irão definir a forma e o conteúdo da teoria a ser construída pelo sujeito de conhecimento. Distingue-se, portanto, de outros instrumentos importantes mas certamente mais vagos e menos precisos na comunicação humana, como os “termos” – que são expressões que habitualmente passam a fazer parte do vocabulário de um campo disciplinar ou de um universo temático mas sem uma maior precisão conceitual. Poder-se-ia falar ainda das “noções”, que são ‘quase conceitos’, mas ainda funcionando como imagens de aproximação de um determinado objeto de conhecimento que ainda não se acham suficientemente delimitadas. É possível, neste sentido, que um estudioso crie uma “noção” e que, ao longo de diversos trabalhos científicos – seus e de outros – esta noção vá gradualmente se transformando em “conceito” ao se adquirir na comunidade científica uma consciência maior dos seus limites, da extensão de objetos à qual se aplica, e também ao se clarificar melhor o seu polissemismo interno com as conseqüentes escolhas dos estudiosos. Diga-se de passagem, os “termos” e “noções” são igualmente ‘instrumentos’ imprescindíveis para o estudioso, cumprindo notar que o conceito pode ser metaforicamente comparado a um “instrumento de alta precisão”


O presente texto foi extraído, com adaptações, do 'capítulo 5' do livro "O Projeto de Pesquisa em História". (BARROS, José D'Assunção. O Projeto de Pesquisa em História. Petrópolis: Editora Vozes, 2009, 6a edição)

quinta-feira, 26 de agosto de 2010

Importância da Teoria e Metodologia da História

Costumo dizer, e realmente acredito nisso, que a Teoria e Metodologia da História é aquilo de mais importante que um curso superior de História pode oferecer a um estudante de graduação - isto é, um 'historiador em formação'. E acrescento que esse 'historiador em formação' irá aprender Teoria e Metodologia da História não apenas nas disciplinas que levam este nome e em outras do mesmo circuito, mas nas próprias disciplinas de conteúdo específico relacionadas a uma temporalidade ou espaço ("História Antiga", "História Medieval", "História Moderna", "História do Brasil", "História da África", etc).
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Na verdade, penso mesmo que aquilo de mais essencial e útil que um aluno pode aprender dos seus professores destas diversas 'disciplinas de conteúdo' é precisamente Teoria e Metodologia da História. Assim, não é tão importante aprender conteúdos específicos de 'História Moderna' em um curso de graduação em História, quanto aprender Teoria ou Metodologia da História "através" da História Moderna. É menos importante aprender conteúdos específicos sobre a Revolução Francesa ou sobre o Renascimento, do que desenvolver competências relacionadas a Teoria e Metodologia através destes conteúdos. Por exemplo, ao estudar a Revolução Francesa em si mesma, o aluno pode alcançar aspectos ainda mais decisivamente importantes, para o seu futuro de historiador, do que os próprios conteúdos diretamente relacionados à Revolução Francesa. Quando se estuda a revolução francesa, ou qualquer outra revolução, pode-se aperfeiçoar a competência, por exemplo, de lidar teoricamente com as revoluções de diversos tipos, ou pode-se aprimorar a sua capacidade de trabalhar com as fontes deste período. Quando estudamos uma sociedade antiga ou medieval, não importa qual seja ela e em qual período, estamos aprendendo a lidar (teórica e metodologicamente) com sociedades antigas e medievais, e também aperfeiçoando ainda mais a nossa competência teórica e metodológica geral como historiadores.
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De fato, o principal a se aprender em um curso de graduação em História não pode ser os conteúdos espaço-temporais específicos, por eles mesmos. Estes conteúdos vão ser aprendidos ou assimilados, obviamente, mas o que eu quero dizer é que não são eles o que há de mais importante. Não é mesmo necessário que um conteúdo específico seja aprendido (isto é, se um conteúdo específico não for aprendido ou assimilado no curso de graduação, e uma infinidade deles não o serão, isso não repercutirá necessariamente como uma lacuna para a vida futura do historiador).
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Se os conteúdos específicos fossem o principal, o Ensino de História sempre seria lacunar. Por mais que um currículo de Graduação em História esteja bem guarnecido de disciplinas de História Antiga, sempre existirão sociedades antigas que ficarão faltando. Na História do Egito, por mais que seja oferecido um bom conteúdo, será obviamente impossível abarcar tudo sobre os vários milênios desta História, ou tudo o que seria importante para a humanidade saber sobre o Antigo Egito.
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O que podemos realmente aprender em um curso de graduação em História é sermos historiadores. Aprendemos a pensar teoricamente como historiadores, a agir metodologicamente como historiadores, a escrever como historiadores. Em um curso de História - "através" dos diversos conteúdos - aprendemos sobre o Tempo, sobre a alteridade das fontes, e sobre muitas outras coisas. Aprendemos a não cometer anacronismos, aprendermos a sermos críticos, e assim por diante. Não é um conteúdo espaço-temporal específico que é o mais importante, mas todas essas coisas.
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Costumo dar um exemplo. Imaginemos que um dia sejam descobertas as ruínas da Atlântida, e que, subitamente, os historiadores tenham à sua disposição as fontes de uma civilização antiga correspondente à Atlântida. A Atlântida, neste momento, deixaria de ser apenas uma lenda e passaria a ser História. No momento em que passassem a estar acessíveis aos historiadores as fontes históricas relacionadas à Atlântida, haveria uma espécie de corrida dos historiadores para escreverem os primeiros livros de história sobre a Atlântida. Possivelmente, algumas universidades incluiriam em seus currículos uma "História da Atlântida". De todo modo, é importante ter em mente que, se o principal a ser aprendido nos cursos de graduação fossem os conteúdos específicos ("História da Grécia", "História dos estados Unidos"), os historiadores não poderiam elaborar - pela primeira vez - a "História da Atlântida".
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O que permite que os historiadores possam a qualquer momento elaborar uma história de qualquer coisa, inclusive a de uma civilização cujas fontes tenham sido repentinamente descobertas, é o fato de que eles aprenderam a pensar historiograficamente, a teorizar, a agir metodologicamente, a produzir uma escrita específica que é a do historiador. Diga-se de passagem, antes que existissem os cursos de graduação em História, a partir do século XIX, os historiadores não deixavam de aprender essas coisas, de acordo com o padrão de suas próprias épocas. É perfeitamente possível aprender fora da Universidade, também. De qualquer maneira, se existe uma Universidade, e um curso de graduação em História, é para que se aprenda algo ainda mais importante do que os conteúdos específicos: os pensares e fazeres relacionados à História, um modo de escrita, uma competência para dialogar com as fontes e com outros historiadores - uma consciência histórica. Em duas palavras: Teoria e Metodologia.
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É por isso que são tão importantes as disciplinas relacionadas à Teoria e Metodologia da História - e à Historiografia, que corresponde à análise das obras produzidas pelos historiadores. E é por isso, também, que é importante aos professores de disciplinas relacionadas a conteúdos espaço-temporais específicos - a "História do Brasil", a "História Contemporânea", e assim por diante - ensinar Teoria e Metodologia através de suas disciplinas.
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Quando digo "ensinar", estou utilizando a expressão com um sentido mais flexível. Não é "ensinar" no sentido de transmitir uma competência que é sua ao aluno. Ensinar aqui é mediar o grupo de alunos para que trabalhem de uma determinada maneira para que, a partir desta atividade, possam desenvolver competências várias. Trata-se, portanto, de agir como mediador de um grupo para que este aprimore a capacidade de pensar teoricamente, agir metodologicamente, escrever historiograficamente.
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Essa enfim, é a importância da caminhada que aqui iniciamos. Sem Teoria, Método, e o desenvolvimento de uma habilidade historiográfica de Escrita, não é possível a alguém se formar historiador. Teoria, Metodologia e Historiografia são o mais importante. Tudo o mais é negociável.

Dois Modelos Imaginários de Ensino

Antes de iniciar a caminhada de reflexão sobre a Escrita da História, eu gostaria de entretecer algumas reflexões sobre o Ensino, de maneira geral, e sobre o Ensino de História nos cursos de graduação, em especial. Faço isso apenas para me situar, ainda que primariamente e cometendo algumas simplificações (partirei, aliás, de uma dicotomização que não se verifica como tal na realidade complexa do Ensino, mas que é um bom começo para reflexão). Vou introduzir alguns comentários iniciais, e depois remeter a um texto que poderá ser acessado. Antes de mais nada, peço também desculpas aos especialistas em Educação, pois não sou um conhecedor específico da Teoria da Educação, e, aos especialistas, alguns de meus comentários talvez pareçam primários, lugares-comuns, ou mesmo equivocados. A maior parte das reflexões que apresento aqui foram produzidas por uma vivência de muitos anos em sala de aula, particularmente no Ensino de graduação em História, e também no Ensino de Música, uma outra área em que também atuei durante muito tempo.
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Fala-se muito no deslocamento, no último século, de modelos que visavam a 'transmissão de conhecimento' (que muitas não eram senão camuflagens de modelos voltados para a 'transmissão de informações') para novos modelos baseados na 'produção de conhecimento'. Esta questão, obviamente, é fundamental para o Ensino de História - inclusive para o Ensino de História em níveis de graduação, isto é, o Ensino destinado à formação do historiador. Vamos chamar aqui a esta formação específica, a que irá permitir que surja um profissional de história, ou ao menos alguém com um conhecimento especializado sobre o fazer histórico, de "formação histórica".
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É claro que este deslocamento de modelos sintoniza perfeitamente com o deslocamento de um modelo imaginário de História Factual, narrativa ou informativa, para um modelo de História problematizado, e por isso também se agrega a esta reflexão algo que também será útil mais adiante. Mas neste momento estou preocupado com a questão mais geral do Ensino mesmo - que poderia ser também o Ensino de Biologia, Física, Economia, Música, ou qualquer outro. Pretendo refletir sobre a posição dos vários agentes que fazem parte do processo de ensino, no que concerne a dois modelos-limite. Não digo que estes modelos ocorram de forma pura na complexidade real, mas será interessante refletir sobre esta dicotomia, mesmo que para discordar dela, propor depois uma reflexão mais complexa, motivar novos desdobramentos, e assim por diante.
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Deste modo, quero começar esta caminhada com este assunto que não fará parte do caminho central - o da reflexão sobre a Teoria da História - mas que poderá ser metaforicamente considerado como uma pequena estalagem na qual os viajantes pernoitaram antes de seguir a viagem. Afinal, estaremos envolvidos a partir daqui em um processo de Ensino e Aprendizagem em torno do fazer histórico, ou, mais especificamente, em um processo de construção da "formação histórica" que permitirá que assumamos no futuro - e refiro-me neste momento aos historiadores em formação - uma profissão específica, que se estabelece sobre a prática em uma disciplina que tem desenvolvido os seus próprios aportes teóricos, os seus métodos, uma forma de Escrita.
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Proponho então a leitura do seguinte texto, que escrevi para esta finalidade. Trata-se de uma reflexão sobre o que é o Ensino hoje, sobre como nos situamos diante dele. Refletir sobre isso poderá contibuir para as nossas escolhas diante do caminho a seguir:

http://www.scribd.com/doc/36440618/Modelos-Limite-de-Ensino-uma-reflexao-livre-2010

quarta-feira, 25 de agosto de 2010

Início de uma Caminhada

Vamos iniciar, nesse momento, uma caminhada pelo universo da Teoria e da Metodologia da História, da Historiografia, e de outros assuntos correlatos. Peço que todos os que quiserem fazer comentários, a um ou outro dos textos ou mensagens que serão postados daqui por diante, se apresentem rapidamente, não apenas indicando o nome mas também definindo a sua relação com o tema (professor ou estudante de alguma Universidade, leitor habitual de historiografia, ou curioso sobre a área, por exemplo). Isso apenas para situar as pessoas, o lugar de onde falam, suas circunstâncias.
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Embora a construção deste blog tenha sido motivada por encontros presenciais, que estarão ocorrendo na Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro (onde sou professor na área de Teoria da História), a idéia é que ampliemos o universo de interlocutores, que consigamos dar início à produção de uma reflexão coletiva e interativa, em rede, sobre a História e a Teoria da História, seus métodos, sua escrita. Se conseguirmos a adesão de outros professores de Teoria e Metodologia da História para que tragam suas turmas a estes encontros virtuais, isso poderá vir a constituir uma experiência extremamente interessante.
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Quem quiser iniciar uma discussão, ou intercalar uma discussão autônoma entre os assuntos que serão discutidos semanalmente, também poderá fazer isso. Basta enviar um e-mail com o seu texto para mim, e eu o publicarei neste blog como parte desta caminhada que agora iniciamos. A orientação geral do blog é anarquista: aqui não existe um lugar de fala hierarquizado; todos podem se expressar livremente sobre os assuntos que serão tratados, trazendo suas próprias vivências, conhecimentos, incertezas, hesitações, ou mesmo suas angústias diante da complexidade deste campo de conhecimento que é a História.
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José D'Assunção Barros
e-mail: jose.assun@globo.com