quinta-feira, 26 de agosto de 2010

Importância da Teoria e Metodologia da História

Costumo dizer, e realmente acredito nisso, que a Teoria e Metodologia da História é aquilo de mais importante que um curso superior de História pode oferecer a um estudante de graduação - isto é, um 'historiador em formação'. E acrescento que esse 'historiador em formação' irá aprender Teoria e Metodologia da História não apenas nas disciplinas que levam este nome e em outras do mesmo circuito, mas nas próprias disciplinas de conteúdo específico relacionadas a uma temporalidade ou espaço ("História Antiga", "História Medieval", "História Moderna", "História do Brasil", "História da África", etc).
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Na verdade, penso mesmo que aquilo de mais essencial e útil que um aluno pode aprender dos seus professores destas diversas 'disciplinas de conteúdo' é precisamente Teoria e Metodologia da História. Assim, não é tão importante aprender conteúdos específicos de 'História Moderna' em um curso de graduação em História, quanto aprender Teoria ou Metodologia da História "através" da História Moderna. É menos importante aprender conteúdos específicos sobre a Revolução Francesa ou sobre o Renascimento, do que desenvolver competências relacionadas a Teoria e Metodologia através destes conteúdos. Por exemplo, ao estudar a Revolução Francesa em si mesma, o aluno pode alcançar aspectos ainda mais decisivamente importantes, para o seu futuro de historiador, do que os próprios conteúdos diretamente relacionados à Revolução Francesa. Quando se estuda a revolução francesa, ou qualquer outra revolução, pode-se aperfeiçoar a competência, por exemplo, de lidar teoricamente com as revoluções de diversos tipos, ou pode-se aprimorar a sua capacidade de trabalhar com as fontes deste período. Quando estudamos uma sociedade antiga ou medieval, não importa qual seja ela e em qual período, estamos aprendendo a lidar (teórica e metodologicamente) com sociedades antigas e medievais, e também aperfeiçoando ainda mais a nossa competência teórica e metodológica geral como historiadores.
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De fato, o principal a se aprender em um curso de graduação em História não pode ser os conteúdos espaço-temporais específicos, por eles mesmos. Estes conteúdos vão ser aprendidos ou assimilados, obviamente, mas o que eu quero dizer é que não são eles o que há de mais importante. Não é mesmo necessário que um conteúdo específico seja aprendido (isto é, se um conteúdo específico não for aprendido ou assimilado no curso de graduação, e uma infinidade deles não o serão, isso não repercutirá necessariamente como uma lacuna para a vida futura do historiador).
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Se os conteúdos específicos fossem o principal, o Ensino de História sempre seria lacunar. Por mais que um currículo de Graduação em História esteja bem guarnecido de disciplinas de História Antiga, sempre existirão sociedades antigas que ficarão faltando. Na História do Egito, por mais que seja oferecido um bom conteúdo, será obviamente impossível abarcar tudo sobre os vários milênios desta História, ou tudo o que seria importante para a humanidade saber sobre o Antigo Egito.
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O que podemos realmente aprender em um curso de graduação em História é sermos historiadores. Aprendemos a pensar teoricamente como historiadores, a agir metodologicamente como historiadores, a escrever como historiadores. Em um curso de História - "através" dos diversos conteúdos - aprendemos sobre o Tempo, sobre a alteridade das fontes, e sobre muitas outras coisas. Aprendemos a não cometer anacronismos, aprendermos a sermos críticos, e assim por diante. Não é um conteúdo espaço-temporal específico que é o mais importante, mas todas essas coisas.
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Costumo dar um exemplo. Imaginemos que um dia sejam descobertas as ruínas da Atlântida, e que, subitamente, os historiadores tenham à sua disposição as fontes de uma civilização antiga correspondente à Atlântida. A Atlântida, neste momento, deixaria de ser apenas uma lenda e passaria a ser História. No momento em que passassem a estar acessíveis aos historiadores as fontes históricas relacionadas à Atlântida, haveria uma espécie de corrida dos historiadores para escreverem os primeiros livros de história sobre a Atlântida. Possivelmente, algumas universidades incluiriam em seus currículos uma "História da Atlântida". De todo modo, é importante ter em mente que, se o principal a ser aprendido nos cursos de graduação fossem os conteúdos específicos ("História da Grécia", "História dos estados Unidos"), os historiadores não poderiam elaborar - pela primeira vez - a "História da Atlântida".
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O que permite que os historiadores possam a qualquer momento elaborar uma história de qualquer coisa, inclusive a de uma civilização cujas fontes tenham sido repentinamente descobertas, é o fato de que eles aprenderam a pensar historiograficamente, a teorizar, a agir metodologicamente, a produzir uma escrita específica que é a do historiador. Diga-se de passagem, antes que existissem os cursos de graduação em História, a partir do século XIX, os historiadores não deixavam de aprender essas coisas, de acordo com o padrão de suas próprias épocas. É perfeitamente possível aprender fora da Universidade, também. De qualquer maneira, se existe uma Universidade, e um curso de graduação em História, é para que se aprenda algo ainda mais importante do que os conteúdos específicos: os pensares e fazeres relacionados à História, um modo de escrita, uma competência para dialogar com as fontes e com outros historiadores - uma consciência histórica. Em duas palavras: Teoria e Metodologia.
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É por isso que são tão importantes as disciplinas relacionadas à Teoria e Metodologia da História - e à Historiografia, que corresponde à análise das obras produzidas pelos historiadores. E é por isso, também, que é importante aos professores de disciplinas relacionadas a conteúdos espaço-temporais específicos - a "História do Brasil", a "História Contemporânea", e assim por diante - ensinar Teoria e Metodologia através de suas disciplinas.
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Quando digo "ensinar", estou utilizando a expressão com um sentido mais flexível. Não é "ensinar" no sentido de transmitir uma competência que é sua ao aluno. Ensinar aqui é mediar o grupo de alunos para que trabalhem de uma determinada maneira para que, a partir desta atividade, possam desenvolver competências várias. Trata-se, portanto, de agir como mediador de um grupo para que este aprimore a capacidade de pensar teoricamente, agir metodologicamente, escrever historiograficamente.
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Essa enfim, é a importância da caminhada que aqui iniciamos. Sem Teoria, Método, e o desenvolvimento de uma habilidade historiográfica de Escrita, não é possível a alguém se formar historiador. Teoria, Metodologia e Historiografia são o mais importante. Tudo o mais é negociável.

Dois Modelos Imaginários de Ensino

Antes de iniciar a caminhada de reflexão sobre a Escrita da História, eu gostaria de entretecer algumas reflexões sobre o Ensino, de maneira geral, e sobre o Ensino de História nos cursos de graduação, em especial. Faço isso apenas para me situar, ainda que primariamente e cometendo algumas simplificações (partirei, aliás, de uma dicotomização que não se verifica como tal na realidade complexa do Ensino, mas que é um bom começo para reflexão). Vou introduzir alguns comentários iniciais, e depois remeter a um texto que poderá ser acessado. Antes de mais nada, peço também desculpas aos especialistas em Educação, pois não sou um conhecedor específico da Teoria da Educação, e, aos especialistas, alguns de meus comentários talvez pareçam primários, lugares-comuns, ou mesmo equivocados. A maior parte das reflexões que apresento aqui foram produzidas por uma vivência de muitos anos em sala de aula, particularmente no Ensino de graduação em História, e também no Ensino de Música, uma outra área em que também atuei durante muito tempo.
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Fala-se muito no deslocamento, no último século, de modelos que visavam a 'transmissão de conhecimento' (que muitas não eram senão camuflagens de modelos voltados para a 'transmissão de informações') para novos modelos baseados na 'produção de conhecimento'. Esta questão, obviamente, é fundamental para o Ensino de História - inclusive para o Ensino de História em níveis de graduação, isto é, o Ensino destinado à formação do historiador. Vamos chamar aqui a esta formação específica, a que irá permitir que surja um profissional de história, ou ao menos alguém com um conhecimento especializado sobre o fazer histórico, de "formação histórica".
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É claro que este deslocamento de modelos sintoniza perfeitamente com o deslocamento de um modelo imaginário de História Factual, narrativa ou informativa, para um modelo de História problematizado, e por isso também se agrega a esta reflexão algo que também será útil mais adiante. Mas neste momento estou preocupado com a questão mais geral do Ensino mesmo - que poderia ser também o Ensino de Biologia, Física, Economia, Música, ou qualquer outro. Pretendo refletir sobre a posição dos vários agentes que fazem parte do processo de ensino, no que concerne a dois modelos-limite. Não digo que estes modelos ocorram de forma pura na complexidade real, mas será interessante refletir sobre esta dicotomia, mesmo que para discordar dela, propor depois uma reflexão mais complexa, motivar novos desdobramentos, e assim por diante.
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Deste modo, quero começar esta caminhada com este assunto que não fará parte do caminho central - o da reflexão sobre a Teoria da História - mas que poderá ser metaforicamente considerado como uma pequena estalagem na qual os viajantes pernoitaram antes de seguir a viagem. Afinal, estaremos envolvidos a partir daqui em um processo de Ensino e Aprendizagem em torno do fazer histórico, ou, mais especificamente, em um processo de construção da "formação histórica" que permitirá que assumamos no futuro - e refiro-me neste momento aos historiadores em formação - uma profissão específica, que se estabelece sobre a prática em uma disciplina que tem desenvolvido os seus próprios aportes teóricos, os seus métodos, uma forma de Escrita.
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Proponho então a leitura do seguinte texto, que escrevi para esta finalidade. Trata-se de uma reflexão sobre o que é o Ensino hoje, sobre como nos situamos diante dele. Refletir sobre isso poderá contibuir para as nossas escolhas diante do caminho a seguir:

http://www.scribd.com/doc/36440618/Modelos-Limite-de-Ensino-uma-reflexao-livre-2010

quarta-feira, 25 de agosto de 2010

Início de uma Caminhada

Vamos iniciar, nesse momento, uma caminhada pelo universo da Teoria e da Metodologia da História, da Historiografia, e de outros assuntos correlatos. Peço que todos os que quiserem fazer comentários, a um ou outro dos textos ou mensagens que serão postados daqui por diante, se apresentem rapidamente, não apenas indicando o nome mas também definindo a sua relação com o tema (professor ou estudante de alguma Universidade, leitor habitual de historiografia, ou curioso sobre a área, por exemplo). Isso apenas para situar as pessoas, o lugar de onde falam, suas circunstâncias.
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Embora a construção deste blog tenha sido motivada por encontros presenciais, que estarão ocorrendo na Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro (onde sou professor na área de Teoria da História), a idéia é que ampliemos o universo de interlocutores, que consigamos dar início à produção de uma reflexão coletiva e interativa, em rede, sobre a História e a Teoria da História, seus métodos, sua escrita. Se conseguirmos a adesão de outros professores de Teoria e Metodologia da História para que tragam suas turmas a estes encontros virtuais, isso poderá vir a constituir uma experiência extremamente interessante.
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Quem quiser iniciar uma discussão, ou intercalar uma discussão autônoma entre os assuntos que serão discutidos semanalmente, também poderá fazer isso. Basta enviar um e-mail com o seu texto para mim, e eu o publicarei neste blog como parte desta caminhada que agora iniciamos. A orientação geral do blog é anarquista: aqui não existe um lugar de fala hierarquizado; todos podem se expressar livremente sobre os assuntos que serão tratados, trazendo suas próprias vivências, conhecimentos, incertezas, hesitações, ou mesmo suas angústias diante da complexidade deste campo de conhecimento que é a História.
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José D'Assunção Barros
e-mail: jose.assun@globo.com