tag:blogger.com,1999:blog-46990054539656106302024-03-13T13:45:53.236-07:00Conversas sobre HistóriaJosé D'Assunção Barroshttp://www.blogger.com/profile/14616369888767129715noreply@blogger.comBlogger21125tag:blogger.com,1999:blog-4699005453965610630.post-85042316765401131712011-02-22T07:01:00.000-08:002015-04-06T20:55:58.097-07:00(Delimitando o Tema) As escolhas que dependem mais diretamente do pesquisador<div class="MsoNormal" style="line-height: 110%; margin: 0cm 22.65pt 0pt 0cm; text-align: justify; text-indent: 1cm;">
<span style="font-size: 11.5pt; line-height: 110%; mso-bidi-font-size: 10.0pt;">No último post (<a href="http://ning.it/gFw4vl">http://ning.it/gFw4vl</a>), apontamos algumas questões pertinentes às pressões externas que se abatem sobre um tema de pesquisa ou que o beneficiam. Consideremos agora o que deve ser levado em conta do ponto de vista do próprio pesquisador quando da escolha de seu tema.</span></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 110%; margin: 0cm 22.65pt 0pt 0cm; text-align: justify; text-indent: 1cm;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 110%; margin: 0cm 22.65pt 0pt 0cm; text-align: justify; text-indent: 1cm;">
<span style="font-size: 11.5pt; line-height: 110%; mso-bidi-font-size: 10.0pt;">Antes de mais nada, o pesquisador deve perguntar a si mesmo se o tema escolhido efetivamente o interessa. Nada pior do que trabalhar em uma pesquisa com a qual não nos identificamos. Uma pesquisa sobre um tema sem interesse para o autor, apenas com vistas a assegurar um título de mestre ou de doutor (situação que tantas vezes se verifica), corre o risco de se tornar meramente burocrática, e de repassar aos futuros leitores e à banca que examinará a tese a mesma sensação de enfado que assaltou o seu autor durante a sua realização. O destino de uma tese como esta é um arquivo que jamais será consultado pelos olhares interessados dos futuros pesquisadores, e que somente será lembrada pelo seu próprio autor como uma tarefa penosa que teve de cumprir um dia para conquistar uma pequena promoção acadêmica ou salarial.</span></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 110%; margin: 0cm 22.65pt 0pt 0cm; text-align: justify; text-indent: 1cm;">
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<div class="MsoNormal" style="line-height: 110%; margin: 0cm 22.65pt 0pt 0cm; text-align: justify; text-indent: 1cm;">
<span style="font-size: 11.5pt; line-height: 110%; mso-bidi-font-size: 10.0pt;">É necessário, portanto, investir em um interesse efetivo quando se busca uma temática para iniciar uma pesquisa – interesse que, trazendo as marcas subjetivas que afetam diferentemente cada pesquisador, pode estar motivado tanto por uma simples curiosidade intelectual como pela intenção mais altruísta de fazer avançar o conhecimento científico.</span></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 110%; margin: 0cm 22.65pt 0pt 0cm; text-align: justify; text-indent: 1cm;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 110%; margin: 0cm 22.65pt 0pt 0cm; text-align: justify; text-indent: 1cm;">
<span style="font-size: 11.5pt; line-height: 110%; mso-bidi-font-size: 10.0pt;">Já o aspecto da <i style="mso-bidi-font-style: normal;">relevância</i> do tema escolhido é sempre uma questão delicada. Será relevante escrever uma tese sobre a minha pequena cidade natal, apenas para preencher motivações afetivas que provavelmente me chegam dos tempos de criança? Não seria melhor me dedicar a um assunto de interesse nacional, que correspondesse a um maior número de interesses entre os meus possíveis leitores? Ou, pensando bem, a tese sobre a pequena cidade em que nasci não poderia se converter em um excelente exercício de micro-história para compreender a sociedade mais ampla e acessar outras realidades similares?</span></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 110%; margin: 0cm 22.65pt 0pt 0cm; text-align: justify; text-indent: 1cm;">
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<div class="MsoNormal" style="line-height: 110%; margin: 0cm 22.65pt 0pt 0cm; text-align: justify; text-indent: 1cm;">
<span style="font-size: 11.5pt; line-height: 110%; mso-bidi-font-size: 10.0pt;">Procurar indagar sobre que interesse uma certa pesquisa poderá ter para a sociedade corresponde sempre a uma reflexão legítima. Tal como já foi mencionado, a relevância que um autor atribui ao seu próprio trabalho tende a interagir com os critérios de relevância que lhes chegam através da sociedade ou da Instituição, ou ainda através do conjunto de opiniões que o alcançam a partir de seus pares historiadores sob a forma de comentários e intertextualidades diversas. De qualquer maneira, o que não se pode é classificar uma pesquisa alheia como “irrelevante” apenas com base nos critérios que nós mesmos resolvemos adotar. Já se disse que “nada do que é humano é alheio ao historiador”. Dentro dos limites generosos do “tudo é história”, o pesquisador deve se esforçar por encontrar um tema que o deixe simultaneamente em paz consigo mesmo e em paz com o mundo que o cerca.</span></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 110%; margin: 0cm 22.65pt 0pt 0cm; text-align: justify; text-indent: 1cm;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 110%; margin: 0cm 22.65pt 0pt 0cm; text-align: justify; text-indent: 1cm;">
<span style="font-size: 11.5pt; line-height: 110%; mso-bidi-font-size: 10.0pt;">Não existem parâmetros oficiais para medir a relevância de um tema. O que existe é um consenso de que a questão da relevância deve ser constantemente refletida por aqueles que pretendem realizar um trabalho científico. Esta consciência dos aspectos que trazem relevância ao tema, aliás, também deve aparecer no Projeto de Pesquisa – merecendo um capítulo especial que chamaremos de ‘Justificativa’ e que discutiremos mais adiante.</span></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 110%; margin: 0cm 22.65pt 0pt 0cm; text-align: justify; text-indent: 1cm;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 110%; margin: 0cm 22.65pt 0pt 0cm; text-align: justify; text-indent: 1cm;">
<span style="font-size: 11.5pt; line-height: 110%; mso-bidi-font-size: 10.0pt;">Outro aspecto fundamental a ser considerado por ocasião da escolha do tema é a sua <i style="mso-bidi-font-style: normal;">viabilidade</i>. Por mais que um tema nos interesse, e por mais que o consideremos relevante, será inútil embarcar na aventura da produção de conhecimento científico se este tema não for viável. Existirá uma documentação adequada a partir da qual o tema poderá ser efetivamente explorado? Se esta documentação existe, conseguirei ter um acesso efetivo a ela? Existirão aportes teóricos já bem estabelecidos que me permitam abordar o tema com sucesso? Se não existirem, terei plena capacidade para forjar eu mesmo o instrumental teórico que me permitirá trabalhar com a temática proposta? O tema proposto requer exame de documentação escrita em língua estrangeira que não domino? Estarei plenamente capacitado para investigar este tipo de temática? Em uma palavra: o meu tema é viável? Eis uma preocupação que, com toda razão, deve pairar sobre a escolha do tema a ser investigado.</span></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 110%; margin: 0cm 22.65pt 0pt 0cm; text-align: justify; text-indent: 1cm;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 110%; margin: 0cm 22.65pt 0pt 0cm; text-align: justify; text-indent: 1cm;">
<span style="font-size: 11.5pt; line-height: 110%; mso-bidi-font-size: 10.0pt;">Um fantasma que costuma rondar a escolha de um tema para pesquisa é a obsessão do “ineditismo”. Com freqüência se exige das escolhas temáticas que elas sejam perpassadas por algum nível de originalidade. Não tem sentido acadêmico empreender uma pesquisa que rigorosamente já foi realizada, ou escrever uma tese que repita com mínimas variações uma tese anterior. O caráter inovador é ainda mais exigido em uma Pesquisa de Doutorado, mas também na Pesquisa de Mestrado é habitualmente solicitado.</span></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 110%; margin: 0cm 22.65pt 0pt 0cm; text-align: justify; text-indent: 1cm;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 110%; margin: 0cm 22.65pt 0pt 0cm; text-align: justify; text-indent: 1cm;">
<span style="font-size: 11.5pt; line-height: 110%; mso-bidi-font-size: 10.0pt;">Atente-se, porém, que a originalidade pode aparecer de diversas maneiras em uma pesquisa prevista. Um historiador pode inovar no seu tema propriamente dito, nas hipóteses propostas, nas fontes que utilizará, na metodologia a ser empregada, ou no seu aporte teórico. O seu tema já tantas vezes percorrido por outros historiadores pode merecer uma interpretação inteiramente nova, mesmo utilizando fontes já conhecidas. Assim, o pesquisador não deve deixar que o persiga obsessivamente a idéia de que é preciso encontrar um tema que ainda não tenha sido trabalhado. Tanto mais que, com uma superpopulação sempre crescente de dissertações de mestrado e teses de doutorado, os temas literalmente virgens tornam-se cada vez mais raros.</span></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 110%; margin: 0cm 22.65pt 0pt 0cm; text-align: justify; text-indent: 1cm;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 110%; margin: 0cm 22.65pt 0pt 0cm; text-align: justify; text-indent: 1cm;">
<span style="font-size: 11.5pt; line-height: 110%; mso-bidi-font-size: 10.0pt;">Na verdade, é sempre possível inovar – mesmo que a partir de um caminho aparentemente já percorrido. Um exemplo marcante é a obra “A Conquista da América” de Todorov<a href="http://www.blogger.com/post-create.g?blogID=4699005453965610630#_ftn1" name="_ftnref1" style="mso-footnote-id: ftn1;" title=""><span class="MsoFootnoteReference"><span style="mso-special-character: footnote;"><span class="MsoFootnoteReference"><span style="font-family: "Times New Roman"; font-size: 11.5pt; mso-ansi-language: PT-BR; mso-bidi-font-size: 10.0pt; mso-bidi-language: AR-SA; mso-fareast-font-family: "Times New Roman"; mso-fareast-language: PT-BR;">[1]</span></span></span></span></a>. Este autor conseguiu construir uma obra radicalmente inovadora a partir de um tema e de um problema que já haviam sido trabalhados inúmeras vezes por diversos historiadores, alguns dos quais utilizando as mesmas fontes das quais o escritor búlgaro lançou mão. A inovação, neste caso, esteve concentrada simultaneamente na abordagem teórica empregada e na metodologia utilizada, que incorporou as mais novas possibilidades de análise de discurso e de análises semióticas. A abordagem teórica, elaborando de maneira original conceitos como o de “alteridade”, concedeu mais um matiz de originalidade a esta obra que é hoje uma referência fundamental nos estudos históricos sobre a “Conquista da América”. </span></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 110%; margin: 0cm 22.65pt 0pt 0cm; text-align: justify; text-indent: 1cm;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 110%; margin: 0cm 22.65pt 0pt 0cm; text-align: justify; text-indent: 1cm;">
<span style="font-size: 11.5pt; line-height: 110%; mso-bidi-font-size: 10.0pt;">Daí pode ser extraída uma lição importante. Não é preciso necessariamente encontrar um tema novo, que não tenha sido abordado antes por outros pesquisadores. Vale também trabalhar um tema já antigo de maneira nova.</span></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 110%; margin: 0cm 22.65pt 0pt 0cm; text-align: justify; text-indent: 1cm;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 110%; margin: 0cm 22.65pt 0pt 0cm; text-align: justify; text-indent: 1cm;">
<span style="font-size: 11.5pt; line-height: 110%; mso-bidi-font-size: 10.0pt;">Uma derradeira questão, das mais importantes, é a que indaga por uma adequada <i style="mso-bidi-font-style: normal;">especificidade</i> do seu tema. O “pesquisador de primeira viagem” – marinheiro que atravessa pela primeira vez o oceano das suas possibilidades de produzir conhecimento científico – revela habitualmente a tendência a escolher temas demasiado amplos. A experiência ainda não lhe deu a oportunidade de aprender que um tema, para ser viável, deve sofrer certos recortes.</span></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 110%; margin: 0cm 22.65pt 0pt 0cm; text-align: justify; text-indent: 1cm;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 110%; margin: 0cm 22.65pt 0pt 0cm; text-align: justify; text-indent: 1cm;">
<span style="font-size: 11.5pt; line-height: 110%; mso-bidi-font-size: 10.0pt;">Ouçamos o que tem a dizer Umberto Eco<a href="http://www.blogger.com/post-create.g?blogID=4699005453965610630#_ftn2" name="_ftnref2" style="mso-footnote-id: ftn2;" title=""><span class="MsoFootnoteReference"><span style="mso-special-character: footnote;"><span class="MsoFootnoteReference"><span style="font-family: "Times New Roman"; font-size: 11.5pt; mso-ansi-language: PT-BR; mso-bidi-font-size: 10.0pt; mso-bidi-language: AR-SA; mso-fareast-font-family: "Times New Roman"; mso-fareast-language: PT-BR;">[2]</span></span></span></span></a> acerca desta tentação de “escrever uma tese que fale de muitas coisas” que aparece tão insistentemente entre os estudantes desavisados que iniciam suas primeiras experiências de pesquisa:</span></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 110%; margin: 0cm 22.65pt 0pt 0cm; text-align: justify; text-indent: 1cm;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 110%; margin: 0cm 22.65pt 0pt 0cm; text-align: justify; text-indent: 1cm;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 22.65pt 0pt 14.2pt; tab-stops: 70.9pt; text-align: justify;">
<span style="font-size: 10.5pt; mso-bidi-font-size: 10.0pt;">“O tema <i style="mso-bidi-font-style: normal;">Geologia</i>, por exemplo, é muito amplo. <i style="mso-bidi-font-style: normal;">Vulcanologia</i>, como ramo daquela disciplina, é também bastante abrangente. <i style="mso-bidi-font-style: normal;">Os Vulcões do México</i> poderiam ser tratados num exercício bom porém um tanto superficial. Limitando-se ainda mais o assunto, teríamos um estudo mais valioso: <i style="mso-bidi-font-style: normal;">A História do Popocatepetl</i> (que um dos companheiros de Cortez teria escalado em 1519 e que só teve uma erupção violenta em 1702). Tema mais restrito, que diz respeito a um menor número de anos, seria O Nascimento e a Morte aparente do Paricutin (de 20 de fevereiro de 1943 a 4 de março de 1952)”</span><span style="font-size: 11.5pt; mso-bidi-font-size: 10.0pt;"></span></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 110%; margin: 0cm 22.65pt 0pt 0cm; text-align: justify; text-indent: 1cm;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 110%; margin: 0cm 22.65pt 0pt 0cm; text-align: justify; text-indent: 1cm;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 110%; margin: 0cm 22.65pt 0pt 0cm; text-align: justify; text-indent: 1cm;">
<span style="font-size: 11.5pt; line-height: 110%; mso-bidi-font-size: 10.0pt;">Com relação a este aspecto, que nos força a uma reflexão sobre as distinções entre ‘campo de interesse’, ‘assunto’*, ‘tema’*, ‘recorte temático’* e ‘problema’*, ver texto postado anteriormente neste blog (<a href="http://ning.it/e7BKMa">http://ning.it/e7BKMa</a>).</span></div>
<div style="mso-element: footnote-list;">
</div>
<div style="mso-element: footnote-list;">
<br />
<hr align="left" size="1" width="33%" />
<div id="ftn1" style="mso-element: footnote;">
<div class="MsoFootnoteText" style="margin: 0cm 36.85pt 2pt 0cm; text-align: justify;">
Notas:</div>
<div class="MsoFootnoteText" style="margin: 0cm 36.85pt 2pt 0cm; text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoFootnoteText" style="margin: 0cm 36.85pt 2pt 0cm; text-align: justify;">
<a href="http://www.blogger.com/post-create.g?blogID=4699005453965610630#_ftnref1" name="_ftn1" style="mso-footnote-id: ftn1;" title=""><span class="MsoFootnoteReference"><span style="font-size: 9.5pt; mso-bidi-font-size: 10.0pt;"><span style="mso-special-character: footnote;"><span class="MsoFootnoteReference"><span style="font-family: "Times New Roman"; font-size: 9.5pt; mso-ansi-language: PT-BR; mso-bidi-font-size: 10.0pt; mso-bidi-language: AR-SA; mso-fareast-font-family: "Times New Roman"; mso-fareast-language: PT-BR;">[1]</span></span></span></span></span></a><span style="font-size: 9.5pt; mso-bidi-font-size: 10.0pt;"> TODOROV, T. <i style="mso-bidi-font-style: normal;">A Conquista da América – a questão do outro</i>. São Paulo: Martins Fontes, 1993.</span></div>
</div>
<div id="ftn2" style="mso-element: footnote;">
<div class="MsoFootnoteText" style="margin: 0cm 36.85pt 0pt 0cm; text-align: justify;">
<a href="http://www.blogger.com/post-create.g?blogID=4699005453965610630#_ftnref2" name="_ftn2" style="mso-footnote-id: ftn2;" title=""><span class="MsoFootnoteReference"><span style="font-size: 9.5pt; mso-bidi-font-size: 10.0pt;"><span style="mso-special-character: footnote;"><span class="MsoFootnoteReference"><span style="font-family: "Times New Roman"; font-size: 9.5pt; mso-ansi-language: PT-BR; mso-bidi-font-size: 10.0pt; mso-bidi-language: AR-SA; mso-fareast-font-family: "Times New Roman"; mso-fareast-language: PT-BR;">[2]</span></span></span></span></span></a><span style="font-size: 9.5pt; mso-bidi-font-size: 10.0pt;"> Umberto ECO. <i style="mso-bidi-font-style: normal;">Como se faz uma Tese</i>. São Paulo: Perspectiva, 1995. p.8.</span></div>
</div>
</div>
José D'Assunção Barroshttp://www.blogger.com/profile/14616369888767129715noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-4699005453965610630.post-27219107015584760652011-02-22T06:51:00.000-08:002011-02-23T16:11:40.239-08:00(Delimitando o Tema) O Recorte Temático e suas motivações sociais, intradisciplinares e acadêmicas<div class="MsoNormal" style="line-height: 110%; margin: 0cm 22.65pt 0pt 0cm; text-align: justify; text-indent: 1cm;"><span style="font-size: 11.5pt; line-height: 110%; mso-bidi-font-size: 10.0pt;">A escolha de um tema para pesquisa mostra-se diretamente interferida por alguns fatores combinados: o <i style="mso-bidi-font-style: normal;">interesse</i> do pesquisador, a <i style="mso-bidi-font-style: normal;">relevância</i> atribuída pelo próprio autor ao tema cogitado, a <i style="mso-bidi-font-style: normal;">viabilidade</i> da investigação, a <i style="mso-bidi-font-style: normal;">originalidade</i> envolvida. Mas é preciso reconhecer que, por outro lado, a estes fatores mais evidentes vêm se acrescentar inevitavelmente outros dos quais o próprio pesquisador nem sempre se apercebe. Existe por exemplo uma pressão indelével que se exerce sobre o autor a partir da sua sociedade, da sua época, dos paradigmas vigentes na disciplina em que se insere a pesquisa, da Instituição em que se escreve o pesquisador, ou do conjunto dos seus pares virtuais e concretos.</span></div><div class="MsoNormal" style="line-height: 110%; margin: 0cm 22.65pt 0pt 0cm; text-align: justify; text-indent: 1cm;"><span style="font-size: 11.5pt; line-height: 110%; mso-bidi-font-size: 10.0pt;">Tudo isto incide de maneira irresistível e silenciosa sobre o autor, mesmo que disto ele nem sempre se dê conta. Tornar-se consciente dos limites e desdobramentos sociais e epistemológicos de uma temática é uma questão estratégica importante para aquele que se empenha em viabilizar uma proposta de pesquisa, sendo forçoso reconhecer que o sucesso na boa aceitação de um projeto depende em parte da capacidade do seu proponente em conciliar os seus interesses pessoais com os interesses sociais mais amplos. Começaremos então por aqui.</span></div><div class="MsoNormal" style="line-height: 110%; margin: 0cm 22.65pt 0pt 0cm; text-align: justify; text-indent: 1cm;"><span style="font-size: 11.5pt; line-height: 110%; mso-bidi-font-size: 10.0pt;">Já se disse que um tema de pesquisa histórica (ou de qualquer outra modalidade de pesquisa) deve ser relevante não apenas para o próprio pesquisador, como também para os homens de seu tempo – estes que em última instância serão potencialmente os leitores ou beneficiários do trabalho realizado. Daí a célebre frase, cunhada por Benedetto Croce e reapropriada por Lucien Febvre<a href="http://www.blogger.com/post-create.g?blogID=4699005453965610630#_ftn1" name="_ftnref1" style="mso-footnote-id: ftn1;" title=""><span class="MsoFootnoteReference"><span style="mso-special-character: footnote;"><span class="MsoFootnoteReference"><span style="font-family: "Times New Roman"; font-size: 11.5pt; mso-ansi-language: PT-BR; mso-bidi-font-size: 10.0pt; mso-bidi-language: AR-SA; mso-fareast-font-family: "Times New Roman"; mso-fareast-language: PT-BR;">[1]</span></span></span></span></a>, de que “toda história é contemporânea”. Sempre escrevemos a partir dos olhares possíveis em nossa época, e necessariamente escreveremos não só sobre aquilo que de nossa parte consideramos ser relevante, mas também sobre aquilo que tem relevância para nossos próprios contemporâneos. Tirando eventuais arroubos visionários e prenunciadores de interesses futuros, todo historiador tem pelo menos um de seus pés apoiado no seu tempo. Por trás de sua escrita, é a um leitor que ele busca (conscientemente ou não).</span></div><div class="MsoNormal" style="line-height: 110%; margin: 0cm 22.65pt 0pt 0cm; text-align: justify; text-indent: 1cm;"><span style="font-size: 11.5pt; line-height: 110%; mso-bidi-font-size: 10.0pt;">Visto deste modo, o problema da relevância de um tema histórico atravessa questões algo complexas. É preciso considerar que aquilo que uma época ou sociedade considera digno de estudo poderá ser ou ter sido considerado irrelevante em um outro momento histórico ou situação social. No século XIX, pouca gente imaginava no campo da historiografia ocidental que um dia iriam se tornar tão atrativos os estudos sobre a Mulher nas várias épocas históricas. Mas a partir da segunda metade do século XX este tem sido precisamente um dos temas mais cotejados pelos historiadores do Ocidente. Sem dúvida contribuíram para isto os movimentos feministas, a gradual inserção da mulher no mercado de trabalho, o reconhecimento acadêmico e político das minorias e maiorias oprimidas, e outros tantos processos que se desenvolveram no decurso do século </span><span style="font-size: 10.5pt; line-height: 110%;">XX</span><span style="font-size: 11.5pt; line-height: 110%; mso-bidi-font-size: 10.0pt;">.</span></div><div class="MsoNormal" style="line-height: 110%; margin: 0cm 22.65pt 0pt 0cm; text-align: justify; text-indent: 1cm;"><span style="font-size: 11.5pt; line-height: 110%; mso-bidi-font-size: 10.0pt;">Foi especificamente sob o contexto destes processos mais amplos que os silêncios historiográficos a respeito da Mulher passaram a ser ciosamente preenchidos pelos historiadores das mais diversificadas tendências, e até com uma certa avidez que buscava como que compensar o tempo perdido pelas gerações anteriores. As próprias mulheres do século </span><span style="font-size: 10.5pt; line-height: 110%;">XX</span><span style="font-size: 11.5pt; line-height: 110%; mso-bidi-font-size: 10.0pt;">, por outro lado, passaram a partilhar também aquela função de historiador que antes era exercida quase que exclusivamente pelos homens. De todos os lados surgiram obras sobre “A mulher na Idade Média”, “A mulher escrava no Brasil Colonial”, “A mulher na Revolução Francesa”, e também obras sobre personalidades históricas femininas. Na segunda década do século </span><span style="font-size: 10.5pt; line-height: 110%;">XX</span><span style="font-size: 11.5pt; line-height: 110%; mso-bidi-font-size: 10.0pt;"> começaram inclusive a ser publicadas, primeiro na França e depois em outros países, obras panorâmicas sobre a História das Mulheres, em vários volumes, abarcando épocas e sociedades diversas.</span></div><div class="MsoNormal" style="line-height: 110%; margin: 0cm 22.65pt 0pt 0cm; text-align: justify; text-indent: 1cm;"><span style="font-size: 11.5pt; line-height: 110%; mso-bidi-font-size: 10.0pt;">Assim, um campo temático que em uma época anterior poderia ter sido taxado de irrelevante, ou que naquele momento sequer teria sido cogitado no seio da disciplina histórica, passava a constituir nesta outra época uma escolha historiográfica extremamente significativa. Eis aqui os olhares da sociedade presente e os seus movimentos internos fornecendo caminhos em pontilhado aos historiadores que, por vezes sem percebê-los, vão percorrendo-os quase que espontaneamente.</span></div><div class="MsoNormal" style="line-height: 110%; margin: 0cm 22.65pt 0pt 0cm; text-align: justify; text-indent: 1cm;"><span style="font-size: 11.5pt; line-height: 110%; mso-bidi-font-size: 10.0pt;">Existe ainda, para além das questões relacionados ao reconhecimento social da relevância temática, a questão mais delicada das pressões políticas e éticas que se exercem sobre o pesquisador que escolhe o seu tema ou delimita o seu problema de estudo. As escolhas éticas do historiador constituem certamente uma dimensão intrincada e complexa do trabalho histórico, sendo oportuno notar que esta dimensão ética se vê por diversas vezes perturbada por fatores menos relacionados com a “ética” propriamente dita do que com a “política” no seu sentido mais corriqueiro e cotidiano.</span></div><div class="MsoNormal" style="line-height: 110%; margin: 0cm 22.65pt 0pt 0cm; text-align: justify; text-indent: 1cm;"><span style="font-size: 11.5pt; line-height: 110%; mso-bidi-font-size: 10.0pt;">Incorporar uma dimensão ética à pesquisa científica é, sem sombra de dúvida, uma das mais legítimas preocupações que devem assaltar o pesquisador neste início de milênio. O cientista que inicia uma pesquisa sobre a possibilidade de clonar seres humanos deve refletir demoradamente sobre as implicações sociais desta possibilidade. O físico que libera as energias do átomo deve refletir preventivamente sobre as possibilidades de utilização das suas descobertas para a indústria bélica – para depois não precisar se refugiar naquele argumento vazio de “neutralidade” que advoga que o papel dos físicos é apenas desenvolver tecnologia, deixando-se aos políticos a obrigação moral de encaminhar adequadamente a utilização dos produtos desta tecnologia.</span></div><div class="MsoNormal" style="line-height: 110%; margin: 0cm 22.65pt 0pt 0cm; text-align: justify; text-indent: 1cm;"><span style="font-size: 11.5pt; line-height: 110%; mso-bidi-font-size: 10.0pt;">Da mesma forma, pode-se postular que a escolha de certos caminhos historiográficos e sociológicos deva ser permeada por uma reflexão ética correspondente. A que interesses servem o meu produto? Quais as futuras implicações do que agora escrevo? Que caminhos aqui se abrem, e que caminhos aqui se fecham? Contribuo para um mundo melhor, ou pelo menos mais divertido? É legítimo que o historiador interrogue a si mesmo acerca das responsabilidades envolvidas na leitura da História que ele mesmo produz. “Ciência com consciência”<a href="http://www.blogger.com/post-create.g?blogID=4699005453965610630#_ftn2" name="_ftnref2" style="mso-footnote-id: ftn2;" title=""><span class="MsoFootnoteReference"><span style="mso-special-character: footnote;"><span class="MsoFootnoteReference"><span style="font-family: "Times New Roman"; font-size: 11.5pt; mso-ansi-language: PT-BR; mso-bidi-font-size: 10.0pt; mso-bidi-language: AR-SA; mso-fareast-font-family: "Times New Roman"; mso-fareast-language: PT-BR;">[2]</span></span></span></span></a> – têm clamado nestas últimas décadas os filósofos de uma nova ecologia do conhecimento. “História com consciência histórica” – deveria ser um dos ecos deste clamor.</span></div><div class="MsoNormal" style="line-height: 110%; margin: 0cm 22.65pt 0pt 0cm; text-align: justify; text-indent: 1cm;"><span style="font-size: 11.5pt; line-height: 110%; mso-bidi-font-size: 10.0pt;">Mas há também o outro lado da questão. O “politicamente correto” é uma construção social do momento, como bem sabem os historiadores. O cuidado com o “eticamente adequado” e com o “politicamente correto” deve funcionar como fator <i style="mso-bidi-font-style: normal;">enriquecedor</i>, e não como fator <i style="mso-bidi-font-style: normal;">imobilizador</i>. Assim, se a sensibilidade do público e da comunidade acadêmica em relação a certo tema ou abordagem beneficia-se de oscilações através do tempo, para o desenvolvimento destas oscilações não deixam de contribuir também, com a sua iniciativa e com a sua praxis, os próprios historiadores. Para além disto, o tempo vivido é sempre o maior avalista de um objeto de estudo. Quantos temas históricos e perspectivas interpretativas – que um dia talvez tenham sido considerados empreitadas tão delicadas quanto caminhar através de um campo minado – não se tornaram possíveis depois que se “esfriaram” os acontecimentos !</span></div><div class="MsoNormal" style="line-height: 110%; margin: 0cm 22.65pt 0pt 0cm; text-align: justify; text-indent: 1cm;"><span style="font-size: 11.5pt; line-height: 110%; mso-bidi-font-size: 10.0pt;">Consideremos, a título de exemplo, os eventos traumáticos dos mega-atentados terroristas às torres gêmeas do World Trade Center em Nova York, no início deste novo milênio. Sob o peso do horror de milhares de mortes, dificilmente um pesquisador ocidental poderia enfrentar comodamente – nas proximidades cronológicas e espaciais deste evento – o desafio de escrever uma tese sobre “a importância dos mega-atentados de 2001 para a redefinição de uma futura política internacional mais socialmente conduzida”. Passados alguns anos, certamente começarão a surgir as teses e reflexões políticas menos comprometidas com as reações emocionais imediatas àqueles acontecimentos, e portanto mais acadêmicas ou profissionais. Hoje em dia qualquer historiador americano estuda Saladino, o grande líder islâmico medieval, sem se engajar em uma Cruzada. Mas qual deles se arriscaria – nestes dias seguintes aos mega-atentados, com a fumaça dos escombros ainda chegando aos céus de Nova York – a escrever teses explorando alguns dos lados mais espinhosos desta questão tão minada de ambigüidades?</span></div><div class="MsoNormal" style="line-height: 110%; margin: 0cm 22.65pt 0pt 0cm; text-align: justify; text-indent: 1cm;"><span style="font-size: 11.5pt; line-height: 110%; mso-bidi-font-size: 10.0pt;">Vale a pena visitar um ponto de vista exterior à Disciplina para iluminar a reflexão sobre o desejado equilíbrio entre ‘envolvimento ético’ e ‘distanciamento crítico’ na pesquisa histórica. Ao examinar os limites do conhecimento histórico, o antropólogo Da Matta tece alguns comentários que devem ser considerados:</span><br />
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</div><div class="MsoNormal" style="line-height: 150%; margin: 0cm 22.65pt 0pt 0cm; text-align: justify; text-indent: 35.45pt;"></div><div class="MsoNormal" style="margin: 3pt 22.65pt 0pt 14.2pt; text-align: justify;"><span style="font-size: 10.5pt; mso-bidi-font-size: 10.0pt;">“A eventos distantes no tempo corresponde uma predominância de interpretações acadêmicas em contraste com interpretações políticas; o evento está mais ‘frio’, para usarmos um qualificativo inventado por Lévi-Strauss. Concomitantemente, um evento mais próximo no tempo é um fato ainda se desenrolando entre nós. Um episódio que não esgotou suas ondas de impacto. Daí, certamente, as dificuldades de uma interpretação ‘fria’ acadêmica e a multiplicidade de interpretações políticas. Trata-se de um episódio ‘quente’, que se desenrola diante dos nossos olhos, e que ainda depende de nossa ação sobre ele”</span><a href="http://www.blogger.com/post-create.g?blogID=4699005453965610630#_ftn3" name="_ftnref3" style="mso-footnote-id: ftn3;" title=""><span class="MsoFootnoteReference"><span style="font-size: 11.5pt; mso-bidi-font-size: 10.0pt;"><span style="mso-special-character: footnote;"><span class="MsoFootnoteReference"><span style="font-family: "Times New Roman"; font-size: 11.5pt; mso-ansi-language: PT-BR; mso-bidi-font-size: 10.0pt; mso-bidi-language: AR-SA; mso-fareast-font-family: "Times New Roman"; mso-fareast-language: PT-BR;">[3]</span></span></span></span></span></a><span style="font-size: 11.5pt; mso-bidi-font-size: 10.0pt;"></span></div><div class="MsoNormal" style="line-height: 110%; margin: 0cm 22.65pt 0pt 0cm; text-align: justify; text-indent: 1cm;"><br />
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</div><div class="MsoNormal" style="line-height: 110%; margin: 0cm 22.65pt 0pt 0cm; text-align: justify; text-indent: 1cm;"><span style="font-size: 11.5pt; line-height: 110%; mso-bidi-font-size: 10.0pt;">A escolha de um tema, enfim, freqüentemente se faz sob a força de ondas de impacto que nem sempre são percebidas pelos pesquisadores. Por outro lado, se os horizontes de expectativas de uma sociedade exercem sua irresistível influência sobre os historiadores na escolha de seus temas, também as práticas disciplinares vigentes em um período contribuem com a sua silenciosa pressão sobre os pesquisadores, com ou sem a consciência destes. O “paradigma”*</span><span style="font-size: 3pt; line-height: 110%; mso-bidi-font-size: 10.0pt;"> </span><span style="font-size: 11.5pt; line-height: 110%; mso-bidi-font-size: 10.0pt;">de uma determinada disciplina como a História, em certa época, estende-se acima de todos os seus praticantes como um manto invisível, mesmo que haja diferenças radicais entre vários dos setores deste campo disciplinar e também resistências ao paradigma preponderante. Examinemos de perto esta questão.</span></div><div class="MsoNormal" style="line-height: 110%; margin: 0cm 22.65pt 0pt 0cm; text-align: justify; text-indent: 1cm;"><span style="font-size: 11.5pt; line-height: 110%; mso-bidi-font-size: 10.0pt;">No mundo ocidental, a Historiografia do século </span><span style="font-size: 10.5pt; line-height: 110%;">XIX</span><span style="font-size: 11.5pt; line-height: 110%; mso-bidi-font-size: 10.0pt;"> havia se constituído tradicionalmente em torno do campo político, direcionando-se mais especificamente para o desenvolvimento dos Estados Nacionais. Ao lado desta historiografia francamente nacionalista, e freqüentemente imbricada nela, havia também a “História dos Grandes Homens”*, conforme o modelo apregoado pelo historiador escocês Thomas Carlyle. No que concerne ao estilo do seu discurso, de modo geral a Historiografia tendia a ser francamente narrativa (e pouco analítica ou estrutural como ocorreria no século </span><span style="font-size: 10.5pt; line-height: 110%;">XX</span><span style="font-size: 11.5pt; line-height: 110%; mso-bidi-font-size: 10.0pt;">). A própria narrativa historiográfica assim produzida era essencialmente uma ‘narrativa linear’ (não dialógica*, e não complexa). Com relação ao ponto de vista em torno do qual se organizava esta narrativa linear, era sempre o do poder instituído, e a História tinha uma tendência a ser quase sempre uma “História Institucional”. Era neste ‘modo historiográfico’ que os historiadores estavam habitualmente mergulhados, e os temas que selecionavam para suas pesquisas e reflexões aí se inscreviam de maneira imperiosa.</span></div><div class="MsoNormal" style="line-height: 110%; margin: 0cm 22.65pt 0pt 0cm; text-align: justify; text-indent: 1cm;"><span style="font-size: 11.5pt; line-height: 110%; mso-bidi-font-size: 10.0pt;">Na Historiografia do século XX, pelo menos a partir da sua terceira década, instalou-se ou reforçou-se uma tendência nova, que foi se tornando cada vez mais preponderante. A partir da chamada <i style="mso-bidi-font-style: normal;">Escola dos Annales</i>*, das novas formulações marxistas e de tantas outras contribuições historiográficas, consolidou-se precisamente um novo tipo de História, que relativamente ao seu modo de constituir o objeto de estudo e o discurso do historiador pode ser chamada de “História-Problema” – expressão que será aqui tomada no sentido de uma “história problematizada”, construída em torno de hipóteses e de análises de profundidade, e não mais como uma História que é mera ordenação factual ou descritiva.</span></div><div class="MsoNormal" style="line-height: 110%; margin: 0cm 22.65pt 0pt 0cm; text-align: justify; text-indent: 1cm;"><span style="font-size: 11.5pt; line-height: 110%; mso-bidi-font-size: 10.0pt;">De certa forma Karl Marx (</span><span style="font-size: 10.5pt; line-height: 110%;">1818-1883</span><span style="font-size: 11.5pt; line-height: 110%; mso-bidi-font-size: 10.0pt;">), no próprio século </span><span style="font-size: 10.5pt; line-height: 110%;">XIX</span><span style="font-size: 11.5pt; line-height: 110%; mso-bidi-font-size: 10.0pt;">, já havia sido um precursor deste novo tipo de História juntamente com outros historiadores isolados. O fundador do Materialismo Histórico* estava preocupado com um problema muito específico quando elaborava as suas análises sociológicas e históricas: o problema do desenrolar da luta de classes e de sua inserção em um modo de produção específico. Esta história já <i style="mso-bidi-font-style: normal;">problematizada</i> proposta pelas obras de Marx contrastava francamente com a produção historiográfica de seu tempo – situação que se veria invertida a partir do século </span><span style="font-size: 10.5pt; line-height: 110%;">XX</span><span style="font-size: 11.5pt; line-height: 110%; mso-bidi-font-size: 10.0pt;">.</span></div><div class="MsoNormal" style="line-height: 110%; margin: 0cm 22.65pt 0pt 0cm; text-align: justify; text-indent: 1cm;"><span style="font-size: 11.5pt; line-height: 110%; mso-bidi-font-size: 10.0pt;">Já não teria muito sentido para este novo século uma História meramente descritiva ou narrativa, no sentido exclusivamente factual. Aos historiadores impunha-se agora a tarefa não de simplesmente descrever as sociedades passadas, mas de analisá-las, compreendê-las, decifrá-las. Tratava-se, por um lado, de constituir um problema central que guiasse a reflexão historiográfica a ser realizada; de outro lado, cumpria trazer a discussão desenvolvida em torno do problema escolhido para a superfície do discurso.</span></div><div class="MsoNormal" style="line-height: 110%; margin: 0cm 22.65pt 0pt 0cm; text-align: justify; text-indent: 1cm;"><span style="font-size: 11.5pt; line-height: 110%; mso-bidi-font-size: 10.0pt;">Exemplificando com casos mais concretos, não faria mais sentido – a não ser em uma obra de divulgação para o grande público – produzir uma história descritiva e narrativa dos acontecimentos que marcaram a Revolução Francesa. O que se exigia do historiador agora era que ele recortasse um problema dentro da temática mais ampla da Revolução Francesa – como por exemplo o problema da “dessacralização do poder público na Revolução Francesa”, o problema da “influência das idéias iluministas nos grupos revolucionários”, ou o problema da “evolução dos preços na crise que precedeu o período revolucionário”.</span></div><div class="MsoNormal" style="line-height: 110%; margin: 0cm 22.65pt 0pt 0cm; text-align: justify; text-indent: 1cm;"><span style="font-size: 11.5pt; line-height: 110%; mso-bidi-font-size: 10.0pt;">O “Problema” passou a ser um recorte que deveria ser feito necessariamente no “tema”, conforme os novos parâmetros da própria disciplina histórica. Ao lado disto, o pensamento historiográfico passou a ser cientificamente conduzido por hipóteses, e não mais pela mera ambição descritiva ou narrativa. Levantar questões torna-se a partir de então uma dimensão fundamental para este novo tipo de História, conduzindo-a para muito além das explicações de tipo linear dos antigos historiadores.</span></div><div class="MsoNormal" style="line-height: 110%; margin: 0cm 22.65pt 0pt 0cm; text-align: justify; text-indent: 1cm;"><span style="font-size: 11.5pt; line-height: 110%; mso-bidi-font-size: 10.0pt;">De igual maneira, reconheceu-se na História que passou a preponderar no século </span><span style="font-size: 10.5pt; line-height: 110%;">XX</span><span style="font-size: 11.5pt; line-height: 110%; mso-bidi-font-size: 10.0pt;"> a existência de uma pluralidade de perspectivas possíveis – e passou-se a falar também em uma “História vista de baixo”, em uma história das massas, e mesmo em uma história do indivíduo anônimo (em contraposição à velha biografia dos heróis oficializados). Com tantos novos desenvolvimentos, uma inédita diversidade de temáticas e de problemas possíveis para o trabalho historiográfico pôde ser pensada pelos pesquisadores do século </span><span style="font-size: 10.5pt; line-height: 110%;">XX</span><span style="font-size: 11.5pt; line-height: 110%; mso-bidi-font-size: 10.0pt;">, ao passo em que outras temáticas mais tradicionais foram se eclipsando. Na primeira metade deste século, por exemplo, declinaram as biografias de grandes personagens históricas, embora nas últimas décadas deste mesmo século elas tenham começado a retornar de forma totalmente distinta, mostrando-se já como “biografias problematizadas” que buscam iluminar através de uma vida os aspectos mais amplos da sociedade e não meramente ilustrar a vida de um grande rei ou herói.</span></div><div class="MsoNormal" style="line-height: 110%; margin: 0cm 22.65pt 0pt 0cm; text-align: justify; text-indent: 1cm;"><span style="font-size: 11.5pt; line-height: 110%; mso-bidi-font-size: 10.0pt;">Acompanhando as novas tendências, os domínios da História ampliaram-se extraordinariamente para âmbitos diversos – da cultura material até as mentalidades – e mesmo o Presente foi declarado território de exploração para o historiador, com a proposta de uma “história imediata” (ou de uma “história do tempo presente”). Tornando-se mais interdisciplinar, a História incorporou as abordagens de outras disciplinas como a Antropologia, a Lingüística e a Psicanálise, ampliando ainda mais a sua disponibilidade temática. A velha história política, com suas escolhas temáticas entre o institucional e o individual de elite, com seu olhar de cima e sua perspectiva eurocêntrica, teve de ceder espaço a uma nova história com a sua miríade de novos temas, a eclipsar os antes tradicionais objetos de estudo que, agora,. teriam de esperar novas reviravoltas para recuperar algum espaço no palco historiográfico<a href="http://www.blogger.com/post-create.g?blogID=4699005453965610630#_ftn4" name="_ftnref4" style="mso-footnote-id: ftn4;" title=""><span class="MsoFootnoteReference"><span style="mso-special-character: footnote;"><span class="MsoFootnoteReference"><span style="font-family: "Times New Roman"; font-size: 11.5pt; mso-ansi-language: PT-BR; mso-bidi-font-size: 10.0pt; mso-bidi-language: AR-SA; mso-fareast-font-family: "Times New Roman"; mso-fareast-language: PT-BR;">[4]</span></span></span></span></a>.</span></div><div class="MsoNormal" style="line-height: 110%; margin: 0cm 22.65pt 0pt 0cm; text-align: justify; text-indent: 1cm;"><span style="font-size: 11.5pt; line-height: 110%; mso-bidi-font-size: 10.0pt;">Os campos temáticos da historiografia, como se vê, vêm e vão de acordo com as próprias flutuações histórico-sociais e em sintonia com as mudanças de paradigmas historiográficos. Com tudo isto, pretendemos dar a perceber que os temas e problemas selecionados para pesquisas históricas não constituem inteiramente uma escolha dos historiadores. A Sociedade, a Instituição e a comunidade de historiadores na qual eles se inscrevem exercem o seu papel de criar um universo de temáticas possíveis a partir das quais os historiadores fazem as suas escolhas. Dizer que estas escolhas são inteiramente livres seria uma quimera. A historiografia, tal como já assinalou de maneira bastante pertinente Michel de Certeau, inscreve-se em um “lugar de produção” bem definido<a href="http://www.blogger.com/post-create.g?blogID=4699005453965610630#_ftn5" name="_ftnref5" style="mso-footnote-id: ftn5;" title=""><span class="MsoFootnoteReference"><span style="mso-special-character: footnote;"><span class="MsoFootnoteReference"><span style="font-family: "Times New Roman"; font-size: 11.5pt; mso-ansi-language: PT-BR; mso-bidi-font-size: 10.0pt; mso-bidi-language: AR-SA; mso-fareast-font-family: "Times New Roman"; mso-fareast-language: PT-BR;">[5]</span></span></span></span></a>.</span></div><div class="MsoNormal" style="line-height: 110%; margin: 0cm 22.65pt 0pt 0cm; text-align: justify; text-indent: 1cm;"><span style="font-size: 11.5pt; line-height: 110%; mso-bidi-font-size: 10.0pt;">É claro que compete aos historiadores inovar e propor novos temas e problemas para as suas pesquisas históricas. Mas é somente a custa de muitas resistências vencidas que os temas radicalmente inovadores passam a ser tolerados e respeitados, antes de passarem a compor com outros o repertório de temas historiográficos possíveis ou até de se tornarem a moda do momento. </span><span style="font-size: 11.5pt; line-height: 110%; mso-bidi-font-size: 10.0pt;">Em se tratando de pesquisas históricas realizadas dentro de instituições acadêmicas, ou mais especificamente das teses de mestrado ou doutorado, temos de reconhecer que a margem de escolha para os pesquisadores de História é freqüentemente ainda mais restringida. Por vezes, estes têm de se adequar às linhas de pesquisa* ou áreas de concentração da Instituição em que pretendem se inserir. Uma vez aceitos, terão de buscar um orientador e negociar com este o tema proposto. Não raro o orientador manifestará o interesse de que o orientando se encaixe em um Projeto maior que está coordenando, ou de que o orientando se sintonize com outros temas que já se encontram sob sua orientação. O interesse do orientador também é um dado legítimo, se quisermos falar mais francamente, e este dado passa a interagir de um modo ou de outro com o interesse mais específico do orientando.</span></div><div class="MsoNormal" style="line-height: 110%; margin: 0cm 22.65pt 0pt 0cm; text-align: justify; text-indent: 1cm;"><span style="font-size: 11.5pt; line-height: 110%; mso-bidi-font-size: 10.0pt;">Uma solução para o pesquisador que já possui um interesse temático muito bem estabelecido, e que<span style="mso-spacerun: yes;"> </span>pretende ingressar em um Programa de Pós-Graduação, é investigar previamente qual a Instituição e quais os orientadores desta Instituição que melhor se sintonizarão com os seus objetivos. Esta será uma boa estratégia para diminuir a margem de conflitos, embora em uma certa medida os conflitos sejam inevitáveis e até desejáveis. Lidar habilmente com os conflitos de interesse que orbitam na relação ‘Orientador</span><span style="font-size: 4pt; line-height: 110%; mso-bidi-font-size: 10.0pt;"> </span><span style="font-size: 11.5pt; line-height: 110%; mso-bidi-font-size: 10.0pt;">/</span><span style="font-size: 4pt; line-height: 110%; mso-bidi-font-size: 10.0pt;"> </span><span style="font-size: 11.5pt; line-height: 110%; mso-bidi-font-size: 10.0pt;">Orientando</span><span style="font-size: 4pt; line-height: 110%; mso-bidi-font-size: 10.0pt;"> </span><span style="font-size: 11.5pt; line-height: 110%; mso-bidi-font-size: 10.0pt;">/</span><span style="font-size: 4pt; line-height: 110%; mso-bidi-font-size: 10.0pt;"> </span><span style="font-size: 11.5pt; line-height: 110%; mso-bidi-font-size: 10.0pt;">Instituição’ pode mesmo contribuir para enriquecer um tema, e não necessariamente para despedaçá-lo.</span></div><div style="mso-element: footnote-list;"><br />
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<hr align="left" size="1" width="33%" /><div id="ftn1" style="mso-element: footnote;"><div class="MsoFootnoteText" style="margin: 0cm 22.65pt 2.5pt 0cm; text-align: justify;">Notas:<br />
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<a href="http://www.blogger.com/post-create.g?blogID=4699005453965610630#_ftnref1" name="_ftn1" style="mso-footnote-id: ftn1;" title=""><span class="MsoFootnoteReference"><span style="mso-special-character: footnote;"><span class="MsoFootnoteReference"><span style="font-family: "Times New Roman"; font-size: 10pt; mso-ansi-language: PT-BR; mso-bidi-language: AR-SA; mso-fareast-font-family: "Times New Roman"; mso-fareast-language: PT-BR;">[1]</span></span></span></span></a><span lang="IT" style="font-size: 9.5pt; mso-ansi-language: IT; mso-bidi-font-size: 10.0pt;">Benedetto CROCE,<i style="mso-bidi-font-style: normal;"> Teoria e storia della storiografia</i>, Bari: Laterza & Figli, 1943. </span><span style="font-size: 9.5pt; mso-bidi-font-size: 10.0pt;">Lucien FEBVRE, <i style="mso-bidi-font-style: normal;">Combates pela História</i>. S. Paulo: Ed. UNESP, 1992.</span></div></div><div id="ftn2" style="mso-element: footnote;"><div class="MsoFootnoteText" style="margin: 0cm 22.65pt 0pt 0cm; mso-line-height-alt: .8pt; text-align: justify;"><a href="http://www.blogger.com/post-create.g?blogID=4699005453965610630#_ftnref2" name="_ftn2" style="mso-footnote-id: ftn2;" title=""><span class="MsoFootnoteReference"><span style="font-size: 9.5pt; mso-bidi-font-size: 10.0pt;"><span style="mso-special-character: footnote;"><span class="MsoFootnoteReference"><span style="font-family: "Times New Roman"; font-size: 9.5pt; mso-ansi-language: PT-BR; mso-bidi-font-size: 10.0pt; mso-bidi-language: AR-SA; mso-fareast-font-family: "Times New Roman"; mso-fareast-language: PT-BR;">[2]</span></span></span></span></span></a><span style="font-size: 9.5pt; mso-bidi-font-size: 10.0pt;"> E. </span><span style="font-size: 9pt;">MORIN</span><span style="font-size: 9.5pt; mso-bidi-font-size: 10.0pt;">. <i style="mso-bidi-font-style: normal;">Ciência com consciência</i>. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 1996. </span></div></div><div id="ftn3" style="mso-element: footnote;"><div class="MsoFootnoteText" style="margin: 0cm 22.65pt 0pt 0cm; text-align: justify;"><a href="http://www.blogger.com/post-create.g?blogID=4699005453965610630#_ftnref3" name="_ftn3" style="mso-footnote-id: ftn3;" title=""><span class="MsoFootnoteReference"><span style="font-size: 9.5pt; mso-bidi-font-size: 10.0pt;"><span style="mso-special-character: footnote;"><span class="MsoFootnoteReference"><span style="font-family: "Times New Roman"; font-size: 9.5pt; mso-ansi-language: PT-BR; mso-bidi-font-size: 10.0pt; mso-bidi-language: AR-SA; mso-fareast-font-family: "Times New Roman"; mso-fareast-language: PT-BR;">[3]</span></span></span></span></span></a><span style="font-size: 9.5pt; mso-bidi-font-size: 10.0pt;"> Roberto DA MATTA. <i style="mso-bidi-font-style: normal;">Relativizando – uma introdução à antropologia social</i>. Rio de Janeiro: Rocco, 2000 (6<sup>a</sup> Edição). p.128.</span></div></div><div id="ftn4" style="mso-element: footnote;"><div class="MsoFootnoteText" style="margin: 0cm 22.65pt 2pt 0cm; text-align: justify;"><a href="http://www.blogger.com/post-create.g?blogID=4699005453965610630#_ftnref4" name="_ftn4" style="mso-footnote-id: ftn4;" title=""><span class="MsoFootnoteReference"><span style="font-size: 9.5pt; mso-bidi-font-size: 10.0pt;"><span style="mso-special-character: footnote;"><span class="MsoFootnoteReference"><span style="font-family: "Times New Roman"; font-size: 9.5pt; mso-ansi-language: PT-BR; mso-bidi-font-size: 10.0pt; mso-bidi-language: AR-SA; mso-fareast-font-family: "Times New Roman"; mso-fareast-language: PT-BR;">[4]</span></span></span></span></span></a><span style="font-size: 9.5pt; mso-bidi-font-size: 10.0pt;"> Só nas últimas décadas do século XX começam a retornar, por exemplo, as possibilidades de um historiador tomar para objeto de estudo uma grande batalha, como foi o caso da <i style="mso-bidi-font-style: normal;">Batalha de Bouvines</i>, de Georges Duby. E as biografias de grandes personagens, depois de um longo ostracismo, também retornam em obras como o <i style="mso-bidi-font-style: normal;">São Luís</i> e o <i style="mso-bidi-font-style: normal;">São Francisco de Assis</i> de Jacques Le Goff e com o <i style="mso-bidi-font-style: normal;">Eleito de Deus</i> (Oliver Cromwell) de Christopher Hill. Quanto às biografias problematizadas de Lucien Febvre – sobre Lutero, Rabelais e Erasmo – foram exceções na primeira geração dos Annales, uma espécie de caminho prenunciado mas deixado a percorrer por gerações bem posteriores.</span></div></div><div id="ftn5" style="mso-element: footnote;"><div class="MsoFootnoteText" style="margin: 0cm 22.65pt 0pt 0cm; text-align: justify;"><a href="http://www.blogger.com/post-create.g?blogID=4699005453965610630#_ftnref5" name="_ftn5" style="mso-footnote-id: ftn5;" title=""><span class="MsoFootnoteReference"><span style="font-size: 9.5pt; mso-bidi-font-size: 10.0pt;"><span style="mso-special-character: footnote;"><span class="MsoFootnoteReference"><span style="font-family: "Times New Roman"; font-size: 9.5pt; mso-ansi-language: PT-BR; mso-bidi-font-size: 10.0pt; mso-bidi-language: AR-SA; mso-fareast-font-family: "Times New Roman"; mso-fareast-language: PT-BR;">[5]</span></span></span></span></span></a><span style="font-size: 9.5pt; mso-bidi-font-size: 10.0pt;"> Michel de CERTEAU. “A operação histórica” In <i style="mso-bidi-font-style: normal;">A Escrita da História</i>.<span style="mso-spacerun: yes;"> </span>Rio de Janeiro: Forense, 1982.<span style="mso-spacerun: yes;"> </span>p.31-64 e p.65-119.</span></div></div></div>José D'Assunção Barroshttp://www.blogger.com/profile/14616369888767129715noreply@blogger.com2tag:blogger.com,1999:blog-4699005453965610630.post-78754668144064288172011-02-22T06:32:00.000-08:002011-02-22T19:20:58.498-08:00(Delimitando o Tema) Recorte Serial e Recorte na Fonte<div class="MsoNormal" style="line-height: 110%; margin: 0cm 22.65pt 0pt 0cm; mso-hyphenate: none; tab-stops: 1.0cm 467.95pt 510.5pt 553.05pt 595.55pt 638.1pt 680.65pt; text-align: justify; text-indent: 1cm;"><span style="font-size: 11.5pt; line-height: 110%; mso-bidi-font-size: 10.0pt;">Outros tipos de recortes possíveis para os historiadores de hoje são o ‘recorte serial’ e o 'recorte na fonte'. Recorta-se o objeto não propriamente em função de uma determinada realidade histórico-social concernente a uma delimitação espaço-temporal preestabelecida, mas mais precisamente em função de uma determinada fonte ou série de fontes ou de materiais que é constituída precisamente pelo historiador. Vamos falar inicialmente do "recorte serial", que é aquele no qual o historiador trabalha não com fontes analisadas qualitativamente como unidades isoladas, mas sim como fontes que constituem uma "série". Este tipo de caminho historiográfico - que gerou uma modalidade denominada "História Serial" - começou a emergir a partir de meados do século </span><span style="font-size: 10.5pt; line-height: 110%;">XX</span><span style="font-size: 11.5pt; line-height: 110%; mso-bidi-font-size: 10.0pt;">, tendo como marco a já mencionada obra de Pierre Chaunu sobre <i style="mso-bidi-font-style: normal;">Sevilha e o Atlântico</i>.</span></div><div class="MsoNormal" style="line-height: 110%; margin: 0cm 22.65pt 0pt 0cm; mso-hyphenate: none; tab-stops: 1.0cm 467.95pt 510.5pt 553.05pt 595.55pt 638.1pt 680.65pt; text-align: justify; text-indent: 1cm;"><span style="font-size: 11.5pt; line-height: 110%; mso-bidi-font-size: 10.0pt;">Na chamada ‘História Serial’ o historiador estabelece uma “série”, e é esta série que particularmente o interessa. François Furet, em seu <i style="mso-bidi-font-style: normal;">Atelier do Historiador</i><a href="http://www.blogger.com/post-create.g?blogID=4699005453965610630#_ftn1" name="_ftnref1" style="mso-footnote-id: ftn1;" title=""><span class="MsoFootnoteReference"><span style="mso-special-character: footnote;"><span class="MsoFootnoteReference"><span style="font-family: "Times New Roman"; font-size: 11.5pt; mso-ansi-language: PT-BR; mso-bidi-font-size: 10.0pt; mso-bidi-language: AR-SA; mso-fareast-font-family: "Times New Roman"; mso-fareast-language: PT-BR;">[1]</span></span></span></span></a>, define a História Serial em termos da constituição do fato histórico em séries homogêneas e comparáveis. Dito de outra forma, trata-se de “serializar” o fato histórico, para medi-lo em sua repetição e variação através de um período que muitas vezes é o da longa duração. Na verdade a duração longa, ou pelo menos a média duração (relativa às conjunturas), foram as que predominaram nos primeiros trabalhos de História Serial – muito voltados nesta primeira época para a História Econômica e para a História Demográfica e combinados com a perspectiva de uma História Quantitativa. Mas, na verdade, pode-se proceder a uma serialização relacionada também a um período relativamente curto, desde que o conjunto documental estabelecido seja suficientemente denso<a href="http://www.blogger.com/post-create.g?blogID=4699005453965610630#_ftn2" name="_ftnref2" style="mso-footnote-id: ftn2;" title=""><span class="MsoFootnoteReference"><span style="mso-special-character: footnote;"><span class="MsoFootnoteReference"><span style="font-family: "Times New Roman"; font-size: 11.5pt; mso-ansi-language: PT-BR; mso-bidi-font-size: 10.0pt; mso-bidi-language: AR-SA; mso-fareast-font-family: "Times New Roman"; mso-fareast-language: PT-BR;">[2]</span></span></span></span></a>.</span></div><div class="MsoNormal" style="line-height: 110%; margin: 0cm 22.65pt 0pt 0cm; mso-hyphenate: none; tab-stops: 1.0cm 467.95pt 510.5pt 553.05pt 595.55pt 638.1pt 680.65pt; text-align: justify; text-indent: 1cm;"><span style="font-size: 11.5pt; line-height: 110%; mso-bidi-font-size: 10.0pt;">De certo modo, as possibilidades de tratamento serial permitiram uma sensível ampliação de alternativas em termos de recorte historiográfico, uma vez que as séries singulares a serem construídas por cada historiador já não se enquadrariam nas periodizações tradicionalmente preestabelecidas. Criar uma série é, em certa medida, recriar o tempo – assumi-lo como ‘tempo construído’, e não como ‘tempo vivido’ a ser reconstituído. </span></div><div class="MsoNormal" style="line-height: 110%; margin: 0cm 22.65pt 0pt 0cm; mso-hyphenate: none; tab-stops: 1.0cm 467.95pt 510.5pt 553.05pt 595.55pt 638.1pt 680.65pt; text-align: justify; text-indent: 1cm;"><span style="font-size: 11.5pt; line-height: 110%; mso-bidi-font-size: 10.0pt;">Por outro lado, optar pelo caminho serial pressupõe necessariamente escolher ou construir um problema condutor muito específico – problema este que é fator fundamental na constituição da própria série. A História Serial veio assim diretamente ao encontro de uma História Problema, como as demais modalidades historiográficas que passaram a predominar na historiografia profissional do século </span><span style="font-size: 10.5pt; line-height: 110%;">XX</span><span style="font-size: 11.5pt; line-height: 110%; mso-bidi-font-size: 10.0pt;">.</span></div><div class="MsoNormal" style="line-height: 110%; margin: 0cm 22.65pt 0pt 0cm; mso-hyphenate: none; tab-stops: 1.0cm 467.95pt 510.5pt 553.05pt 595.55pt 638.1pt 680.65pt; text-align: justify; text-indent: 1cm;"><span style="font-size: 11.5pt; line-height: 110%; mso-bidi-font-size: 10.0pt;">Com relação a este aspecto, e em se tratando de uma série documental homogênea, não teria sentido examinar esta série evasivamente, de modo meramente impressionista. A História Serial constitui-se necessariamente de uma leitura da realidade social através da série que foi construída pelo historiador em função de um certo problema*. Não se trata, assim, de optar inicialmente pelo estudo de uma determinada sociedade para só depois buscar as fontes que permitirão este estudo ou o acesso a esta sociedade, como poderia se dar em outros caminhos historiográficos. O que o historiador serial estuda é precisamente <i style="mso-bidi-font-style: normal;">a série</i>: este é basicamente o seu recorte e a essência de seu objeto. E pode-se compreender como uma “série” tanto os fatos repetitivos que permitem ser avaliados comparativamente, como uma determinada documentação homogênea.</span></div><div class="MsoNormal" style="line-height: 110%; margin: 0cm 22.65pt 0pt 0cm; mso-hyphenate: none; tab-stops: 1.0cm 467.95pt 510.5pt 553.05pt 595.55pt 638.1pt 680.65pt; text-align: justify; text-indent: 1cm;"><span style="font-size: 11.5pt; line-height: 110%; mso-bidi-font-size: 10.0pt;">No primeiro sentido, François Furet fala em termos de uma serialização de fatos históricos que trazem entre si um padrão de repetitividade (fatos históricos que serão obviamente de um novo tipo, não mais se reduzindo aos acontecimentos políticos). No segundo sentido, ao examinar os novos paradigmas historiográficos surgidos no século </span><span style="font-size: 10.5pt; line-height: 110%;">XX</span><span style="font-size: 11.5pt; line-height: 110%; mso-bidi-font-size: 10.0pt;">, Michel Foucault assinala que “a história serial define seu objeto a partir de um conjunto de documentos dos quais ela dispõe”<a href="http://www.blogger.com/post-create.g?blogID=4699005453965610630#_ftn3" name="_ftnref3" style="mso-footnote-id: ftn3;" title=""><span class="MsoFootnoteReference"><span style="mso-special-character: footnote;"><span class="MsoFootnoteReference"><span style="font-family: "Times New Roman"; font-size: 11.5pt; mso-ansi-language: PT-BR; mso-bidi-font-size: 10.0pt; mso-bidi-language: AR-SA; mso-fareast-font-family: "Times New Roman"; mso-fareast-language: PT-BR;">[3]</span></span></span></span></a>. Isto abre naturalmente um grande leque de novas possibilidades:</span></div><div class="MsoNormal" style="line-height: 110%; margin: 0cm 22.65pt 0pt 0cm; mso-hyphenate: none; tab-stops: 1.0cm 467.95pt 510.5pt 553.05pt 595.55pt 638.1pt 680.65pt; text-align: justify; text-indent: 1cm;"><br />
</div><div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 22.65pt 0pt 42.55pt; mso-hyphenate: none; tab-stops: 1.0cm 467.95pt 510.5pt 553.05pt 595.55pt 638.1pt 680.65pt; text-align: justify;"><span style="font-size: 10.5pt; mso-bidi-font-size: 10.0pt;">“Assim, talvez pela primeira vez, há a possibilidade de analisar como objeto um conjunto de materiais que foram depositados no decorrer dos tempos sob a forma de signos, de traços, de instituições, de práticas, de obras, etc ...”<a href="http://www.blogger.com/post-create.g?blogID=4699005453965610630#_ftn4" name="_ftnref4" style="mso-footnote-id: ftn4;" title=""><span class="MsoFootnoteReference"><span style="mso-special-character: footnote;"><span class="MsoFootnoteReference"><span style="font-family: "Times New Roman"; font-size: 10.5pt; mso-ansi-language: PT-BR; mso-bidi-font-size: 10.0pt; mso-bidi-language: AR-SA; mso-fareast-font-family: "Times New Roman"; mso-fareast-language: PT-BR;">[4]</span></span></span></span></a></span></div><div class="MsoNormal" style="line-height: 110%; margin: 0cm 22.65pt 0pt 0cm; mso-hyphenate: none; tab-stops: 1.0cm 467.95pt 510.5pt 553.05pt 595.55pt 638.1pt 680.65pt; text-align: justify; text-indent: 1cm;"><br />
</div><div class="MsoNormal" style="line-height: 110%; margin: 0cm 22.65pt 0pt 0cm; mso-hyphenate: none; tab-stops: 1.0cm 467.95pt 510.5pt 553.05pt 595.55pt 638.1pt 680.65pt; text-align: justify; text-indent: 1cm;"><span style="font-size: 11.5pt; letter-spacing: -0.15pt; line-height: 110%; mso-bidi-font-size: 10.0pt;">Portanto, em que pese que fontes administrativas, estatísticas, testamentárias, policiais e cartoriais se prestem admiravelmente a um trabalho de História Serial, é possível também constituir em série documentação literária, iconográfica, ou mesmo práticas perceptíveis a partir de fontes orais. É mesmo possível constituir séries às quais não se pretenda necessariamente aplicar um tratamento quantitativo propriamente dito, mas sim uma abordagem mais tendente ao qualitativo</span><span style="font-size: 11.5pt; line-height: 110%; mso-bidi-font-size: 10.0pt;"> – <span style="letter-spacing: -0.15pt;">interessada ainda em perceber tendências, repetições, variações, padrões recorrentes e em discutir o documento integrado em uma série mais ampla, mas sem tomar como abordagem principal a referência numérica.</span></span></div><div class="MsoNormal" style="line-height: 110%; margin: 0cm 22.65pt 0pt 0cm; mso-hyphenate: none; tab-stops: 1.0cm 467.95pt 510.5pt 553.05pt 595.55pt 638.1pt 680.65pt; text-align: justify; text-indent: 1cm;"><span style="font-size: 11.5pt; letter-spacing: -0.15pt; line-height: 110%; mso-bidi-font-size: 10.0pt;">Uma das obras de Gilberto Freyre, por exemplo, constitui como série documental para o estudo da Escravidão no Nordeste os anúncios presentes em jornais da época</span><span style="font-size: 11.5pt; line-height: 110%; mso-bidi-font-size: 10.0pt;"> – <span style="letter-spacing: -0.15pt;">onde os grandes senhores anunciavam a fuga de escravos fornecendo descrições detalhadas dos mesmos, inclusive sinais corporais que falavam eloqüentemente das práticas inerentes à dominação escravocrata<a href="http://www.blogger.com/post-create.g?blogID=4699005453965610630#_ftn5" name="_ftnref5" style="mso-footnote-id: ftn5;" title=""><span class="MsoFootnoteReference"><span style="mso-special-character: footnote;"><span class="MsoFootnoteReference"><span style="font-family: "Times New Roman"; font-size: 11.5pt; letter-spacing: -0.15pt; mso-ansi-language: PT-BR; mso-bidi-font-size: 10.0pt; mso-bidi-language: AR-SA; mso-fareast-font-family: "Times New Roman"; mso-fareast-language: PT-BR;">[5]</span></span></span></span></a>. Não é propriamente o Escravo que é o seu objeto, mas “o Escravo nos anúncios de jornal”, como o próprio título indica. Ou seja, busca-se recuperar um discurso sobre o Escravo a partir de uma série que coincide com os periódicos examinados pelo autor; procura-se dentro desta série perceber uma recorrência de padrões de representação, mas também as singularidades e variações, e por trás destes padrões de representação os padrões de relações sociais que os geraram.</span></span></div><div class="MsoNormal" style="line-height: 110%; margin: 0cm 22.65pt 0pt 0cm; mso-hyphenate: none; tab-stops: 1.0cm 467.95pt 510.5pt 553.05pt 595.55pt 638.1pt 680.65pt; text-align: justify; text-indent: 1cm;"><span style="font-size: 11.5pt; letter-spacing: -0.15pt; line-height: 110%; mso-bidi-font-size: 10.0pt;">Quantitativos ou qualitativos, os caminhos historiográficos marcados pela ultrapassagem do documento isolado passaram a se integrar definitivamente ao repertório de possibilidades disponíveis para o historiador. Interessa-nos dar a perceber aqui que o recorte documental mostra-se como uma outra possibilidade para o historiador delimitar o seu tema. Definido este recorte, surgirá então uma delimitação temporal específica, que será válida para aquele recorte problemático e documental na sua singularidade, e não para outros. Dito de outra forma, em alguns destes casos é uma documentação que impõe um recorte de tempo, a partir dos seus próprios limites e das aberturas metodológicas que ela oferece.</span></div><div class="MsoNormal" style="line-height: 110%; margin: 0cm 22.65pt 0pt 0cm; mso-hyphenate: none; tab-stops: 1.0cm 467.95pt 510.5pt 553.05pt 595.55pt 638.1pt 680.65pt; text-align: justify; text-indent: 1cm;"><span style="font-size: 11.5pt; letter-spacing: -0.15pt; line-height: 110%; mso-bidi-font-size: 10.0pt;">Será bastante buscar uma exemplificação final com o próprio estudo pioneiro de Pierre Chaunu. O recorte de sua tese, estabelecido entre </span><span style="font-size: 10.5pt; letter-spacing: -0.15pt; line-height: 110%;">1504</span><span style="font-size: 11.5pt; letter-spacing: -0.15pt; line-height: 110%; mso-bidi-font-size: 10.0pt;"> e </span><span style="font-size: 10.5pt; letter-spacing: -0.15pt; line-height: 110%;">1650</span><span style="font-size: 11.5pt; letter-spacing: -0.15pt; line-height: 110%; mso-bidi-font-size: 10.0pt;">, é criado a partir de uma primeira data em que a documentação da ‘Casa de Contratação de Sevilha’ lhe permite uma construção estatística, e extingue-se no marco de uma segunda data quando a documentação já não permite uma avaliação quantitativa dos fatos (precisamente uma data relativa ao momento em que o comércio atlântico deixa de trazer a marca do predomínio espanhol e em que, consequentemente, a documentação de Sevilha se dilui como definidora de uma totalidade atlântica). O recorte documental problematizado, enfim, organizou o tempo do historiador.</span></div><div class="MsoNormal" style="line-height: 110%; margin: 0cm 22.65pt 0pt 0cm; mso-hyphenate: none; tab-stops: 1.0cm 467.95pt 510.5pt 553.05pt 595.55pt 638.1pt 680.65pt; text-align: justify; text-indent: 1cm;"><span style="font-size: 11.5pt; letter-spacing: -0.15pt; line-height: 110%; mso-bidi-font-size: 10.0pt;">O recorte serial é em boa parte dos casos um ‘recorte na fonte’. Mas existem, para além disto, outras possibilidades de recortar o tema de acordo com a fonte. Pode ser que o historiador pretenda examinar uma obra singularizada</span><span style="font-size: 11.5pt; line-height: 110%; mso-bidi-font-size: 10.0pt;"> – <span style="letter-spacing: -0.15pt;">ou para identificar o pensamento de um autor, ou para analisar a sua inserção nos limites da época</span> – <span style="letter-spacing: -0.15pt;">como se faz muito habitualmente nos campos da História das Idéias e da História Social das Idéias. Pode ser que o interesse seja examinar uma determinada produção cultural, e que uma crônica, um cancioneiro ou uma seqüência iconográfica surjam como objetos de interesse de uma História Cultural ou de uma História Social da Cultura. Um mito ou um conjunto de mitos pode se constituir simultaneamente nas fontes e objetos de um trabalho de Antropologia Histórica. As possibilidades de empreender ‘recortes na fonte’, conforme se vê, são inúmeras.</span></span></div><div style="mso-element: footnote-list;"><br />
<hr align="left" size="1" width="33%" /><div id="ftn1" style="mso-element: footnote;"><div class="MsoFootnoteText" style="margin: 0cm -12.75pt 0pt 0cm; mso-line-height-alt: .8pt;"><a href="http://www.blogger.com/post-create.g?blogID=4699005453965610630#_ftnref1" name="_ftn1" style="mso-footnote-id: ftn1;" title=""><span class="MsoFootnoteReference"><span style="font-size: 9.5pt; mso-bidi-font-size: 10.0pt;"><span style="mso-special-character: footnote;"><span class="MsoFootnoteReference"><span style="font-family: "Times New Roman"; font-size: 9.5pt; mso-ansi-language: PT-BR; mso-bidi-font-size: 10.0pt; mso-bidi-language: AR-SA; mso-fareast-font-family: "Times New Roman"; mso-fareast-language: PT-BR;">[1]</span></span></span></span></span></a><br />
<span style="font-size: 9.5pt; mso-bidi-font-size: 10.0pt;">François FURET. <i style="mso-bidi-font-style: normal;">A Oficina da História</i>. Lisboa: Gradiva, 1991. v. I.</span></div></div><div id="ftn2" style="mso-element: footnote;"><div class="MsoFootnoteText" style="margin: 0cm -12.75pt 0pt 0cm; mso-line-height-alt: .8pt; text-align: justify;"><a href="http://www.blogger.com/post-create.g?blogID=4699005453965610630#_ftnref2" name="_ftn2" style="mso-footnote-id: ftn2;" title=""><span class="MsoFootnoteReference"><span style="font-size: 9.5pt; mso-bidi-font-size: 10.0pt;"><span style="mso-special-character: footnote;"><span class="MsoFootnoteReference"><span style="font-family: "Times New Roman"; font-size: 9.5pt; mso-ansi-language: PT-BR; mso-bidi-font-size: 10.0pt; mso-bidi-language: AR-SA; mso-fareast-font-family: "Times New Roman"; mso-fareast-language: PT-BR;">[2]</span></span></span></span></span></a><span style="font-size: 9.5pt; mso-bidi-font-size: 10.0pt;"> </span><br />
<span style="font-size: 9.5pt; mso-bidi-font-size: 10.0pt;"><span style="font-size: 9.5pt; mso-bidi-font-size: 10.0pt;"></span></span><br />
<div class="MsoFootnoteText" style="margin: 0cm 22.65pt 3.5pt 0cm; mso-line-height-alt: .8pt; text-align: justify;"><span style="font-size: 9.5pt; mso-bidi-font-size: 10.0pt;">Michel FOUCAULT. “Retornar à História” In <i style="mso-bidi-font-style: normal;">Arqueologia das Ciências e História dos Sistemas de Pensamento</i>. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2000. p.62-77. p. 290.</span></div><a href="http://www.blogger.com/post-create.g?blogID=4699005453965610630#_ftnref3" name="_ftn3" style="mso-footnote-id: ftn3;" title=""><span class="MsoFootnoteReference"><span style="font-size: 9.5pt; mso-bidi-font-size: 10.0pt;"><span style="mso-special-character: footnote;"><span class="MsoFootnoteReference"><span style="font-family: "Times New Roman"; font-size: 9.5pt; mso-ansi-language: PT-BR; mso-bidi-font-size: 10.0pt; mso-bidi-language: AR-SA; mso-fareast-font-family: "Times New Roman"; mso-fareast-language: PT-BR;">[3]</span></span></span></span></span></a><span style="font-size: 9.5pt; mso-bidi-font-size: 10.0pt;"> </span></div></div><div id="ftn4" style="mso-element: footnote;"><div class="MsoFootnoteText" style="margin: 0cm -12.75pt 2pt 0cm; mso-line-height-alt: .8pt; text-align: justify;"><span style="font-size: x-small;">Sobre as possibilidades de utilização de técnicas seriais e quantificação para estudos de Micro-História, veja-se Carlo GIZBURG, “O nome e o como: troca desigual e mercado historiográfico” In <i style="mso-bidi-font-style: normal;">A Micro-História e outros ensaios</i>, Lisboa: Difel, 1991. p.169-178.</span><br />
<a href="http://www.blogger.com/post-create.g?blogID=4699005453965610630#_ftnref4" name="_ftn4" style="mso-footnote-id: ftn4;" title=""><span class="MsoFootnoteReference"><span style="font-size: 9.5pt; mso-bidi-font-size: 10.0pt;"><span style="mso-special-character: footnote;"><span class="MsoFootnoteReference"><span style="font-family: "Times New Roman"; font-size: 9.5pt; mso-ansi-language: PT-BR; mso-bidi-font-size: 10.0pt; mso-bidi-language: AR-SA; mso-fareast-font-family: "Times New Roman"; mso-fareast-language: PT-BR;">[4]</span></span></span></span></span></a><span style="font-size: 9.5pt; mso-bidi-font-size: 10.0pt;"> </span><br />
<div class="MsoFootnoteText" style="margin: 0cm 22.65pt 2pt 0cm; mso-line-height-alt: .8pt; text-align: justify;"><div class="MsoFootnoteText" style="margin: 0cm 22.65pt 2pt 0cm; mso-line-height-alt: .8pt; text-align: justify;"><span style="font-size: 9.5pt; mso-bidi-font-size: 10.0pt;">Michel FOUCAULT, “Sobre as maneiras de escrever a História” In <i style="mso-bidi-font-style: normal;">Arqueologia das Ciências e História dos Sistemas de Pensamento</i>. p.64.</span></div><a href="http://www.blogger.com/post-create.g?blogID=4699005453965610630#_ftnref5" name="_ftn5" style="mso-footnote-id: ftn5;" title=""><span class="MsoFootnoteReference"><span style="font-size: 9.5pt; mso-bidi-font-size: 10.0pt;"><span style="mso-special-character: footnote;"><span class="MsoFootnoteReference"><span style="font-family: "Times New Roman"; font-size: 9.5pt; mso-ansi-language: PT-BR; mso-bidi-font-size: 10.0pt; mso-bidi-language: AR-SA; mso-fareast-font-family: "Times New Roman"; mso-fareast-language: PT-BR;">[5]</span></span></span></span></span></a></div></div></div><div id="ftn5" style="mso-element: footnote;"><div class="MsoFootnoteText" style="margin: 0cm -12.75pt 0pt 0cm; mso-line-height-alt: .8pt; text-align: justify;"><span style="font-size: 9.5pt; mso-bidi-font-size: 10.0pt;">Gilberto FREYRE. <i style="mso-bidi-font-style: normal;">O Escravo nos anúncios de jornais brasileiros do século XIX</i>. São Paulo: Brasiliana, 1988.</span></div></div></div>José D'Assunção Barroshttp://www.blogger.com/profile/14616369888767129715noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-4699005453965610630.post-55925772028837359372011-02-22T05:43:00.000-08:002015-04-06T20:51:58.665-07:00Delimitar o TemaNo último post deste blog (<a href="http://ning.it/f8A4Th">http://ning.it/f8A4Th</a>), procuramos mostrar as diversas partes específicas que habitualmente constituem um Projeto de Pesquisa. Cada capítulo de um Projeto procura responder a uma questão específica, ou sintetizar elementos relacionados a uma dimensão específica da pesquisa - por exemplo, a Teoria, a Metodologia, as Hipóteses, a Revisão da Literatura Existente sobre o Tema, a Justificativa do Projeto, e assim por diante.<br />
<br />
Uma das mais importantes partes de um projeto de pesquisa, a qual geralmente se situa logo no princípio do projeto, é capítulo denominado ‘Delimitação Temática’ (1) ou ‘Exposição do Problema’ (vimos que estes nomes variam muito, de instituição a instituição, e não devem ser tomados como parâmetros absolutos). Este capítulo procura responder a uma pergunta: "Sobre o que é a Pesquisa?" (ou seja: "qual o tema da pesquisa", "qual o objeto, o problema examinado?"). Veremos agora que a resposta a esta pergunta deve sofrer sucessivas delimitações, bem como integrar recortes simultâneos que podem remeter a um tempo, a um lugar, a um problema investigado.<br />
<br />
<br />
<br />
<b>Delimitar o Tema</b>.<br />
<br />
<div class="MsoNormal" style="line-height: 110%; margin: 0cm -12.8pt 0pt 0cm; text-align: justify; text-indent: 1cm;">
<span style="font-size: 11.5pt; line-height: 110%; mso-bidi-font-size: 10.0pt;"><span style="font-size: 11.5pt; line-height: 110%; mso-bidi-font-size: 10.0pt;"></span></span><br />
<div class="MsoNormal" style="line-height: 110%; margin: 0cm 22.65pt 0pt 0cm; text-align: justify; text-indent: 1cm;">
<span style="font-size: 11.5pt; line-height: 110%; mso-bidi-font-size: 10.0pt;">No seu sentido mais lato, “tema” (ver a definição da palavra no Glossário do livro "O Projeto de Pesquisa em História")* é um assunto qualquer que se pretende desenvolver. Quando se propõe que alguém escreva um texto escolar desenvolvendo o tema da “violência urbana”, espera-se que sejam abordados ou desdobrados alguns aspectos pertinentes a este tema. Depois de apresentar ao leitor o tema que pretende desenvolver, o autor pode começar nos sucessivos parágrafos a discutir aspectos específicos e diversificados que se desdobram deste tema, como “as causas sociais da violência urbana”, “as formas de prevenção ou de combate à violência urbana”, “a relação entre violência urbana e criminalidade”, e tantos outros.</span></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 110%; margin: 0cm 22.65pt 0pt 0cm; text-align: justify; text-indent: 1cm;">
<span style="font-size: 11.5pt; line-height: 110%; mso-bidi-font-size: 10.0pt;">Conforme veremos, “a violência urbana” pode ser um excelente tema para uma redação escolar, para um artigo de jornal, ou mesmo para um livro de divulgação junto ao grande público, mas não é um bom tema para uma monografia, para dissertação de mestrado ou para uma tese de doutorado. Espera-se, de um trabalho acadêmico de tipo monográfico, ou em modelo de tese, que o tema tenha mais especificidade. Pode-se por exemplo tomar como tema monográfico “A violência urbana no Rio de Janeiro dos anos 90”, ou, mais especificamente ainda, “A interconexão entre a violência urbana e o tráfico de drogas no Rio de Janeiro dos anos 90”. Ou, quem sabe, “Os discursos sobre a violência urbana nos jornais populares do Rio de Janeiro dos anos 90”. Pode-se dizer que, pelo menos no sentido acadêmico, “violência urbana” é apenas um ‘assunto’ um tanto vago, mas os temas acima propostos sim, seriam temas monográficos dotados de maior especificidade.</span></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 110%; margin: 0cm 22.65pt 0pt 0cm; text-align: justify; text-indent: 1cm;">
<span style="font-size: 11.5pt; line-height: 110%; mso-bidi-font-size: 10.0pt;">Uma “História da América”, por exemplo, está muito longe de ser um tema. É quando muito um ‘campo de estudos’ ou de interesses. A “Conquista da América” é mais específico, mas tampouco é ainda um tema. Na verdade é um ‘assunto’ que pode dar posteriormente origem a um tema mais delimitado, mas para isto terá de sofrer novos recortes. Pode-se estudar por exemplo “a alteridade entre espanhóis e nativos meso-americanos durante a Conquista da América, nas primeiras décadas do século </span><span style="font-size: 10.5pt; line-height: 110%;">XVI</span><span style="font-size: 11.5pt; line-height: 110%; mso-bidi-font-size: 10.0pt;">”. Este foi o tema escolhido por Todorov em uma de suas mais célebres obras. Nele já aparecem recortes ou dimensões mais específicos:<span style="mso-spacerun: yes;"> </span>(</span><span style="font-size: 9pt; line-height: 110%;">1</span><span style="font-size: 11.5pt; line-height: 110%; mso-bidi-font-size: 10.0pt;">) um <i style="mso-bidi-font-style: normal;">espaço</i> mais delineado que é a região central do continente americano; (</span><span style="font-size: 9pt; line-height: 110%;">2</span><span style="font-size: 11.5pt; line-height: 110%; mso-bidi-font-size: 10.0pt;">) um <i style="mso-bidi-font-style: normal;">recorte de tempo</i> que se refere às primeiras décadas do século </span><span style="font-size: 10.5pt; line-height: 110%;">XVI</span><span style="font-size: 11.5pt; line-height: 110%; mso-bidi-font-size: 10.0pt;">; (</span><span style="font-size: 9pt; line-height: 110%;">3</span><span style="font-size: 11.5pt; line-height: 110%; mso-bidi-font-size: 10.0pt;">) um <i style="mso-bidi-font-style: normal;">problema</i> que é o da “alteridade” (ou do ‘choque cultural’ entre aquelas duas civilizações distintas).</span></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 110%; margin: 0cm 22.65pt 0pt 0cm; text-align: justify; text-indent: 1cm;">
<span style="font-size: 11.5pt; line-height: 110%; mso-bidi-font-size: 10.0pt;">Em História, é fundamental que o tema de pesquisa apresente um recorte espacial e temporal muito preciso. Isto corresponde a focar um assunto ainda geral em um “campo de observação” mais circunscrito. Assim, não se estuda em uma tese de doutorado “o Islamismo”, embora este seja um excelente tema para um livro de divulgação visando o grande público. Pode-se começar por recortar este assunto extremamente vasto propondo-se uma pesquisa sobre o “Islamismo fundamentalista no Afeganistão do final do século </span><span style="font-size: 10.5pt; line-height: 110%;">XX</span><span style="font-size: 11.5pt; line-height: 110%; mso-bidi-font-size: 10.0pt;">”. Neste caso, já temos um recorte espacial (o Afeganistão) e um recorte temporal (final do século </span><span style="font-size: 10.5pt; line-height: 110%;">XX</span><span style="font-size: 11.5pt; line-height: 110%; mso-bidi-font-size: 10.0pt;">). Poder-se-ia recortar mais ainda o tema, impondo-lhe um campo problemático inicial como “as restrições à educação feminina no Islamismo fundamentalista do Afeganistão do final do século </span><span style="font-size: 10.5pt; line-height: 110%;">XX</span><span style="font-size: 11.5pt; line-height: 110%; mso-bidi-font-size: 10.0pt;">”. O ‘problema’* é este ‘recorte final’ – esta questão mais específica que ilumina um tema delimitando-o de maneira singular, e que traz em si uma indagação fundamental a ser percorrida pelo historiador.</span></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 110%; margin: 0cm 22.65pt 0pt 0cm; text-align: justify; text-indent: 1cm;">
<span style="font-size: 11.5pt; line-height: 110%; mso-bidi-font-size: 10.0pt;">Conforme já ressaltamos anteriormente, a historiografia de hoje exige temas problematizados, sobretudo nos meios acadêmicos. Seriam bons temas para a “História-Problema” de a partir do século </span><span style="font-size: 10.5pt; line-height: 110%;">XX</span><span style="font-size: 11.5pt; line-height: 110%; mso-bidi-font-size: 10.0pt;"> recortes como ... “a alteridade entre espanhóis e nativos meso-americanos nas primeiras décadas da Conquista da América”, “as restrições à educação feminina no Islamismo Afegão de fins do século </span><span style="font-size: 10.5pt; line-height: 110%;">XX</span><span style="font-size: 11.5pt; line-height: 110%; mso-bidi-font-size: 10.0pt;">”, “a dessacralização do poder público durante a Revolução Francesa” (e não simplesmente “A Conquista da América”, “O Islamismo Afegão” ou “A Revolução Francesa”).</span></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 110%; margin: 0cm 22.65pt 0pt 0cm; text-align: justify; text-indent: 1cm;">
<span style="font-size: 11.5pt; line-height: 110%; mso-bidi-font-size: 10.0pt;">Ainda mais especificamente, pode-se dizer que um “problema de pesquisa” corresponde a uma <i style="mso-bidi-font-style: normal;">questão</i> ou a uma <i style="mso-bidi-font-style: normal;">dificuldade</i> que está potencialmente inscrita dentro de um tema já delimitado (resolver esta questão ou esta dificuldade é precisamente a finalidade maior da pesquisa). O “problema” tem geralmente um sentido interrogativo. Retomando-se o tema da “Alteridade na Conquista da América”, poderíamos dele extrair a seguinte indagação: “O Choque Cultural foi vivenciado de formas distintas por conquistadores espanhóis e por conquistados meso-americanos? Ou, ainda, “qual a contribuição do Choque Cultural para a implementação de uma conquista espanhola da Meso-América tão rápida e com um número tão reduzido de homens?”.</span></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 110%; margin: 0cm 22.65pt 0pt 0cm; text-align: justify; text-indent: 1cm;">
<span style="font-size: 11.5pt; line-height: 110%; mso-bidi-font-size: 10.0pt;">Dentro do tema do “Islamismo Afegão”, poderíamos por exemplo destacar o seguinte problema em forma de indagação: “quais as funções sócio-políticas que motivaram a restrição à educação feminina no Islamismo Afegão do final do século XX”? Ou, ainda, “que estratégias de resistência foram desenvolvidas pelas mulheres afegãs diante das restrições à educação impostas pelo Islamismo talibã no final do século </span><span style="font-size: 10.5pt; line-height: 110%;">XX</span><span style="font-size: 11.5pt; line-height: 110%; mso-bidi-font-size: 10.0pt;">”? </span></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 110%; margin: 0cm 22.65pt 0pt 0cm; text-align: justify; text-indent: 1cm;">
<span style="font-size: 11.5pt; line-height: 110%; mso-bidi-font-size: 10.0pt;">Note-se ainda que um problema não precisa estar necessariamente escrito sob a forma interrogativa. O seu sentido é que precisa ser interrogativo. Assim, se declaro que o meu problema corresponde às “funções sócio-políticas que teriam motivado a restrição à educação feminina no Islamismo Afegão do final do século </span><span style="font-size: 10.5pt; line-height: 110%;">XX</span><span style="font-size: 11.5pt; line-height: 110%; mso-bidi-font-size: 10.0pt;">”, já está embutida aí uma indagação, mesmo que eu a apresente camuflada sob uma forma redacional declarativa.</span></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 110%; margin: 0cm 22.65pt 0pt 0cm; text-align: justify; text-indent: 1cm;">
<span style="font-size: 11.5pt; line-height: 110%; mso-bidi-font-size: 10.0pt;">A incorporação de uma problemática é fundamental para a História hoje que se escreve nos meios acadêmicos e no âmbito da prática historiográfica profissional. Qualquer gênero historiográfico – da história das civilizações à biografia – pode ser percorrido a partir de um problema.</span></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 110%; margin: 0cm 22.65pt 0pt 0cm; text-align: justify; text-indent: 1cm;">
<span style="font-size: 11.5pt; line-height: 110%; mso-bidi-font-size: 10.0pt;">O tema por outro lado, não precisa ser atravessado por um problema único. Ele pode ser perpassado por um “campo de problemas” ou por uma problemática que se desdobra em duas ou três indagações mais específicas. Se proponho, sem uma maior especificação, uma tese sobre “a repressão à educação feminina no Islamismo Afegão do final do século </span><span style="font-size: 10.5pt; line-height: 110%;">XX</span><span style="font-size: 11.5pt; line-height: 110%; mso-bidi-font-size: 10.0pt;">’, abro um claro espaço para alguns problemas interligados. Nenhuma repressão é gratuita. Freqüentemente ela tem bases políticas, econômicas, imaginárias, religiosas ou consuetudinárias. Assim, uma primeira questão, ou um primeiro problema que se cola a este tema, refere-se precisamente às <i style="mso-bidi-font-style: normal;">motivações sociais</i> que produziram o fenômeno da repressão à educação feminina no Afeganistão. Por outro lado, nenhuma repressão existe sem gerar alguma forma de resistência. Estudar a repressão à educação feminina é indagar também pelas <i style="mso-bidi-font-style: normal;">formas de resistência</i> que as mulheres afegãs desenvolveram em relação a esta prática no período considerado. Tem-se aí um segundo problema, que pode ser examinado em contraponto ao primeiro. Outro problema implícito poderia se referir ao caráter processual deste fenômeno. Porque ele eclode no final do século XX? Qual a história deste padrão repressivo?</span></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 110%; margin: 0cm 22.65pt 0pt 0cm; text-align: justify; text-indent: 1cm;">
<span style="font-size: 11.5pt; line-height: 110%; mso-bidi-font-size: 10.0pt;">O tema proposto, como se vê, abre-se não só a um único problema, mas a um campo de problemas que possivelmente apresentam uma interligação a ser decifrada pelo próprio pesquisador. </span></div>
<span style="font-size: 11.5pt; line-height: 110%; mso-bidi-font-size: 10.0pt;"></span><br />
<div class="MsoNormal" style="line-height: 110%; margin: 0cm 22.65pt 0pt 0cm; text-align: justify; text-indent: 1cm;">
<span style="font-size: 11.5pt; line-height: 110%; mso-bidi-font-size: 10.0pt;">Sintetizando o que vimos até aqui, pode-se dizer que um tema bem delimitado de pesquisa histórica deve trazer muito claramente a definição de três dimensões fundamentais: o recorte espacial (um lugar), o recorte temporal, e o problema (Quadro 3 do livro "O Projeto de Pesquisa em História"). Estas três dimensões devem aparecer adequadamente explicitadas no capítulo “Delimitação Temática” do Projeto de Pesquisa (ou, se este capítulo não está previsto, na própria “Introdução” do Projeto). Além de serem dimensões necessárias para delimitar mais adequadamente o tema, produzindo um verdadeiro “recorte temático”, são estas dimensões que tornarão a pesquisa efetivamente viável. </span><span style="font-size: 11.5pt; line-height: 110%; mso-bidi-font-size: 10.0pt;"><span style="font-family: "Times New Roman"; font-size: 11.5pt; mso-ansi-language: PT-BR; mso-bidi-font-size: 10.0pt; mso-bidi-language: AR-SA; mso-fareast-font-family: "Times New Roman"; mso-fareast-language: PT-BR;">Não posso estudar <i style="mso-bidi-font-style: normal;">todos</i> os países muçulmanos do final do século </span><span style="font-family: "Times New Roman"; font-size: 10.5pt; mso-ansi-language: PT-BR; mso-bidi-language: AR-SA; mso-fareast-font-family: "Times New Roman"; mso-fareast-language: PT-BR;">XX</span><span style="font-family: "Times New Roman"; font-size: 11.5pt; mso-ansi-language: PT-BR; mso-bidi-font-size: 10.0pt; mso-bidi-language: AR-SA; mso-fareast-font-family: "Times New Roman"; mso-fareast-language: PT-BR;"> (ausência de recorte espacial mais circunscrito), nem o Afeganistão em <i style="mso-bidi-font-style: normal;">todas</i> as épocas históricas (ausência de recorte temporal), nem todos os problemas presentes no Islamismo Afegão do final do século </span><span style="font-family: "Times New Roman"; font-size: 10.5pt; mso-ansi-language: PT-BR; mso-bidi-language: AR-SA; mso-fareast-font-family: "Times New Roman"; mso-fareast-language: PT-BR;">XX</span><span style="font-family: "Times New Roman"; font-size: 11.5pt; mso-ansi-language: PT-BR; mso-bidi-font-size: 10.0pt; mso-bidi-language: AR-SA; mso-fareast-font-family: "Times New Roman"; mso-fareast-language: PT-BR;"> (ausência de um problema singularizado). Cada um destes três recortes ou dimensões de recortes (espaço, tempo e problema) significa dar um passo adiante na conquista da viabilidade para a realização da pesquisa histórica proposta. Significa também um passo adiante no processo de vencer a dispersão temática e encontrar uma concentração temática bem definida. Sobre este tripé repousa um tema bem delimitado, pelo menos no que se refere aos domínios da Ciência Histórica e mais especificamente dos textos monográficos de História</span>.</span></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 110%; margin: 0cm -12.8pt 0pt 0cm; text-align: justify; text-indent: 1cm;">
</div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 110%; margin: 0cm 1.4pt 0pt 0cm; text-align: justify; text-indent: 1cm;">
</div>
</div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 110%; margin: 0cm -12.8pt 0pt 0cm; text-align: justify; text-indent: 1cm;">
<br />
<br />
<b>Recorte Espaço-Temporal</b><br />
<br />
<div class="MsoNormal" style="line-height: 110%; margin: 0cm 22.65pt 0pt 0cm; text-align: justify; text-indent: 1cm;">
<span style="font-size: 11.5pt; line-height: 110%; mso-bidi-font-size: 10.0pt;">Uma delimitação adequada do período histórico que será examinado é, naturalmente, questão de primeira ordem para qualquer historiador. A escolha de um recorte qualquer de tempo historiográfico não deve, por outro lado, ser gratuita. É inútil escolher, por exemplo, “os dez últimos anos do Brasil Império”, ou “os cem primeiros anos do Egito Antigo”. A escolha de um recorte temporal historiográfico não deve corresponder a um número propositadamente redondo (dez, cem, ou mil), mas sim a um problema a ser examinado ou a uma temática que será estudada.</span></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 110%; margin: 0cm 22.65pt 0pt 0cm; text-align: justify; text-indent: 1cm;">
<span style="font-size: 11.5pt; line-height: 110%; mso-bidi-font-size: 10.0pt;">É o problema que define o recorte, e não qualquer coisa como uma dezena de anos escolhida a partir de critérios comemorativos. Tampouco tem sentido deixar que uma tese em História mostre-se aprisionada pelos recortes meramente governamentais. Pode ser que um recorte relativo ao “Brasil<span style="mso-spacerun: yes;"> </span>dos anos JK” não corresponda aos limites exatos do problema que se pretende examinar. O mesmo ocorre com a questão do recorte espacial. Pode ser não tenha sentido para um determinado problema histórico escolhido atrelar o seu espaço a uma determinada unidade estatal administrativa (um país, um estado, uma cidade). Uma proposição temática, conforme veremos, vaza freqüentemente as molduras do tempo estatal-institucional ou dos recortes administrativos. Um tema pode muito bem atravessar dois governos politicamente diferenciados, situar-se atravessado entre duas regiões administrativas, insistir em escorregar para fora da quadratura institucional em que o historiador desejaria vê-lo encerrado.</span></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 110%; margin: 0cm 22.65pt 0pt 0cm; text-align: justify; text-indent: 1cm;">
<span style="font-size: 11.5pt; line-height: 110%; mso-bidi-font-size: 10.0pt;">Trata-se no entanto de uma tendência contra a qual é preciso pôr-se alerta. Por vezes, a mentalidade historiadora é levada automaticamente a fazer suas escolhas dentro dos limites governamentais-administrativos, quase que por um vício corporativo. <span style="letter-spacing: -0.15pt;">Cedo o historiador de formação acadêmica vê-se habituado a recortar o seu objeto em consonância com imagens congeladas como a do ‘espaço nacional’ ou do ‘tempo dinástico’: o “Portugal durante o reinado de Dom Dinis”, a “França de Luís XIV”, o “Egito de Ramsés II” – pede-se ao pesquisador um problema que se encaixe dentro de limites como estes. Esta imagem de espaço-tempo duplamente limitada pelos parâmetros nacionais e pela duração de governos</span> – <span style="letter-spacing: -0.15pt;">talvez uma herança ou um resíduo de herança da velha História Política que dominava explicitamente o século </span></span><span style="font-size: 10.5pt; letter-spacing: -0.15pt; line-height: 110%;">XIX</span><span style="font-size: 11.5pt; letter-spacing: -0.15pt; line-height: 110%; mso-bidi-font-size: 10.0pt;"> e que ainda insiste em dominar implicitamente boa parte da produção historiográfica do século </span><span style="font-size: 10.5pt; letter-spacing: -0.15pt; line-height: 110%;">XX</span><span style="font-size: 11.5pt; line-height: 110%; mso-bidi-font-size: 10.0pt;"> – <span style="letter-spacing: -0.15pt;">estende-se de resto para a História que almeja também o circuito extra-acadêmico. </span></span></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 110%; margin: 0cm 22.65pt 0pt 0cm; mso-hyphenate: none; tab-stops: 1.0cm 467.95pt 510.5pt 553.05pt 595.55pt 638.1pt 680.65pt; text-align: justify; text-indent: 1cm;">
<span style="font-size: 11.5pt; letter-spacing: -0.15pt; line-height: 110%; mso-bidi-font-size: 10.0pt;">É sempre possível, tal como se disse, que o problema a ser investigado requeira um recorte que comece na metade de um governo e se estenda para a primeira metade do governo seguinte, ou que faça mais sentido abarcando dois países do que um único, ou ainda duas regiões pertencentes a dois países distintos. A delimitação de uma região a ser estudada pelo historiador não coincide necessariamente com um recorte administrativo ou estatal: pode ser definida por implicações culturais, antropológicas, econômicas, ou outras. Um grupo humano a ser examinado não estará necessariamente enquadrado dentro dos parâmetros de um Estado-Nação. Um padrão de mentalidade que se modifica pode corresponder a um enquadramento que abranja duas pequenas regiões pertencentes a duas realidades estatais distintas, ou corresponder a uma vasta realidade populacional que atravessa países e etnias distintas, que se interpõe entre duas faixas civilizacionais, e assim por diante.</span></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 110%; margin: 0cm 22.65pt 0pt 0cm; mso-hyphenate: none; tab-stops: 1.0cm 2.0cm 212.7pt 467.95pt 510.5pt 553.05pt 595.55pt 638.1pt 680.65pt; text-align: justify; text-indent: 1cm;">
<span style="font-size: 11.5pt; letter-spacing: -0.15pt; line-height: 110%; mso-bidi-font-size: 10.0pt;">Fica portanto este alerta. Não adianta partir do pressuposto de que os melhores recortes coincidem necessariamente com um governo, um país, uma cidade</span><span style="font-size: 11.5pt; line-height: 110%; mso-bidi-font-size: 10.0pt;"> – <span style="letter-spacing: -0.15pt;">quando muitas vezes o objeto construído desejaria romper de diversas maneiras estas muralhas artificiais que insistem em contê-lo, em aparar suas arestas e ângulos agudos, ou em mantê-lo sólido quando ele se quer fluido.</span></span></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 110%; margin: 0cm 22.65pt 0pt 0cm; mso-hyphenate: none; tab-stops: 1.0cm 2.0cm 212.7pt 467.95pt 510.5pt 553.05pt 595.55pt 638.1pt 680.65pt; text-align: justify; text-indent: 1cm;">
<span style="font-size: 11.5pt; letter-spacing: -0.15pt; line-height: 110%; mso-bidi-font-size: 10.0pt;">Questões similares também podem ser encontradas nas teses que tomam por objeto a obra de um determinado autor ou artista. Tem pouco valor como história problematizada a escolha de um recorte como “A obra de Machado de Assis” ou “A produção iconográfica de Jean-Baptiste Debret”. Pode-se dar por exemplo que a produção destes autores passe por fases distintas, ou que intercale materiais bem diferenciados do ponto de vista de uma problematização possível. Fazer um levantamento integral da obra de Machado de Assis pode ter sentido em uma tese de literatura. Em História, um recorte que abranja fases heterogêneas só terá sentido se fizer parte do problema verificar como estas fases se relacionam a momentos político-sociais distintos, ou se fizer parte do problema comparar duas fases contrastantes de um autor na sua articulação a singularidades históricas específicas.</span></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 110%; margin: 0cm 22.65pt 0pt 0cm; mso-hyphenate: none; tab-stops: 1.0cm 2.0cm 212.7pt 467.95pt 510.5pt 553.05pt 595.55pt 638.1pt 680.65pt; text-align: justify; text-indent: 1cm;">
<span style="font-size: 11.5pt; letter-spacing: -0.15pt; line-height: 110%; mso-bidi-font-size: 10.0pt;">Do mesmo modo, a uma tese sobre “a pintura de Debret nos tempos de D. João </span><span style="font-size: 10.5pt; letter-spacing: -0.15pt; line-height: 110%;">VI</span><span style="font-size: 11.5pt; letter-spacing: -0.15pt; line-height: 110%; mso-bidi-font-size: 10.0pt;">”</span><span style="font-size: 11.5pt; line-height: 110%; mso-bidi-font-size: 10.0pt;"> – <span style="letter-spacing: -0.15pt;">muito vaga e dando a impressão de que se toma para objeto uma questão comemorativa mais apropriada para um catálogo</span> – <span style="letter-spacing: -0.15pt;">deve-se preferir algo mais problematizado, como, “</span>a<span style="mso-spacerun: yes;"> </span>representação<span style="mso-spacerun: yes;"> </span>da<span style="mso-spacerun: yes;"> </span>sociedade brasileira nas litografias de Debret (Brasil, </span><span style="font-size: 10.5pt; line-height: 110%;">1816-1831</span><span style="font-size: 11.5pt; line-height: 110%; mso-bidi-font-size: 10.0pt;">)”. Ao invés de tomar para objeto, toda a obra plástica deste pintor francês que aqui esteve na primeira metade do século </span><span style="font-size: 10.5pt; line-height: 110%;">XIX</span><span style="font-size: 11.5pt; line-height: 110%; mso-bidi-font-size: 10.0pt;">, recortou-se um problema referente à captação dos tipos sociais brasileiros pelo olhar europeu de um pintor-viajante (Debret). Também se evitou o bem-arrumado ‘recorte político-governamental’, associado à chegada e à partida de D. João </span><span style="font-size: 10.5pt; line-height: 110%;">VI</span><span style="font-size: 11.5pt; line-height: 110%; mso-bidi-font-size: 10.0pt;">, e permitiu-se que o recorte traspassasse dois períodos diferenciados que se relacionam à fase do Vice-Reino e aos primeiros anos do Império (</span><span style="font-size: 10.5pt; line-height: 110%;">1816-1831</span><span style="font-size: 11.5pt; line-height: 110%; mso-bidi-font-size: 10.0pt;">). O problema escolhido, a ‘representação dos tipos sociais por um pintor francês no Brasil do século </span><span style="font-size: 10.5pt; line-height: 110%;">XIX</span><span style="font-size: 11.5pt; line-height: 110%; mso-bidi-font-size: 10.0pt;">’, sendo da ordem cultural ou mesmo da esfera da antropologia política, não teria porque prestar contas a uma cronologia institucional ou estatal, típica da história política tradicional.</span></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 110%; margin: 0cm 22.65pt 0pt 0cm; mso-hyphenate: none; tab-stops: 1.0cm 2.0cm 212.7pt 467.95pt 510.5pt 553.05pt 595.55pt 638.1pt 680.65pt; text-align: justify; text-indent: 1cm;">
<span style="font-size: 11.5pt; line-height: 110%; mso-bidi-font-size: 10.0pt;">Pode-se dar também que o mais interessante seja não necessariamente se limitar a Debret, mas sim proporcionar uma comparação das estratégias de ‘representação social’ utilizadas por este pintor francês com as estratégias utilizadas por um seu contemporâneo de origem similar, para verificar a partir daí se existem pontos em comum que habilitem a falar em um “olhar europeu” dos pintores-viajantes sobre o Brasil Colonial ou se, ao contrário, verificam-se experiências inteiramente subjetivas. Deste modo, comparar Debret e Taunay, dois pintores que estiveram no Brasil da época de D. João </span><span style="font-size: 10.5pt; line-height: 110%;">VI</span><span style="font-size: 11.5pt; line-height: 110%; mso-bidi-font-size: 10.0pt;"> como participantes de uma mesma missão artística, pode-se constituir em um problema histórico tão ou mais interessante do que uma investigação em torno da produção restrita a um só destes pintores<a href="http://www.blogger.com/post-edit.g?blogID=4699005453965610630&postID=5592577202883735937#_ftn1" name="_ftnref1" style="mso-footnote-id: ftn1;" title=""><span class="MsoFootnoteReference"><span style="mso-special-character: footnote;"><span class="MsoFootnoteReference"><span style="font-family: "Times New Roman"; font-size: 11.5pt; mso-ansi-language: PT-BR; mso-bidi-font-size: 10.0pt; mso-bidi-language: AR-SA; mso-fareast-font-family: "Times New Roman"; mso-fareast-language: PT-BR;">[1]</span></span></span></span></a>.</span></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 110%; margin: 0cm 22.65pt 0pt 0cm; mso-hyphenate: none; tab-stops: 1.0cm 467.95pt 510.5pt 553.05pt 595.55pt 638.1pt 680.65pt; text-align: justify; text-indent: 1cm;">
<span style="font-size: 11.5pt; letter-spacing: -0.15pt; line-height: 110%; mso-bidi-font-size: 10.0pt;">Os exemplos relativos a decisões sobre o recorte de tempo poderiam se estender ao infinito, uma vez que um mesmo tema pode se abrir a inúmeras problematizações possíveis, sendo que cada uma destas problematizações irá conduzir a um recorte ou outro que lhe seja mais adequado. Posto isto, pensar os limites de um recorte em termos de viabilidade para a pesquisa e de adequação ao problema é sempre a postura mais equilibrada.</span></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 110%; margin: 0cm 22.65pt 0pt 0cm; mso-hyphenate: none; tab-stops: 1.0cm 467.95pt 510.5pt 553.05pt 595.55pt 638.1pt 680.65pt; text-align: justify; text-indent: 1cm;">
<span style="font-size: 11.5pt; letter-spacing: -0.15pt; line-height: 110%; mso-bidi-font-size: 10.0pt;">A mesma necessidade de problematização historiográfica<span style="mso-spacerun: yes;"> </span>poderia ser abordada com relação ao ‘espaço’ construído pelo historiador. Deve ser um espaço problematizado, e não um espaço nacional ou comemorativo. Para dar um exemplo clássico, convém lembrar a obra prima de Fernando Braudel</span><span style="font-size: 11.5pt; line-height: 110%; mso-bidi-font-size: 10.0pt;"> – <i style="mso-bidi-font-style: normal;">O Mediterrâneo e o mundo mediterrânico na época de Felipe II</i> – <span style="letter-spacing: -0.15pt;">que de resto é também uma obra revolucionária no que concerne ao tratamento do tempo, já que introduz pela primeira vez a questão da articulação de durações distintas no tempo histórico trabalhado pelo pesquisador<a href="http://www.blogger.com/post-edit.g?blogID=4699005453965610630&postID=5592577202883735937#_ftn2" name="_ftnref2" style="mso-footnote-id: ftn2;" title=""><span class="MsoFootnoteReference"><span style="mso-special-character: footnote;"><span class="MsoFootnoteReference"><span style="font-family: "Times New Roman"; font-size: 11.5pt; letter-spacing: -0.15pt; mso-ansi-language: PT-BR; mso-bidi-font-size: 10.0pt; mso-bidi-language: AR-SA; mso-fareast-font-family: "Times New Roman"; mso-fareast-language: PT-BR;">[2]</span></span></span></span></a>. A demarcação do objeto de pesquisa nesta obra extraordinária nada deve a critérios nacionais, mas sim à construção historiográfica de uma área “econômico-social-demográfica-cultural”, que Braudel chamou de “mundo mediterrâneo”<a href="http://www.blogger.com/post-edit.g?blogID=4699005453965610630&postID=5592577202883735937#_ftn3" name="_ftnref3" style="mso-footnote-id: ftn3;" title=""><span class="MsoFootnoteReference"><span style="mso-special-character: footnote;"><span class="MsoFootnoteReference"><span style="font-family: "Times New Roman"; font-size: 11.5pt; letter-spacing: -0.15pt; mso-ansi-language: PT-BR; mso-bidi-font-size: 10.0pt; mso-bidi-language: AR-SA; mso-fareast-font-family: "Times New Roman"; mso-fareast-language: PT-BR;">[3]</span></span></span></span></a>.</span></span></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 110%; margin: 0cm 22.65pt 0pt 0cm; mso-hyphenate: none; tab-stops: 1.0cm 467.95pt 510.5pt 553.05pt 595.55pt 638.1pt 680.65pt; text-align: justify; text-indent: 1cm;">
<span style="font-size: 11.5pt; letter-spacing: -0.15pt; line-height: 110%; mso-bidi-font-size: 10.0pt;">O objetivo de Fernando Braudel no primeiro volume desta obra foi construir historiograficamente o mundo mediterrâneo do século </span><span style="font-size: 10.5pt; letter-spacing: -0.15pt; line-height: 110%;">XVI</span><span style="font-size: 11.5pt; letter-spacing: -0.15pt; line-height: 110%; mso-bidi-font-size: 10.0pt;"> como uma unidade geo-histórica, embora percorrida por dualidades diversas que se referem às oposições religiosas (cristãos / muçulmanos), aos contrastes geográficos (deserto / mar; montanha / planície), sem falar na multiplicidade de realidades nacionais que se estabelecem sobre este espaço. A este recorte espacial ampliado aplica-se neste primeiro volume o “tempo longo”, duração onde se tornam visíveis as permanências, os aspectos estruturais, as mudanças mais lentas que à distância oferecem a impressão de uma história quase imóvel relativamente às interações entre o homem e a natureza. Os três volumes de <i style="mso-bidi-font-style: normal;">O Mediterrâneo</i> constituem uma verdadeira revolução historiográfica no tratamento simultâneo do tempo e do espaço, e oferecem excelente exemplo das novas possibilidades de recortar o tempo histórico trazidas pela historiografia do século </span><span style="font-size: 10.5pt; letter-spacing: -0.15pt; line-height: 110%;">XX</span><span style="font-size: 11.5pt; letter-spacing: -0.15pt; line-height: 110%; mso-bidi-font-size: 10.0pt;">..</span></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 110%; margin: 0cm 22.65pt 0pt 0cm; mso-hyphenate: none; tab-stops: 1.0cm 467.95pt 510.5pt 553.05pt 595.55pt 638.1pt 680.65pt; text-align: justify; text-indent: 1cm;">
<span style="font-size: 11.5pt; letter-spacing: -0.15pt; line-height: 110%; mso-bidi-font-size: 10.0pt;">É verdade que, em se tratando das pesquisas de Mestrado e Doutorado nos dias de hoje </span><span style="font-size: 11.5pt; line-height: 110%; mso-bidi-font-size: 10.0pt;"><span style="mso-spacerun: yes;"> </span>– <span style="letter-spacing: -0.15pt;">e mais especificamente ainda em nosso país</span> – <span style="letter-spacing: -0.15pt;">não é possível optar por um recorte e por um projeto de pesquisa tão ambicioso como aqueles realizados por Braudel em suas três obras monumentais, todas elas divididas em três volumes (“O Mediterrâneo ...”; “A Civilização Material do Capitalismo”<a href="http://www.blogger.com/post-edit.g?blogID=4699005453965610630&postID=5592577202883735937#_ftn4" name="_ftnref4" style="mso-footnote-id: ftn4;" title=""><span class="MsoFootnoteReference"><span style="mso-special-character: footnote;"><span class="MsoFootnoteReference"><span style="font-family: "Times New Roman"; font-size: 11.5pt; letter-spacing: -0.15pt; mso-ansi-language: PT-BR; mso-bidi-font-size: 10.0pt; mso-bidi-language: AR-SA; mso-fareast-font-family: "Times New Roman"; mso-fareast-language: PT-BR;">[4]</span></span></span></span></a>; “A Identidade da França”<a href="http://www.blogger.com/post-edit.g?blogID=4699005453965610630&postID=5592577202883735937#_ftn5" name="_ftnref5" style="mso-footnote-id: ftn5;" title=""><span class="MsoFootnoteReference"><span style="mso-special-character: footnote;"><span class="MsoFootnoteReference"><span style="font-family: "Times New Roman"; font-size: 11.5pt; letter-spacing: -0.15pt; mso-ansi-language: PT-BR; mso-bidi-font-size: 10.0pt; mso-bidi-language: AR-SA; mso-fareast-font-family: "Times New Roman"; mso-fareast-language: PT-BR;">[5]</span></span></span></span></a>). Estas obras consumiram muitos e muitos anos de trabalho. “O Mediterrâneo”, por exemplo, requereu duas décadas de envolvimento</span> – <span style="letter-spacing: -0.15pt;">já que Braudel opta pelo tema em </span></span><span style="font-size: 10.5pt; letter-spacing: -0.15pt; line-height: 110%;">1923</span><span style="font-size: 11.5pt; letter-spacing: -0.15pt; line-height: 110%; mso-bidi-font-size: 10.0pt;">, elabora as suas grandes linhas até </span><span style="font-size: 10.5pt; letter-spacing: -0.15pt; line-height: 110%;">1939</span><span style="font-size: 11.5pt; letter-spacing: -0.15pt; line-height: 110%; mso-bidi-font-size: 10.0pt;">, e aprofunda-as durante o período de seu aprisionamento em um campo de concentração nazista. “A Civilização Material” consome um período de envolvimento que vai de </span><span style="font-size: 10.5pt; letter-spacing: -0.15pt; line-height: 110%;">1952</span><span style="font-size: 11.5pt; letter-spacing: -0.15pt; line-height: 110%; mso-bidi-font-size: 10.0pt;"> (data do convite de Lucien Febvre para que Braudel escrevesse um volume sobre a dimensão econômico-material da Europa pré-industrial) até </span><span style="font-size: 10.5pt; letter-spacing: -0.15pt; line-height: 110%;">1979</span><span style="font-size: 11.5pt; letter-spacing: -0.15pt; line-height: 110%; mso-bidi-font-size: 10.0pt;"> (data da publicação da trilogia).</span></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 110%; margin: 0cm 22.65pt 0pt 0cm; mso-hyphenate: none; tab-stops: 1.0cm 467.95pt 510.5pt 553.05pt 595.55pt 638.1pt 680.65pt; text-align: justify; text-indent: 1cm;">
<span style="font-size: 11.5pt; letter-spacing: -0.15pt; line-height: 110%; mso-bidi-font-size: 10.0pt;">Pode-se citar um exemplo mais extremo de tese monumental com a Tese de Pierre Chaunu sobre “Sevilha e o Atlântico”, que foi constituída em dez volumes e dos quais os volumes relativos à parte interpretativa possuem mais de três mil páginas. Foi possivelmente a tese mais longa já escrita. Ampla no recorte temporal (um século e meio), vasta no espaço abordado (o Atlântico), extensiva e intensiva na exploração da série documental (toda a documentação produzida pela ‘Casa de Contratação de Sevilha’ entre </span><span style="font-size: 10.5pt; letter-spacing: -0.15pt; line-height: 110%;">1504</span><span style="font-size: 11.5pt; letter-spacing: -0.15pt; line-height: 110%; mso-bidi-font-size: 10.0pt;"> e </span><span style="font-size: 10.5pt; letter-spacing: -0.15pt; line-height: 110%;">1650</span><span style="font-size: 11.5pt; letter-spacing: -0.15pt; line-height: 110%; mso-bidi-font-size: 10.0pt;">) ... esta tese mostra-se por fim pródiga na apresentação final de seus resultados (7 volumes descritivos e três interpretativos). O trabalho de Pierre Chaunu ficará marcado definitivamente como um clássico da historiografia monumental que se tornou possível em meados do século </span><span style="font-size: 10.5pt; letter-spacing: -0.15pt; line-height: 110%;">XX</span><a href="http://www.blogger.com/post-edit.g?blogID=4699005453965610630&postID=5592577202883735937#_ftn6" name="_ftnref6" style="mso-footnote-id: ftn6;" title=""><span class="MsoFootnoteReference"><span style="font-size: 11.5pt; letter-spacing: -0.15pt; line-height: 110%; mso-bidi-font-size: 10.0pt;"><span style="mso-special-character: footnote;"><span class="MsoFootnoteReference"><span style="font-family: "Times New Roman"; font-size: 11.5pt; letter-spacing: -0.15pt; mso-ansi-language: PT-BR; mso-bidi-font-size: 10.0pt; mso-bidi-language: AR-SA; mso-fareast-font-family: "Times New Roman"; mso-fareast-language: PT-BR;">[6]</span></span></span></span></span></a><span style="font-size: 11.5pt; letter-spacing: -0.15pt; line-height: 110%; mso-bidi-font-size: 10.0pt;">. Exemplos como este, contudo, estão obviamente distanciados de nossa realidade mais direta.</span></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 110%; margin: 0cm 22.65pt 0pt 0cm; mso-hyphenate: none; tab-stops: 1.0cm 467.95pt 510.5pt 553.05pt 595.55pt 638.1pt 680.65pt; text-align: justify; text-indent: 1cm;">
<span style="font-size: 11.5pt; letter-spacing: -0.15pt; line-height: 110%; mso-bidi-font-size: 10.0pt;">Uma tese acadêmica, no Brasil, deve ser escrita em torno de dois anos e meio para o caso das pesquisas de Mestrado, e em torno de quatro anos para o caso das pesquisas de Doutorado. Além disto, o pesquisador nem sempre conta com alguma ajuda de custo, e quase sempre precisa exercer diversas atividades profissionais regulares durante a elaboração de seu trabalho. Seu tempo é literalmente dividido, e o pesquisador tem de se render resignadamente a esta constatação. Impõe-se aqui, enfaticamente, o critério da viabilidade, que deve interagir dialeticamente com os interesses do pesquisador e da Instituição. Os projetos mais ambiciosos devem ceder lugar às propostas mais exeqüíveis, e é preciso neste momento lidar com a perda: abandonar (ou adiar) a utopia do conhecimento que desejaríamos produzir em favor da concretude do conhecimento que pode ser efetivamente produzido. Os recortes, agora menos por razões científicas do que por razões práticas, novamente se impõem ...</span></div>
<div style="mso-element: footnote-list;">
<br />
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 110%; margin: 0cm -12.8pt 0pt 0cm; text-align: justify; text-indent: 1cm;">
<br /></div>
<div style="mso-element: footnote-list;">
<br />
<hr align="left" size="1" width="33%" />
<div id="ftn1" style="mso-element: footnote;">
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm -12.75pt 3pt 0cm; mso-line-height-alt: .8pt; text-align: justify;">
</div>
</div>
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</div>
Notas:<br />
<br />
<br />
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 22.65pt 3pt 0cm; mso-line-height-alt: .8pt; text-align: justify;">
<span class="MsoFootnoteReference"><span style="font-size: 9.5pt; mso-bidi-font-size: 10.0pt;"><span style="mso-special-character: footnote;"><span class="MsoFootnoteReference"><span style="font-family: "Times New Roman"; font-size: 9.5pt; mso-ansi-language: PT-BR; mso-bidi-font-size: 10.0pt; mso-bidi-language: AR-SA; mso-fareast-font-family: "Times New Roman"; mso-fareast-language: PT-BR;">[1]</span></span></span></span></span><span style="font-size: 9.5pt; mso-bidi-font-size: 10.0pt;"> Monike Garcia Ribeiro. <i style="mso-bidi-font-style: normal;">A<span style="mso-spacerun: yes;"> </span>paisagem<span style="mso-spacerun: yes;"> </span>artística<span style="mso-spacerun: yes;"> </span>no<span style="mso-spacerun: yes;"> </span>Brasil como<span style="mso-spacerun: yes;"> </span>uma<span style="mso-spacerun: yes;"> </span>questão<span style="mso-spacerun: yes;"> </span>estratégica<span style="mso-spacerun: yes;"> </span>da<span style="mso-spacerun: yes;"> </span>memória – o olhar de dois pintores da missão artística francesa : Jean Baptiste<span style="mso-spacerun: yes;"> </span>Debret<span style="mso-spacerun: yes;"> </span>e<span style="mso-spacerun: yes;"> </span>Nicolas Antoine Taunay</i>. Rio de Janeiro: UNI-RIO, 1999.</span></div>
<div class="MsoFootnoteText" style="margin: 0cm 22.65pt 3pt 0cm; text-align: justify;">
<span class="MsoFootnoteReference"><span style="mso-special-character: footnote;"><span class="MsoFootnoteReference"><span style="font-family: "Times New Roman"; font-size: 10pt; mso-ansi-language: PT-BR; mso-bidi-language: AR-SA; mso-fareast-font-family: "Times New Roman"; mso-fareast-language: PT-BR;">[2]</span></span></span></span><span style="font-size: x-small;"> </span><span style="font-size: 9.5pt; mso-bidi-font-size: 10.0pt;">Fernando BRAUDEL, <i style="mso-bidi-font-style: normal;">O mediterrâneo e o mundo mediterrânico na época de Felipe II</i>. São Paulo: Martins Fontes, 1984. 2 vol.</span></div>
<div class="MsoFootnoteText" style="margin: 0cm 22.65pt 0pt 0cm; text-align: justify;">
<span class="MsoFootnoteReference"><span style="font-size: 9.5pt; mso-bidi-font-size: 10.0pt;"><span style="mso-special-character: footnote;"><span class="MsoFootnoteReference"><span style="font-family: "Times New Roman"; font-size: 9.5pt; mso-ansi-language: PT-BR; mso-bidi-font-size: 10.0pt; mso-bidi-language: AR-SA; mso-fareast-font-family: "Times New Roman"; mso-fareast-language: PT-BR;">[3]</span></span></span></span></span><span style="font-size: 9.5pt; mso-bidi-font-size: 10.0pt;"> José Carlos REIS. <i style="mso-bidi-font-style: normal;">Nouvelle Histoire e Tempo Histórico</i>. São Paulo: Ática, 1994. p.74</span></div>
<div class="MsoFootnoteText" style="margin: 0cm 22.65pt 3pt 0cm; text-align: justify;">
<span class="MsoFootnoteReference"><span style="mso-special-character: footnote;"><span class="MsoFootnoteReference"><span style="font-family: "Times New Roman"; font-size: 10pt; mso-ansi-language: PT-BR; mso-bidi-language: AR-SA; mso-fareast-font-family: "Times New Roman"; mso-fareast-language: PT-BR;">[4]</span></span></span></span><span style="font-size: x-small;"> </span><span style="font-size: 9.5pt; mso-bidi-font-size: 10.0pt;">Fernando BRAUDEL, <i style="mso-bidi-font-style: normal;">Civilização Material, Economia e Capitalismo</i>, São Paulo: Martins Fontes, 1997. </span><span lang="FR" style="font-size: 9.5pt; mso-ansi-language: FR; mso-bidi-font-size: 10.0pt;">3 vol.</span><span lang="FR" style="mso-ansi-language: FR;"></span></div>
<div class="MsoFootnoteText" style="margin: 0cm 22.65pt 0pt 0cm; text-align: justify;">
<span class="MsoFootnoteReference"><span style="mso-special-character: footnote;"><span class="MsoFootnoteReference"><span style="font-family: "Times New Roman"; font-size: 10pt; mso-ansi-language: PT-BR; mso-bidi-language: AR-SA; mso-fareast-font-family: "Times New Roman"; mso-fareast-language: PT-BR;">[5]</span></span></span></span><span style="mso-ansi-language: FR;"><span style="font-size: x-small;"> </span></span><span lang="FR" style="font-size: 9.5pt; mso-ansi-language: FR; mso-bidi-font-size: 10.0pt;">Fernando BRAUDEL, <i style="mso-bidi-font-style: normal;">L’identité de <personname productid="la France" w:st="on">la France</personname></i>, Paris: Flamarion, 1986. </span><span style="font-size: 9.5pt; mso-bidi-font-size: 10.0pt;">3 vol.</span></div>
<div class="MsoFootnoteText" style="margin: 0cm 22.65pt 3pt 0cm; text-align: justify;">
<span class="MsoFootnoteReference"><span style="font-size: 9.5pt; mso-bidi-font-size: 10.0pt;"><span style="mso-special-character: footnote;"><span class="MsoFootnoteReference"><span style="font-family: "Times New Roman"; font-size: 9.5pt; mso-ansi-language: PT-BR; mso-bidi-font-size: 10.0pt; mso-bidi-language: AR-SA; mso-fareast-font-family: "Times New Roman"; mso-fareast-language: PT-BR;">[6]</span></span></span></span></span><span lang="FR" style="font-size: 9.5pt; mso-ansi-language: FR; mso-bidi-font-size: 10.0pt;"> Pierre e Huguette CHAUNU, <i style="mso-bidi-font-style: normal;">Séville et l’Atlantique</i>. Paris: </span><span lang="FR" style="font-size: 9pt; mso-ansi-language: FR;">SEVPEN</span><span lang="FR" style="font-size: 9.5pt; mso-ansi-language: FR; mso-bidi-font-size: 10.0pt;">, 1955-1956. </span><span style="font-size: 9.5pt; mso-bidi-font-size: 10.0pt;">Os primeiros seis volumes de “Sevilha e o Atlântico”, escritos em colaboração com Huguette Chaunu, correspondem à “Parte Estatística”, e são acrescidos de um Atlas (“Construction graphique”, vol. 7, </span><span style="font-size: 9pt;">1957</span><span style="font-size: 9.5pt; mso-bidi-font-size: 10.0pt;">). A “Parte Interpretativa”, constituída por mais três volumes que foram pelos autores numerados como </span><span style="font-size: 9pt;">VIII1</span><span style="font-size: 9.5pt; mso-bidi-font-size: 10.0pt;">, VIII</span><span style="font-size: 7pt; mso-bidi-font-size: 10.0pt;">2</span><span style="font-size: 9.5pt; mso-bidi-font-size: 10.0pt;">, e VIII</span><span style="font-size: 7pt; mso-bidi-font-size: 10.0pt;">3</span><span style="font-size: 9.5pt; mso-bidi-font-size: 10.0pt;">, correspondem à Tese de Pierre Chaunu propriamente dita. Esta obra inovadora e monumental introduz na historiografia o campo da História Serial, e os sete primeiros volumes correspondem precisamente à montagem desta “série” que reconstitui o tráfico entre Sevilha e a América entre </span><span style="font-size: 9pt;">1504</span><span style="font-size: 9.5pt; mso-bidi-font-size: 10.0pt;"> e </span><metricconverter productid="1650. A" w:st="on"><span style="font-size: 9pt;">1650</span><span style="font-size: 9.5pt; mso-bidi-font-size: 10.0pt;">. A</span></metricconverter><span style="font-size: 9.5pt; mso-bidi-font-size: 10.0pt;"> “Parte Interpretativa” é pioneira ainda ao introduzir na historiografia a oposição conceitual “estrutura / conjuntura”. O próprio Fernando Braudel desenvolve comentários críticos à obra de Chaunu em “Para uma História Serial: Sevilha e o Atlântico (1504-1650)” (<i style="mso-bidi-font-style: normal;">Escritos sobre a História</i>. São Paulo: Perspectiva, 1978. p.125-142).</span></div>
<div class="MsoFootnoteText" style="margin: 0cm 22.65pt 0pt 0cm; mso-line-height-alt: .8pt;">
<br /></div>
...<br />
<br />
Para um artigo sobre "Projeto de Pesquisa", leia: <a _mce_href="http://ning.it/hiOVFx" href="http://ning.it/hiOVFx">http://ning.it/hiOVFx</a><br />
<br />
[BARROS, José D'Assunção. “Projeto de Pesquisa - suas funções e partes constitutivas” in <i>Liberato –</i> Revista da Escola Técnica de Novo Hamburgo, n°11, 2008, p.67-75]<br />
<br />
<br />
<div class="separator" style="border-bottom: medium none; border-left: medium none; border-right: medium none; border-top: medium none; clear: both; text-align: center;">
<a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEj-69pttnn-KP7dcpx8lN6OZT7HXdiY1rsFLHPMTNVIZODS91NrgzVaaB_N_QcW28wPzH7Pt6Quo-DC8ta-KzaVU3bWYDwlkMiU5JCfiseB1svbGiGKOXm2j8cnfQkFFHmphuvjHtptsaSl/s1600/O+Projeto+de+Pesquisa+em+Hist%25C3%25B3ria.+capa+frontal.jpg" imageanchor="1" style="clear: left; cssfloat: left; float: left; margin-bottom: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEj-69pttnn-KP7dcpx8lN6OZT7HXdiY1rsFLHPMTNVIZODS91NrgzVaaB_N_QcW28wPzH7Pt6Quo-DC8ta-KzaVU3bWYDwlkMiU5JCfiseB1svbGiGKOXm2j8cnfQkFFHmphuvjHtptsaSl/s320/O+Projeto+de+Pesquisa+em+Hist%25C3%25B3ria.+capa+frontal.jpg" h5="true" height="320" width="231" /></a></div>
O artigo foi baseado em um dos capítulos do livro "O Projeto de Pesquisa em História" [BARROS, José D'Assunção. O Projeto de Pesquisa em História. Petrópolis: Editora Vozes, 2011, 8a edição]<br />
<br />
*Quemse interessar em receber dois capítulos do livro "O Projeto de Pesquisa em História", para conhecer a obra, peça pelo e-mail: <a _mce_href="mailto:jose.assun@globo.com" href="mailto:jose.assun@globo.com">jose.d.assun@globomail.com</a>José D'Assunção Barroshttp://www.blogger.com/profile/14616369888767129715noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-4699005453965610630.post-15182460252495653742011-02-12T21:42:00.000-08:002015-04-06T20:52:52.392-07:00As partes constitutivas de um Projeto de PesquisaNo último post deste blog (<a _mce_href="http://ning.it/gInpPJ" href="http://ning.it/gInpPJ">http://ning.it/gInpPJ</a>), procuramos mostrar que um Projeto pode cumprir múltiplas funções e finalidades no trabalho de Pesquisa. De saída, um bom projeto procura antecipar algumas perguntas fundamentais relacionadas à Pesquisa proposta, tanto no sentido de dar uma satisfação a terceiros (quando for o caso) como no sentido de promover um auto-esclarecimento para o próprio pesquisador e um delineamento preciso do recorte temático, de cada etapa, de cada instrumento, de cada técnica a ser abordada. Assim, ele responde de antemão às seguintes perguntas relacionadas à pesquisa proposta: O que se pretende fazer? Por que fazer? Para que fazer? A partir de que fundamentos? Com o que fazer? Como fazer? Com que materiais? A partir de que diálogos? Quando fazer?<br />
<br />
Cada uma destas perguntas remete, a princípio, a uma parte específica do Projeto, a uma espécie de compartimento redacional onde o pesquisador procura esclarecer de maneira clara e precisa, para os outros ou para si mesmo, as várias instâncias que devem alicerçar o seu trabalho (ver Quadro 2 no artigo emreferência).<br />
<br />
“O que fazer?”, por exemplo, é uma pergunta que se busca esclarecer logo de princípio, na “Introdução” do Projeto e, eventualmente, em um capítulo denominado ‘Delimitação Temática’ (1) ou ‘Exposição do Problema’ (estes nomes variam muito, de instituição a instituição, e não devem ser tomados como parâmetros absolutos). Veremos mais adiante que a resposta a esta pergunta deve sofrer sucessivas delimitações, bem como integrar recortes simultâneos que podem remeter a um tempo, a um espaço, a um problema investigado. Por ora, de uma maneira algo simplificada, diremos que é precisamente aqui que o pesquisador deve esclarecer ao seu leitor qual é o objeto de sua investigação ou da sua realização científica.<br />
<br />
“Por que fazer?” é uma pergunta importante, que interessa particularmente àqueles que irão decidir se o seu projeto deve prosseguir, se deve ser financiado, se pode ser aceito em um programa de pesquisa ou de Pós-Graduação. O capítulo do Projeto que busca esclarecer isto, de forma bem convincente e argumentativa, denomina-se habitualmente ‘Justificativa’ (2). Não raro também se acrescenta a esta denominação as palavras ‘relevância’ ou ‘viabilidade’, que no fundo não são mais do que aspectos específicos de uma ‘justificativa’ no seu sentido mais amplo.<br />
<br />
“Para que fazer?” vincula-se ao estabelecimento de objetivos a atingir ¾ dando origem a um capítulo bastante conciso que se refere às finalidades a serem alcançadas, freqüentemente enunciadas em ordem numérica e da maneira mais simples possível. Este capítulo recebe habitualmente o título de “Objetivos” (3).<br />
<br />
“A partir de que fundamentos?” remete a todo um conjunto de possibilidades teóricas ou mesmo de visões de mundo que, pelo menos em parte, o pesquisador já deve trazer consigo ao iniciar a sua viagem produtora de conhecimento. O capítulo que busca concentrar a referência a estes aspectos fundamentais, verdadeiros alicerces mentais que nortearão as ações e as escolhas feitas pelo pesquisador, denomina-se “Quadro Teórico” (4). Trata-se aqui, de definir desde as filiações mais amplas, até os conceitos, expressões e categorias que serão utilizados na elaboração reflexiva e na sua exposição de resultados.<br />
<br />
“Com o que fazer?” e “Como fazer?” são indagações que reenviam respectivamente aos instrumentos e às técnicas de pesquisa. De fato, um “instrumento” é aquilo com o que se faz, e remete aos recursos de natureza material ou mesmo abstrata que serão empregados como verdadeiras ferramentas para a pesquisa. Neste caso, são ‘instrumentos’ um cronômetro, uma balança. um tubo de ensaio (para o caso de pesquisas nas áreas das ciências exatas e biológicas) mas também um formulário, um questionário, ou mesmo um gráfico que se elabora para acondicionar os dados colhidos e prepará-los para a interpretação.<br />
<br />
Já uma ‘técnica’ remete ao modo de realizar algo, e abrange procedimentos como as coletas de informações, as entrevistas, as maneiras sistematizadas de empreender observações, e também as análises de conteúdo, as análises estatísticas, ou outras metodologias destinadas à interpretação dos dados que foram coletados ou captados. Enfim, as “técnicas” podem se referir tanto à coleta de dados e à constituição de documentação, como também às análises destes dados e destas fontes.<br />
<br />
Os instrumentos e técnicas são habitualmente acondicionados em um capítulo bastante importante do Projeto, e que se denomina “Metodologia” (5), “Métodos e Técnicas”, “Procedimentos Metodológicos”, ou algo do gênero. Também é utilizada, talvez de maneira ainda mais apropriada, a designação “Materiais e Metodologia” (“Fontes e Metodologia”, por exemplo, para o caso da História). É uma designação interessante quando o pesquisador precisa descrever também os materiais sobre os quais irá trabalhar ¾ materiais que não são propriamente aparelhos e ferramentas, mas sim a matéria-prima que sofrerá a intervenção das ferramentas e instrumentais diversos.<br />
<br />
No caso da História, para dar o exemplo de uma das ciências humanas, esta espécie de matéria-prima fundamental da qual precisará partir o historiador que empreende a sua viagem ao passado é a “fonte” ou o “documento histórico”. É conveniente dissertar sobre as “fontes” que serão utilizadas, antes de discorrer sobre as metodologias que serão utilizadas para constituí-las em um <i>corpus</i> documental definido e para interpretá-las. Daí ser bastante comum a designação ‘Fontes e Metodologia’ em um Projeto de História (equivalente a ‘Materiais e Metodologia’ em projetos experimentais vinculados ao campo das ciências exatas).<br />
<br />
Deve-se acrescentar que a Metodologia, para muito além do mero registro dos materiais e técnicas, deve apresentar essencialmente a caracterização da abordagem que a pesquisa pretende utilizar em seu desenvolvimento, considerando o problema e seus objetivos. Neste sentido, a Metodologia pressupõe todo um referencial ontológico, epistemológico do pesquisador.<br />
<br />
“A partir de que diálogos?” é a pergunta que situa uma Pesquisa em uma rede de intertextualidades com outros autores. Dito de outra forma, indaga-se aqui pelos “interlocutores” da reflexão a ser realizada. Dificilmente uma pesquisa científica parte do “ponto zero” (se é que já existiu alguma que o tenha feito na história do conhecimento humano). Nem que seja para contestar radicalmente os autores precedentes que já se debruçaram sobre o mesmo problema, o pesquisador precisa inserir a sua reflexão em um diálogo implícito ou explícito com a literatura e com o conhecimento já existente. Mais comum é que, além das eventuais contestações e correções a autores precedentes, o pesquisador também encontre autores e obras que lhe servirão como pontos de apoio, como alavancas para se impulsionar para mais adiante, como inspiração para novos rumos e abordagens.<br />
<br />
É neste sentido que, em um Projeto de Pesquisa, não pode faltar o que se poderia chamar de uma “Revisão Bibliográfica”. Alguns modelos de Projeto atribuem um capítulo especial a este levantamento crítico, onde o pesquisador irá apresentar e discutir algumas das obras preexistentes que serão reapropriadas no seu trabalho, seja sob a forma de assimilação ou de confronto. Mas, por outro lado, o já mencionado “Quadro Teórico”, que vimos ser aquele capítulo em que o pesquisador expõe o seu referencial teórico e os conceitos de que irá se valer, pode também incluir como item a revisão bibliográfica, já que de algum modo esta revisão também representa uma base de teoria da qual partirá o pesquisador para elaborar as suas próprias reflexões.<br />
<br />
O importante é que este item (ou o seu conteúdo) esteja efetivamente presente, embora sem repetições. Portanto, se foi destacado um capítulo especial para a “Revisão Bibliográfica” (que muitas vezes aparece logo depois da “Introdução” ou a da “Delimitação Temática”) as obras ali mencionadas não devem ser rediscutidas no “Quadro Teórico”. É possível também discutir algumas obras na “Revisão Bibliográfica”, mais diretamente ligadas ao tema, e deixar para o “Quadro Teórico” a discussão de outras que se referem mais propriamente a instrumentais teóricos que serão utilizados, a conceitos importantes para a pesquisa, a categorias e abordagens.<br />
<br />
Quando o Projeto de Pesquisa delimita um capítulo especial para a “Revisão Bibliográfica”, logo depois da apresentação do tema e da definição da problemática, esta oportunidade deve ser aproveitada para apresentar as lacunas existentes no conhecimento sobre o assunto que será abordado. Tornar claras as lacunas bibliográficas relativas ao enfoque proposto, por sinal, é um excelente elo de ligação para o item “Justificativa”, que pode principiar precisamente ressaltando que, dadas as lacunas ainda existentes neste ou naquele aspecto, o Projeto proposto torna-se extremamente relevante, já que poderá contribuir de alguma maneira para supri-las. Com isto, o pesquisador já parte com um excelente argumento a favor da necessidade de a sua pesquisa ser empreendida.<br />
<br />
Não é necessário, por outro lado, discutir toda a bibliografia que existe sobre o assunto. Isto seria exaustivo, quando não impossível. Algumas obras podem apenas ser referenciadas no compartimento final do Projeto, a “Bibliografia” ou “Referências Bibliográficas” (8). Outras obras, consideradas pouco importantes para a pesquisa, sequer precisam aparecer. O que não pode faltar são as fontes mais diretas, que no caso de uma pesquisa historiográfica, por exemplo, são os chamados “documentos” ou “fontes históricas”. Estas “fontes primárias”, aliás, devem aparecer separadas da “bibliografia geral”, precedendo-a. Ou seja, no caso dos projetos de História o capítulo “Bibliografia” deve ser organizado em dois itens distintos, um relativo à documentação de época ou mais diretamente assimilada como material primário pertinente ao problema examinado, e outro relacionado às obras de autores vários que refletiram sobre o mesmo tema, e que constituem o diálogo intertextual estabelecido pela Pesquisa.<br />
<br />
“Quando fazer?” é a pergunta que remete à temporalidade relacionada à duração da pesquisa, ao planejamento das suas várias etapas. Toda pesquisa deve ser proposta em relação a um intervalo de tempo definido, mesmo que passível de renovação. Freqüentemente, ela será realizada por etapas, e se abranger um período relativamente amplo (um ano ou mais) será necessário dar à Instituição satisfações periódicas a respeito do andamento da Pesquisa, o que poderá ser feito com a utilização de um tipo de texto que é chamado “Relatório de Pesquisa”.<br />
Com relação ao Projeto, as várias etapas previstas, as várias atividades que serão realizadas, os diferentes trabalhos que integrarão a pesquisa ¾ tudo isto precisa ser referenciado em um “Cronograma de Pesquisa”, normalmente sob a forma de um quadro ou tabela que expõe de maneira instantânea a relação entre o conjunto de ações previstas e o tempo previsto para serem realizadas. O Cronograma é um instrumento não apenas para o controle da Instituição, mas principalmente para o autocontrole do pesquisador no que se refere ao andamento do seu trabalho. Ele não é, naturalmente, uma tábua sagrada e implacável, mas é uma orientação importante para a realização do trabalho.<br />
<br />
Será oportuno mencionar um capítulo recorrente em Projetos que é aquele que se relacionado às “Hipóteses”, e que normalmente vem situado após o “Quadro Teórico” e antes do capítulo relacionado à “Metodologia”. De certo modo, as hipóteses constituem o verdadeiro cerne da pesquisa do tipo “tese”. Veremos adiante que uma hipótese corresponde a uma resposta (ou possibilidade de resposta) que se relaciona ao problema formulado. Dependendo da intencionalidade da Pesquisa, seu problema e objetivos, pode-se ainda recorrer ao uso de ‘Questões Norteadoras de Pesquisa’ em substituição às Hipóteses, o que, naturalmente, também implica diferenciação de procedimentos de coleta e análise dos dados ou informações.<br />
<br />
Retomando o esclarecimento relacionado à função de hipóteses em certos tipos de pesquisa, deve-se ressaltar que uma hipótese representa uma direção que se imprime à Pesquisa, mesmo que seja abandonada no decorrer do processo de investigação em favor de outra. Ao mesmo tempo em que deve estar intimamente relacionada ao “Quadro Teórico”, as hipóteses também contribuem para definir a “Metodologia” que será empregada. Desta forma, as hipóteses preenchem um certo espaço entre a teoria e a metodologia de um Projeto de Pesquisa, razão por que se prefere localizá-la entre estes dois capítulos.<br />
<br />
De certo modo, é somente quando se consegue elaborar uma ou mais hipóteses de trabalho que a Pesquisa começa a tomar a forma requerida a uma Dissertação de Mestrado ou a uma Tese de Doutorado. Caso contrário, tem-se apenas um trabalho descritivo, que pode ser adequado a uma Monografia ou a um Livro que se proponha a desenvolver determinado assunto, mas que não corresponde propriamente ao modelo de tese. Uma tese não é uma reflexão livre, descritiva ou ensaística, mas sim uma reflexão sistematizada e orientada por um determinado problema.<br />
<br />
Por outro lado, vale lembrar que nem toda Pesquisa corresponde necessariamente a um modelo de Tese, e pode se dar que o objetivo do pesquisador seja apenas o de levantar determinado conjunto de dados ou de informações. Este tipo de pesquisa é em diversas ocasiões requerido por empresas que precisam se manter informadas para definir suas linhas de ação. Pode-se, por exemplo, encomendar uma “pesquisa de mercado”, ou ainda uma “pesquisa de tendências” que vise acompanhar um processo eleitoral com tal ou qual finalidade. Pode-se visar o levantamento do perfil de determinado grupo de consumidores, ou empreender uma pesquisa descritiva que busque levantar as características de determinada localidade. Neste caso, se o Projeto de Pesquisa do qual estamos falando <i>não</i> é um projeto problematizado no modelo de tese, obviamente não tem sentido um capítulo relativo a “Hipóteses”.<br />
<br />
Em linhas gerais, as partes acima descritas compõem a totalidade do Projeto de Pesquisa, podendo ainda ser incluído um capítulo relacionado a “Recursos” para o caso de serem requeridos a determinada instituição financiamentos diversos, equipamentos, passagens, e também a contratação de pessoal técnico. O capítulo “Recursos”, que pode abranger um plano de custos da pesquisa e uma exposição de suas necessidades materiais, estaria respondendo a uma nova pergunta: “Quanto vai custar?”.<br />
<br />
Pode-se dar, ainda, que para além dos recursos econômicos e materiais seja necessário planejar diversificados recursos humanos. Neste caso, estaremos falando de uma pesquisa que não será empreendida por uma só pessoa, mas por uma equipe que poderá ser coordenada pelo autor do Projeto. Trata-se, neste caso, de planificar a contribuição e atuação de todos os participantes, e de indicar eventualmente entidades que estejam atuando em conjugação com o Projeto. Em uma palavra, trata-se de responder às perguntas “Quem vai fazer?” e “O que cada um vai fazer?”.<br />
<br />
Estes últimos aspectos, naturalmente, fogem ao caso dos Projetos de Dissertação ou de Tese, que implicam necessariamente em trabalhos individuais. Quanto aos demais aspectos, correspondem ao tipo de conteúdo que deve aparecer em qualquer espécie de Projeto ao qual se queira dar um tratamento minimamente profissional. Para sintetizar o que já foi dito, o esquema abaixo procura relacionar as várias perguntas que se faz a um Projeto com os seus capítulos correspondentes.<br />
<br />
Por outro lado, embora os vários tipos de conteúdo atrás descritos marquem uma presença quase certa, deve ficar claro que não existe um parâmetro oficial e único de Projeto de Pesquisa no que tange à sua ordem e definição de capítulos. Partindo do modelo atrás proposto, o pesquisador pode considerar adequado suprimir ou acrescentar capítulos, reunir duas seções em uma única, modificar a ordem de apresentação dos capítulos propostos, e assim por diante ¾ desde que isto faça algum sentido para a sua pesquisa ou que atenda a um padrão qualquer de lógica proposto pelo próprio autor do projeto. De igual maneira, um tipo de pesquisa ou um campo de conhecimento específico pode exigir a abertura de um capítulo que não seria necessário, ou mesmo pertinente, em outro. Enfim, qualquer modelo de Projeto proposto em uma obra de Metodologia Científica não é mais que isto: um modelo, pronto para ser alterado e adaptado de acordo com as necessidades.<br />
...<br />
<br />
Leia o início e o final deste artigo em: <a _mce_href="http://ning.it/hiOVFx" href="http://ning.it/hiOVFx">http://ning.it/hiOVFx</a><br />
<br />
[BARROS, José D'Assunção. “Projeto de Pesquisa - suas funções e partes constitutivas” in <i>Liberato –</i> Revista da Escola Técnica de Novo Hamburgo, n°11, 2008, p.67-75]<br />
<br />
<br />
<div class="separator" style="border-bottom: medium none; border-left: medium none; border-right: medium none; border-top: medium none; clear: both; text-align: center;">
<a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEj-69pttnn-KP7dcpx8lN6OZT7HXdiY1rsFLHPMTNVIZODS91NrgzVaaB_N_QcW28wPzH7Pt6Quo-DC8ta-KzaVU3bWYDwlkMiU5JCfiseB1svbGiGKOXm2j8cnfQkFFHmphuvjHtptsaSl/s1600/O+Projeto+de+Pesquisa+em+Hist%25C3%25B3ria.+capa+frontal.jpg" imageanchor="1" style="clear: left; cssfloat: left; float: left; margin-bottom: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEj-69pttnn-KP7dcpx8lN6OZT7HXdiY1rsFLHPMTNVIZODS91NrgzVaaB_N_QcW28wPzH7Pt6Quo-DC8ta-KzaVU3bWYDwlkMiU5JCfiseB1svbGiGKOXm2j8cnfQkFFHmphuvjHtptsaSl/s320/O+Projeto+de+Pesquisa+em+Hist%25C3%25B3ria.+capa+frontal.jpg" h5="true" height="320" width="231" /></a></div>
O artigo foi baseado em um dos capítulos do livro "O Projeto de Pesquisa em História" [BARROS, José D'Assunção. O Projeto de Pesquisa em História. Petrópolis: Editora Vozes, 2011, 8a edição]<br />
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*Quemse interessar em receber dois capítulos do livro "O Projeto de Pesquisa em História", para conhecer a obra, peça pelo e-mail: <a _mce_href="mailto:jose.assun@globo.com" href="mailto:jose.assun@globo.com">jose.d.assun@globomail.com</a>José D'Assunção Barroshttp://www.blogger.com/profile/14616369888767129715noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-4699005453965610630.post-82016983022998731652011-02-12T21:37:00.000-08:002011-02-12T21:37:36.482-08:00Projeto de Pesquisa - porque escrever um?<div _mce_style="text-align: justify; line-height: 150%; text-indent: 1cm; margin: 0cm 2.25pt 0pt 0cm;" class="MsoBodyTextIndent2" jquery1297575213671="130" style="line-height: 150%; margin: 0cm 2.25pt 0pt 0cm; text-align: justify; text-indent: 1cm;"><span _mce_style="line-height: 150%; font-family: Garamond; font-size: 12pt;" style="font-family: Garamond; font-size: 12pt; line-height: 150%;">Iniciar uma Pesquisa, em qualquer campo do conhecimento humano, é partir para uma viagem instigante e desafiadora. Mas trata-se decerto de uma viagem diferente, na qual já não se pode contar com um caminho preexistente que bastará ser percorrido após a decisão de partir. Se qualquer viagem traz consigo uma sensação de novidade e de confronto com o desconhecido, a viagem do conhecimento depara-se adicionalmente com a inédita realidade de que o caminho da Pesquisa deve ser construído a cada momento pelo próprio pesquisador. Até mesmo a escolha do lugar a ser alcançado ou visitado não é mera questão de apontar o dedo para um ponto do mapa, pois este lugar deve ser também ele mesmo construído a partir da imaginação e da criatividade do investigador.</span></div><div _mce_style="text-align: justify; line-height: 150%; text-indent: 1cm; margin: 0cm 2.25pt 0pt 0cm;" class="MsoBodyTextIndent2" style="line-height: 150%; margin: 0cm 2.25pt 0pt 0cm; text-align: justify; text-indent: 1cm;"><span _mce_style="line-height: 150%; font-family: Garamond; font-size: 12pt;" style="font-family: Garamond; font-size: 12pt; line-height: 150%;">Delimitado o tema, o problema a ser investigado, ou os objetivos a serem atingidos, o pesquisador deverá em seguida produzir ou constituir os seus próprios materiais – pois não os encontrará prontos em uma agência de viagens ou em uma loja de artigos apropriados para a ocasião – e isto inclui desde os instrumentos necessários à empreitada até os modos de utilizá-los. É assim que, se qualquer viagem necessita de um cuidadoso planejamento – de um roteiro que estabeleça as etapas a serem cumpridas e que administre os recursos e o tempo disponível – mais ainda a viagem da Pesquisa Científica necessitará deste instrumento de planejamento, que neste caso também será um instrumento de elaboração dos próprios materiais de que se servirá o viajante na sua aventura em busca da construção do conhecimento. Este é o papel do Projeto na Pesquisa Científica.</span></div><div _mce_style="text-align: justify; line-height: 150%; text-indent: 1cm; margin: 0cm 2.25pt 0pt 0cm;" class="MsoBodyTextIndent2" style="line-height: 150%; margin: 0cm 2.25pt 0pt 0cm; text-align: justify; text-indent: 1cm;"><span _mce_style="line-height: 150%; font-family: Garamond; font-size: 12pt;" style="font-family: Garamond; font-size: 12pt; line-height: 150%;">O Projeto de Pesquisa deve ser, naturalmente, um instrumento flexível, pronto a ser ele mesmo reconstruído ao longo do próprio caminho empreendido pelo pesquisador. Se o conhecimento é produto da permanente interação entre o pesquisador e o seu objeto de estudo, como tende a ser considerado nos dias de hoje, as mudanças de direção podem ocorrer com alguma freqüência, à medida que esta interação se processa e modifica não apenas o objeto de estudo, mas o próprio estudioso.</span></div><div _mce_style="text-align: justify; line-height: 150%; text-indent: 1cm; margin: 0cm 2.25pt 0pt 0cm;" class="MsoBodyTextIndent2" style="line-height: 150%; margin: 0cm 2.25pt 0pt 0cm; text-align: justify; text-indent: 1cm;"><span _mce_style="line-height: 150%; font-family: Garamond; font-size: 12pt;" style="font-family: Garamond; font-size: 12pt; line-height: 150%;">Ao se deparar com novas fontes, ao imaginar novas hipóteses, ao se confrontar com as inevitáveis dificuldades, ao produzir novos vislumbres de caminhos possíveis, ou ao amadurecer no decorrer do próprio processo de pesquisa, o investigador deverá estar preparado para lidar com mudanças, para abandonar roteiros, para antecipar ou retardar etapas, para se desfazer de um instrumento de pesquisa em favor do outro, para repensar as esquematizações teóricas que até ali haviam orientado o seu pensamento. Neste sentido, todo Projeto é provisório, sujeito a mutações, inacabado.</span></div><div _mce_style="text-align: justify; line-height: 150%; text-indent: 1cm; margin: 0cm 2.25pt 0pt 0cm;" class="MsoBodyTextIndent2" style="line-height: 150%; margin: 0cm 2.25pt 0pt 0cm; text-align: justify; text-indent: 1cm;"><span _mce_style="line-height: 150%; font-family: Garamond; font-size: 12pt;" style="font-family: Garamond; font-size: 12pt; line-height: 150%;">Diante deste caráter provisório e inacabado do Projeto, o pesquisador iniciante freqüentemente se vê tentado a supor que elaborar um Projeto é mera perda tempo, e que melhor seria iniciar logo a pesquisa. Da mesma forma, o estudioso que acaba de ingressar em um Programa de Mestrado não raro se põe a perguntar se não seria mais adequado começar já a escrever os capítulos de sua dissertação, à medida que vai levantando e analisando os seus materiais (como na História ou na Sociologia), ou à medida que vai realizando os seus experimentos (neste último caso, considerando ciências como a Física ou a Química). Se ele passa a elaborar o seu Projeto, a contragosto, é porque se acha obrigado a isto <i _mce_style="mso-bidi-font-style: normal;" style="mso-bidi-font-style: normal;">institucionalmente</i>, uma vez que deverá defendê-lo a certa altura do seu curso em um evento que nas universidades brasileiras chama-se “exame de qualificação”.</span></div><div _mce_style="text-align: justify; line-height: 150%; text-indent: 1cm; margin: 0cm 2.25pt 0pt 0cm;" class="MsoBodyTextIndent2" style="line-height: 150%; margin: 0cm 2.25pt 0pt 0cm; text-align: justify; text-indent: 1cm;"><span _mce_style="line-height: 150%; font-family: Garamond; font-size: 12pt;" style="font-family: Garamond; font-size: 12pt; line-height: 150%;">Já com relação ao pesquisador que participa de um Programa de Pós-Graduação em nível de Doutorado, este, na maior parte dos casos, já deve ter elaborado o seu Projeto antes de ter ingressado no Programa – e neste caso o Projeto terá assumido para ele, para além do papel de uma exigência institucional, a função de uma “carta de intenções” a partir da qual ele procurou convencer a banca examinadora de que era um candidato interessante para o Programa.</span></div><div _mce_style="text-align: justify; line-height: 150%; text-indent: 1cm; margin: 0cm 2.25pt 0pt 0cm;" class="MsoBodyTextIndent2" style="line-height: 150%; margin: 0cm 2.25pt 0pt 0cm; text-align: justify; text-indent: 1cm;"><span _mce_style="line-height: 150%; font-family: Garamond; font-size: 12pt;" style="font-family: Garamond; font-size: 12pt; line-height: 150%;">Por outro lado, para além dos ambientes acadêmicos e universitários, com freqüência uma pesquisa é proposta pelo seu executante para ser financiada por organizações nacionais e internacionais, por institutos e órgãos de fomento à pesquisa, e também por empresas da caráter privado ou estatal. Os professores que atuam nos meios universitários também devem, na maior parte das vezes, registrar as pesquisas que estão realizando como parte de suas atividades docentes. Em todos estes casos, a elaboração do Projeto de Pesquisa se apresenta novamente como uma exigência necessária, e a incapacidade de atender esta exigência de maneira minimamente satisfatória pode implicar na perda de oportunidades profissionais importantes.</span></div><div _mce_style="text-align: justify; line-height: 150%; text-indent: 1cm; margin: 0cm 2.25pt 0pt 0cm;" class="MsoBodyTextIndent2" style="line-height: 150%; margin: 0cm 2.25pt 0pt 0cm; text-align: justify; text-indent: 1cm;"><span _mce_style="line-height: 150%; font-family: Garamond; font-size: 12pt;" style="font-family: Garamond; font-size: 12pt; line-height: 150%;">Em que pesem estes aspectos institucionais de que se possa ver revestido, um Projeto de Pesquisa é na verdade muito mais do que isto. Assim, contrariamente à falsa idéia de que o Projeto é meramente uma exigência formal e burocrática, ou de que se constitui apenas naquele recurso necessário para a Instituição selecionar candidatos a pesquisadores ou avaliar o seu desempenho, o estudioso mais amadurecido sabe que o Projeto é efetivamente uma necessidade da própria pesquisa. Sem o Projeto, ele sabe que a sua viagem se transformará em uma caminhada a ermo, que os recursos em pouco tempo estarão esgotados por falta de planejamento, e que os próprios instrumentos necessários para iniciar a caminhada, para dar um passo depois do outro, sequer chegarão a ser elaborados.</span></div><div _mce_style="text-align: justify; line-height: 150%; text-indent: 1cm; margin: 0cm 2.25pt 0pt 0cm;" class="MsoBodyTextIndent2" style="line-height: 150%; margin: 0cm 2.25pt 0pt 0cm; text-align: justify; text-indent: 1cm;"><span _mce_style="line-height: 150%; font-family: Garamond; font-size: 12pt;" style="font-family: Garamond; font-size: 12pt; line-height: 150%;">Sem o Projeto, o pesquisador mais experiente sabe que não existe sequer um caminho, uma vez que este caminho deve ser construído gradualmente a partir de materiais elaborados pelo próprio pesquisador - sendo</span> <span _mce_style="line-height: 150%; font-family: Garamond; font-size: 12pt;" style="font-family: Garamond; font-size: 12pt; line-height: 150%;">a elaboração do Projeto simultaneamente o primeiro passo da caminhada e o primeiro instrumento necessário para se pôr a caminho. O Projeto de Pesquisa, desta maneira, mostra-se a este pesquisador precisamente um ganho de tempo, um agilizador da pesquisa, um eficaz roteiro direcionador, um esquema prévio para a construção dos materiais e técnicas que serão necessários para alcançar os objetivos pretendidos.</span></div><div _mce_style="text-align: justify; line-height: 150%; text-indent: 1cm; margin: 0cm 2.25pt 0pt 0cm;" class="MsoBodyTextIndent2" style="line-height: 150%; margin: 0cm 2.25pt 0pt 0cm; text-align: justify; text-indent: 1cm;"><span _mce_style="line-height: 150%; font-family: Garamond; font-size: 12pt;" style="font-family: Garamond; font-size: 12pt; line-height: 150%;"><span _mce_style="line-height: 150%; font-family: Garamond; mso-bidi-font-size: 12.0pt;" style="font-family: Garamond; line-height: 150%; mso-bidi-font-size: 12.0pt;"><span style="font-size: small;">O “Quadro 1” [consultar no artigo em referência] procura resumir algumas das principais funções de um Projeto de Pesquisa. Ali encontraremos as já mencionadas funções formais ou burocráticas, que os pesquisadores iniciantes confundem com a única razão de ser do Projeto, mas também as funções operacionais, que são inerentes à própria realização de uma Pesquisa em si mesma. Assim, se o Projeto é uma “carta de intenções” (1) onde o pesquisador exibe a sua proposta investigativa para uma instituição acadêmica ou científica, e se ele é um “item curricular” nas instituições de Pós-Graduação (2), o Projeto é também um poderoso instrumento que cumpre as funções de “direcionador da pesquisa” (3)</span></span>.</span></div><div _mce_style="text-align: justify; line-height: 150%; text-indent: 1cm; margin: 0cm 2.25pt 0pt 0cm;" class="MsoBodyTextIndent2" style="line-height: 150%; margin: 0cm 2.25pt 0pt 0cm; text-align: justify; text-indent: 1cm;"><span _mce_style="line-height: 150%; font-family: Garamond; font-size: 12pt;" style="font-family: Garamond; font-size: 12pt; line-height: 150%;">Neste último aspecto em particular, o pesquisador que pretenda iniciar sem um Projeto a sua viagem de construção do conhecimento cedo perceberá que o próprio tema lhe parece fugir constantemente. Facilmente o pesquisador pode se por a perder em uma floresta temática, que lhe oferece mil direções e possibilidades, até que perceba que, dentro de um tema mais amplo, é preciso recortar, criar um problema, estabelecer uma direção, e que o Projeto vai lhe permitir precisamente a efetivação destes múltiplos recortes que tornarão a sua pesquisa possível, viável e relevante.</span></div><div _mce_style="text-align: justify; line-height: 150%; text-indent: 1cm; margin: 0cm 2.25pt 6pt 0cm;" class="MsoBodyTextIndent2" style="line-height: 150%; margin: 0cm 2.25pt 6pt 0cm; text-align: justify; text-indent: 1cm;"><span _mce_style="line-height: 150%; font-family: Garamond; font-size: 12pt;" style="font-family: Garamond; font-size: 12pt; line-height: 150%;">Esta constituição gradual e sistemática de um objeto de pesquisa não necessita apenas de uma direção e de um recorte delimitador, mas também de um planejamento. Aqui o Projeto vem trazer outra contribuição, uma vez que em uma de suas instâncias ele se constitui em um “roteiro de trabalho” ou em um instrumento de planejamento (4) sem o qual o pesquisador desperdiçaria os seus recursos, perdendo-se em uma investigação não sistematizada para ficar a meio caminho dos objetivos que sequer chegou a explicitar de maneira mais clara para si mesmo.</span></div><div _mce_style="text-align: justify; line-height: 150%; text-indent: 1cm; margin: 0cm 2.25pt 6pt 0cm;" class="MsoBodyTextIndent2" style="line-height: 150%; margin: 0cm 2.25pt 6pt 0cm; text-align: justify; text-indent: 1cm;"><span _mce_style="line-height: 150%; font-family: Garamond; font-size: 12pt;" style="font-family: Garamond; font-size: 12pt; line-height: 150%;">Sobretudo, o Projeto é um eficaz “instrumento para elaboração de idéias” e para auto-esclarecimento de quem o produz (5). Ao elaborar um quadro teórico ou a pensar metodologias, ao construir hipóteses e fixar objetivos, ao empreender uma revisão bibliográfica que colocará o pesquisador diante da literatura já existente sobre o assunto, o Projeto vai gradualmente esclarecendo aquele que o produz, dando-lhe elementos para articular melhor as suas idéias e confrontá-las com o que já foi feito naquele campo de conhecimento.</span></div><div _mce_style="text-align: justify; line-height: 150%; text-indent: 1cm; margin: 0cm 2.25pt 6pt 0cm;" class="MsoBodyTextIndent2" style="line-height: 150%; margin: 0cm 2.25pt 6pt 0cm; text-align: justify; text-indent: 1cm;"><span _mce_style="line-height: 150%; font-family: Garamond; font-size: 12pt;" style="font-family: Garamond; font-size: 12pt; line-height: 150%;">Mais ainda, o Projeto permite que a pesquisa em andamento seja exposta aos olhares de outros pesquisadores, sejam professores e profissionais mais experientes que incluem o orientador da dissertação ou da tese, sejam os colegas de mesmo nível, também capazes de contribuir significativamente para uma pesquisa que, sabe-se muito bem, nunca é um trabalho exclusivamente individual. O Projeto torna-se desta maneira um instrumento para o “diálogo científico e acadêmico” (6).</span></div><div _mce_style="text-align: justify; line-height: 150%; text-indent: 1cm; margin: 0cm 2.25pt 6pt 0cm;" class="MsoBodyTextIndent2" style="line-height: 150%; margin: 0cm 2.25pt 6pt 0cm; text-align: justify; text-indent: 1cm;"><span _mce_style="line-height: 150%; font-family: Garamond; font-size: 12pt;" style="font-family: Garamond; font-size: 12pt; line-height: 150%;">Alguns destes diálogos, em se tratando das pesquisas de Pós-Graduação, encontram precisamente o seu lugar nos momentos em que o pesquisador expõe o seu Projeto a professores e colegas nos vários seminários que habitualmente constituem parte dos itens curriculares de um curso de Mestrado ou de Doutorado. O próprio “Exame de Qualificação” é precisamente um momento maior nesta rede permanente de diálogos</span> <span _mce_style="line-height: 150%; font-family: Symbol; font-size: 12pt; mso-ascii-font-family: Garamond; mso-hansi-font-family: Garamond; mso-char-type: symbol; mso-symbol-font-family: Symbol;" style="font-family: Symbol; font-size: 12pt; line-height: 150%; mso-ascii-font-family: Garamond; mso-char-type: symbol; mso-hansi-font-family: Garamond; mso-symbol-font-family: Symbol;"><span _mce_style="mso-char-type: symbol; mso-symbol-font-family: Symbol;" style="mso-char-type: symbol; mso-symbol-font-family: Symbol;">¾</span></span> <span _mce_style="line-height: 150%; font-family: Garamond; font-size: 12pt;" style="font-family: Garamond; font-size: 12pt; line-height: 150%;">um momento algo ritualizado em que o pesquisador apresenta o seu trabalho a alguns professores para receber críticas e sugestões que o ajudarão a aperfeiçoar o seu trabalho e a encontrar novos caminhos.</span></div><div _mce_style="text-align: justify; line-height: 150%; text-indent: 1cm; margin: 0cm 2.25pt 6pt 0cm;" class="MsoBodyTextIndent2" style="line-height: 150%; margin: 0cm 2.25pt 6pt 0cm; text-align: justify; text-indent: 1cm;"><span _mce_style="line-height: 150%; font-family: Garamond; font-size: 12pt;" style="font-family: Garamond; font-size: 12pt; line-height: 150%;">O Projeto cumpre, desta forma, oferecer o “retrato de uma pesquisa em andamento” (7). Neste momento, em se tratando de uma pesquisa que visa a elaboração de uma Dissertação de Mestrado, é lícito chamar o projeto de “Projeto de Dissertação” (ao invés de “Projeto de Pesquisa”, expressão que implicaria em uma investigação que ainda está por se realizar ou que, no máximo, anunciaria procedimentos ainda exploratórios). No caso de um “Projeto de Dissertação”, que o estudante de mestrado apresenta já na metade do seu curso, a Pesquisa já deve se encontrar em estágio mais avançado e definido, e daí a pertinência desta mudança de designação.</span></div><div _mce_style="text-align: justify; line-height: 150%; text-indent: 1cm; margin: 0cm 2.25pt 6pt 0cm;" class="MsoBodyTextIndent2" style="line-height: 150%; margin: 0cm 2.25pt 6pt 0cm; text-align: justify; text-indent: 1cm;"><span _mce_style="line-height: 150%; font-family: Garamond; font-size: 12pt;" style="font-family: Garamond; font-size: 12pt; line-height: 150%;"><span _mce_style="line-height: 150%; font-family: Garamond; mso-bidi-font-size: 12.0pt;" style="font-family: Garamond; line-height: 150%; mso-bidi-font-size: 12.0pt;"><span style="font-size: small;">Neste caso particular, é também aconselhável acrescentar ao Projeto um “Plano de Capítulos”, onde devem estar sumariados, de maneira sintética e preliminar, os capítulos pretendidos para o texto final da Dissertação de Mestrado ou da Tese. Em tempo: este “plano de capítulos” é também provisório, sujeito a mudanças e redefinições, e as próprias sugestões recebidas pela banca examinadora podem contribuir para este redirecionamento que poderá conduzir a uma nova organização de capítulos</span></span>.</span></div><div _mce_style="text-align: justify; line-height: 150%; text-indent: 1cm; margin: 0cm 2.25pt 0pt 0cm;" class="MsoBodyTextIndent3" style="line-height: 150%; margin: 0cm 2.25pt 0pt 0cm; text-align: justify; text-indent: 1cm;"><span _mce_style="line-height: 150%; font-family: Garamond; mso-bidi-font-size: 12.0pt;" style="font-family: Garamond; line-height: 150%; mso-bidi-font-size: 12.0pt;"><span style="font-size: small;"></span></span></div><div _mce_style="text-align: justify; line-height: 150%; text-indent: 1cm; margin: 0cm 2.25pt 0pt 0cm;" class="MsoBodyTextIndent3" style="line-height: 150%; margin: 0cm 2.25pt 0pt 0cm; text-align: justify; text-indent: 1cm;"><br />
</div><div _mce_style="text-align: justify; line-height: 150%; text-indent: 1cm; margin: 0cm 2.25pt 0pt 0cm;" class="MsoBodyTextIndent3" style="line-height: 150%; margin: 0cm 2.25pt 0pt 0cm; text-align: justify; text-indent: 1cm;"><span _mce_style="line-height: 150%; font-family: Garamond; mso-bidi-font-size: 12.0pt;" style="font-family: Garamond; line-height: 150%; mso-bidi-font-size: 12.0pt;"><span style="font-size: small;">Leia a continuação deste artigo em: <a _mce_href="http://ning.it/dKbJeK" href="http://ning.it/dKbJeK">http://ning.it/dKbJeK</a></span></span></div><div _mce_style="text-align: justify; line-height: 150%; text-indent: 1cm; margin: 0cm 2.25pt 0pt 0cm;" class="MsoBodyTextIndent3" style="line-height: 150%; margin: 0cm 2.25pt 0pt 0cm; text-align: justify; text-indent: 1cm;"><br />
</div><div _mce_style="text-align: justify; line-height: 150%; text-indent: 1cm; margin: 0cm 2.25pt 0pt 0cm;" class="MsoBodyTextIndent3" style="line-height: 150%; margin: 0cm 2.25pt 0pt 0cm; text-align: justify; text-indent: 1cm;"><br />
</div><br />
[<span _mce_style="font-family: "Times New Roman"; font-size: 12pt; mso-fareast-font-family: 'Times New Roman'; mso-ansi-language: PT-BR; mso-fareast-language: PT-BR; mso-bidi-language: AR-SA;" style="font-family: "Times New Roman"; font-size: 12pt; mso-ansi-language: PT-BR; mso-bidi-language: AR-SA; mso-fareast-font-family: "Times New Roman"; mso-fareast-language: PT-BR;">BARROS,José D'Assunção. "O Projeto de Pesquisa - aspectos introdutórios” in <i _mce_style="mso-bidi-font-style: normal;" style="mso-bidi-font-style: normal;">Travessias –</i> Revista do Programa de Pós-Graduação em Letras da Universidade Estadual do Oeste do Paraná (UNIOESTE). vol.2, janeiro-julho de 2008, artigo.19]</span>.<br />
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<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;"><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEgsMJdVcYeDgtYhCriJMwYiAJipVNxKotn6IRgTabxSid6cNrhwQS5BVPhBnVyczezhxPlImIwQi1eT9-5_xg_soSo6GIQ08zmgWlTIAlfJl-xjdbSz2o4LWKcdQRPGUbS-_iHDrp-INT6L/s1600/O+Projeto+de+Pesquisa+em+Hist%25C3%25B3ria.+capa+frontal.jpg" imageanchor="1" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" h5="true" height="320" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEgsMJdVcYeDgtYhCriJMwYiAJipVNxKotn6IRgTabxSid6cNrhwQS5BVPhBnVyczezhxPlImIwQi1eT9-5_xg_soSo6GIQ08zmgWlTIAlfJl-xjdbSz2o4LWKcdQRPGUbS-_iHDrp-INT6L/s320/O+Projeto+de+Pesquisa+em+Hist%25C3%25B3ria.+capa+frontal.jpg" width="231" /></a></div><br />
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O artigo baseia-se no primeiro capítulo do livro 'O Projeto de Pesquisa em História', que foi editado pela Editora Vozes em 2005, e que está, em 2011, chegando à sua 7a edição. Quem estiver interessado em conhecer a obra, peça ao e-mail. <a _mce_href="mailto:jose.assun@globo.com" href="mailto:jose.assun@globo.com">jose.assun@globo.com</a>]<br />
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[BARROS, José D'Assunção. O Projeto de Pesquisa em História. Petrópolis: Editora Vozes, 2011, 7a edição]José D'Assunção Barroshttp://www.blogger.com/profile/14616369888767129715noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-4699005453965610630.post-82327574658520147012011-01-29T07:33:00.000-08:002011-01-29T07:34:20.153-08:00Fonte Histórica (6). Analisando Fontes DialógicasEntenderemos como ‘fontes dialógicas’ aquelas que envolvem, ou circunscrevem dentro de si, vozes sociais diversas. O dialogismo de uma fonte é ao mesmo tempo um limite e uma riqueza: o historiador deve aprender a lidar com isto. No limite, é claro, toda fonte – como todo texto – comporta uma margem de dialogismo, pois se acompanharmos as reflexões de Mikhail Bakhtin, em seu ensaio 'Estética e Criação Verbal', não há rigorosamente falando textos que não estejam mergulhados em uma rede de intertextualidades, isto é, em um diálogo com outros textos. O ato mesmo de analisar um texto, assevera-nos Eliseo Verón em seu livro A Produção do Sentido, já introduz algum tipo de dialogismo: pois não é possível analisar um texto em si mesmo, e mesmo que sem perceber o analista está comparando sempre o texto de sua análise com outro texto. Mas não é deste tipo de dialogismo que estaremos falando neste momento, e sim das fontes históricas que apresentam uma forma mais intensa de dialogismo em decorrência da própria maneira como estão estruturadas, ou em função dos próprios objetivos que as materializaram.<br />
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Fontes Dialógicas por excelência, entre várias outras, são os processos criminais e processos inquisitoriais – que envolvem depoimentos de réus, testemunhas e acusadores, mas também a figura destes mediadores que são os delegados de polícia e os inquisidores, e também os advogados para o caso dos processos jurídicos modernos. Também são fontes, além de dialógicas, “intensivas” – fontes que buscam apreender e dar a perceber muitos detalhes, particularmente os que passariam despercebidos ou aos quais em outra situação não se dá importância (lembremos os investigadores criminais vasculhando as latas de lixo). Também os processos apresentam um esforço de compreender a fala de um outro, de dar a compreender esta fala, embora também envolvam a manipulação da fala.<br />
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Para o Brasil do período colonial, constituem fontes dialógicas de grande porte os Livros de Devassas, produzidos pelas Visitações do Santo Ofício da Inquisição. Alguns historiadores brasileiros os utilizaram amplamente, tal como Laura de Melo e Souza, em sua investigação historiográfica intitulada 'O Diabo e a Terra de Santa Cruz' (1994). Tal como veremos oportunamente, fontes como estas – dada a sua intensividade, ou a sua capacidade de apreender e expor ao pesquisador um grande número de detalhes e de relações dialógicas inter-individuais em um contexto intensificado – proporcionam a rara possibilidade de se empreender um apurado rastreamento do cotidiano, do imaginário e dos ambientes de sociabilidade relativos. Da mais recôndita intimidade do lar e das secretas conversas das alcovas à exposição da agitada vida humana que transita nas ruas, a leitura de processos como estes pode ir aos poucos descortinando os ambientes de sociabilidade, e ir revelando não apenas a vida concreta e cotidiana – com seus modos de alimentação, indumentária, cultura material, hábitos e fórmulas de comunicação – mas também a vida imaginária e as formas de sensibilidade: os medos, crenças, esperanças, invejas, desalentos e desesperos.<br />
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O mesmo ocorre para os processos criminais do período moderno. Importante se ter em vista que, nestes casos, é de menor importância chegar a conclusões sobre as razões de um crime ou a culpabilidade do réu. A função do historiador não é a de desvendar crimes – tarefa do delegado de polícia – nem tampouco emitir julgamentos sobre o mesmo. Um processo, como uma devassa inquisitorial, permite rastrear a vida de testemunhas, vítimas e réus. Através do registro intensivo deste tipo de fontes, o historiador pode recuperar o dia-a-dia de anônimos do passado aos quais não teria acesso por outros meios. Em seu texto “O Dia da Caça”, um dos pioneiros do Brasil no que se refere a esta abordagem, o sociólogo José de Souza Martins se põe a acompanhar os passos do réu no seu dia-a-dia, seguindo ele mesmo os passos do delegado que tenta recuperar “o percurso trágico do criminoso, nos dias e horas que antecederam o crime” (MARTINS, 1992, p.301). De nossa parte, podemos acompanhá-lo, como leitores, na sua paciente montagem de um mapa que revela os vários trajetos diários do operário que é acusado do crime. É esta instigante interposição de mediadores – leitor, autor, delegado, depoentes, personagens da cena-crime – cada um seguindo os passos do outro em uma autêntica arqueologia de textos que se recobrem uns aos outros, o que traz a estas fontes uma espécie de ‘dialogismo transversal’. Mas é também na multiplicação das vozes no plano sincrônico – correspondente no contexto mais imediato do próprio crime à contraposição das vozes do réu, das testemunhas, das vítimas – que iremos encontrar o dialogismo final, constituinte da trama que corresponde à última camada arqueológica que o processo criminal nos oferece.<br />
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O dialogismo presente nas fontes processuais, as diferentes versões que através delas se conflituam, as visões de mundo que os atores sociais encaminham uns contra os outros, as redes de rivalidades e solidariedades que daí emergem, as identidades e preconceitos, é todo este vasto e dialógico universo – não apenas capaz de elucidar as relações inter-individuais, como também de esclarecer a respeito das relações de classe – o que se mostra como principal objeto de investigação para a análise micro-historiográfica que se torna possível a partir deste tipo de fontes .<br />
Além dos processos criminais, jurídicos e inquisitoriais, há vários outros tipos de fontes dialógicas. Existem inclusive as fontes de ‘dialogismo implícito’, aquelas que dão voz a indivíduos ou grupos sociais pelas suas margens, pelos seus contracantos, ou mesmo através dos seus silêncios e exclusões. Assim, por exemplo, o período do escravismo colonial no Brasil conhece a prática do estabelecimento de “irmandades” (de homens negros, pardos, brancos, escravos ou libertos, de portugueses ou brasileiros). Análogas às confrarias medievais no que se refere ao fato de que acomodavam dentro de si grupos de indivíduos em quadros auxiliares de sociabilidade e solidariedade, elas cortavam a sociedade a partir de um novo padrão. O que nos interessa para falar do dialogismo implícito são as suas cartas de compromisso, as suas atas, os documentos que revelam seus procedimentos de inclusão e de exclusão. No interior da população africana ou afro-descendente que havia sido escravizada, elas deixam entrever os diversos grupos identitários que se escondem sob o rótulo do “negro”.<br />
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João José Reis, que as estudou em detalhe, observa o estabelecimento de uma discreta arena de disputas inter-étnicas na Irmandade do Rosário dos Pretos da Igreja da Conceição da Praia, na Bahia de 1686. Dela participavam irmãos e irmãs angolanos e crioulos (negros nascidos no Brasil) na época de seu primeiro compromisso. “Embora sem explicitar isto, previa-se a entrada de gente de outras origens, inclusive os brancos e mulatos, mas só crioulos e angolas eram elegíveis, em números iguais, a cargos de direção” (REIS, 1996, p.14). Já na Irmandade do Rosário da Rua de João Pereira, a associação se estabelecia entre benguelas e jejes. O que nos revelam estas fontes em termos de vozes sociais? Através delas, dos seus termos de compromisso e documentação corrente, os grupos sociais e as identidades são postas a falar, mesmo as que são silenciadas através da exclusão. O poder é partilhado por grupos específicos dentro da escravaria mais ampla. Algumas outras identidades são aceitas, mas em um segundo plano; outras são excluídas. As redes de solidariedade e as rivalidades terminam por falar. Mesmo quando silenciados através da exclusão, alguns grupos deixam soar a sua voz, nem que seja para dar a entender que são odiados, temidos, desprezados, ou que, de sua parte, também odeiam e desprezam. O grupo social aparentemente unificado pela cor, como queria o branco colonizador, revela através do dialogismo implícito a sua pluralidade de vozes internas.<br />
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Vamos nos referir em seguida à fontes de ‘dialogismo explícito’, como é o caso daquelas fontes nas quais um determinado agente ocupou-se de pôr por escrito as falas de outros. Elas são dialógicas não apenas porque são várias estas “falas de outros”, mas também porque o mediador, o compilador da fonte ou o agente discursivo que elabora um texto sobre o texto, representa ele mesmo também uma voz (quando não um complexo de várias vozes, já que através do mediador pode estar falando também uma instituição, uma prática estabelecida, uma comunidade profissional, para além de sua própria fala pessoal). Com base nestes aspectos, podemos definir as fontes relativas ao “dialogismo explícito” como aquelas que são atravessadas de maneira mais contundente por um mediador que tem a consciência de estar situado diante de uma alteridade, diante da necessidade de uma mediação, de uma ‘tradução do outro’ que precisará ser feita em si mesmo e depois, possivelmente, oferecida a novos leitores.<br />
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Os relatos de viagem, por exemplo, comportam a sua margem de dialogismo. Pensemos naqueles viajantes europeus que estiveram percorrendo a África, a América do Sul e particularmente o Brasil – pois essa era uma nova moda romântica bastante em voga no século XIX. Estes viajantes entram em contato com culturas que lhes são totalmente estranhas, e fazem um esforço sincero de transmitir a um leitor – que eles idealizam sentado confortavelmente em uma residência européia – as estranhezas que presenciaram, as bravatas e desafios que tiveram de enfrentar por serem europeus aventureiros em terras tropicais e selvagens, ou em cidades rústicas, habitadas por novos tipos sociais tão desconhecidos deles como de seus leitores. Marco Pólo, no seu Livro das Maravilhas, escrito no século XIII, já trazia à literatura o seu próprio relato de viagens, nos quais descortinava aos seus leitores europeus um mundo completamente distinto de tudo o que eles até então haviam visto. A China e outras terras do oriente surge nos seus relatos com toda a sua imponência dialógica, beneficiando os europeus de sua época de um choque de alteridade que mais tarde lhes seria muito útil, quando precisaram submeter as populações incas, maias e astecas nas Américas do século XVI.<br />
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Exemplos particularmente interessantes de fontes dialógicas, de que não trataremos neste momento, são as organizações mediadas de “falas dos vencidos”. É o caso dos depoimentos de astecas que sofreram impactos da Conquista da América, no século XVI, e que foram elaborados pelos próprios astecas sob a orientação do padre jesuíta Sahagún. Estas fontes, habitualmente conhecidas como “os informantes de Sahagún’, pretendem dar voz aos astecas que foram vencidos e massacrados pelos conquistadores espanhóis liderados por Hernán Cortez, no século XVI. Ao serem elaboradas tanto no idioma nativo como em espanhol, estas fontes não apenas procuram dar voz a uma cultura, mas também superpõem-lhe um outro texto, uma outra cultura e uma outra visão de mundo: a do padre jesuíta que, por mais bem intencionado que estivesse em dar voz aos vencidos, não tem como extrair-se, a si mesmo, do discurso dos astecas a cujas falas ele traz uma organização.<br />
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Antes de prosseguirmos, podemos nos perguntar: o que se precisa ou pode-se aprender com estes tipos de fontes que são as ‘fontes dialógicas’. Diremos inicialmente que aqui será necessário um novo talento: o “talento arqueológico”. Não nos referimos porém à capacidade de lidar com as diferentes camadas de terra, mas a algo ainda mais sutil: a habilidade de decifrar diferentes camadas de filtragens. O talento de perceber uma coisa a partir da outra é desde já, de alguma maneira, uma habilidade polifônica (a mesma que se torna necessária ao ouvinte de música que se põe a escutar composições musicais constituídas por várias vozes que avançam paralelamente, uma por sobre a outra, como nas composições de Johan Sebastian Bach).<br />
As fontes produzidas por missionários, como o padre jesuíta Sahagún, sempre colocam em pauta o dialogismo, e este também será o caso das fontes que foram trabalhadas pelo etno-historiador Richard Price em seu livro Alabi’s World (1990), um texto que recebeu de Eric Hobsbawm alguns interessantes comentários críticos sobre o uso de fontes históricas – particularmente sobre as fontes dialógicas – no texto intitulado “Pós-Modernismo na Floresta”. Vale a pena refletir sobre este texto, e também sobre os comentários de Hobsbawm, pois ele nos servirão como ponto de partida para elucidar alguns cuidados e potencialidades metodológicas envolvidos no trabalho com as fontes dialógicas.<br />
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O estudo de Richard Price no ensaio em questão dirige-se às sociedades saramakas, que foram constituídas no Suriname nos séculos XVIII e XIX a partir de quilombolas que conseguiram se apartar do Sistema Escravista e construir uma sociedade em novas bases no interior daquela região sul-americana. Os suramakas, os “negros da mata” do Suriname, não eram cristãos na sua maioria; mas com eles tiveram de interagir os missionários Morávios, nas suas tentativas de evangelização. Estes últimos produziram extensa documentação a respeito da sociedade saramaka da qual se utilizou Richard Price, com vistas à elaboração de sua pesquisa e análise. Dois problemas surgem, e aqui o tomaremos como exemplificação acerca de problemas a serem enfrentados pelos historiadores de hoje no trato com as suas fontes. Os irmãos morávios, conservadores e ultra-religiosos, deixam inevitavelmente transparecer nas fontes o seu fracasso em compreender aquela estranha sociedade saramaka que pretendiam catequizar. Eles enxergam o mundo saramaka a partir do seu próprio filtro, da sua própria visão de mundo, e, ainda que sinceros no seu esforço de compreender a alteridade com a qual se defrontam, enfrentam a óbvia dificuldade de estarem presos a horizontes mentais que não lhes permitem compreender adequadamente certos aspectos da sociedade saramaka.<br />
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Por outro lado, um outro filtro deve ser enfrentado pelo historiador que hoje toma as correspondências dos missionários morávios como fontes para compreender as sociedades saramakas do Suriname da segunda metade do século XVIII. Tal como Hobsbawm assinala, e colocaremos suas palavras entre aspas, para os pesquisadores modernos “a visão de mundo de fanáticos carolas como os morávios, com seu culto sensual e quase erótico das chagas de Cristo, é certamente menos compreensível que a visão de mundo dos ex-escravos” (HOBSBAWM, 1990, p.47-48). Desta maneira, e apenas destacamos esta obra a título de exemplificação, o problema historiográfico de análise das fontes assim se coloca em um dos aspectos para o qual mais devem estar atentos os historiadores de hoje: lidar com uma Fonte (ou constituí-la) implica em lidar com filtros, com mediações, inclusive as que fazem parte da própria subjetividade e condições culturais do pesquisador que examina o outro, a partir do outro.<br />
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Considerações análogas são desenvolvidas por Carlo Ginzburg em seu famoso texto “O Historiador como Antropólogo”, escrito em 1989. Toma-se como ponto de partida o mesmo problema metodológico enfrentado por Richard Price na obra citada anteriormente: trata-se de dar um uso historiográfico a registros escritos de produções orais – no caso específico de Carlo Ginzburg, as fontes inquisitoriais do início da Idade Moderna. As fontes inquisitoriais – que nos trabalhos de Ginzburg adquirem um novo sentido ao se ultrapassar o antigo enfoque nas “perseguições” em favor do enfoque no discurso – apresentam precisamente a especificidade de serem mediadas pelos “inquisidores”. Ou seja, para se chegar ao mundo dos acusados, é preciso atravessar esse filtro que é ponto de vista do inquisidor do século XVI; é necessário empreender o esforço de compreender um mundo através de outro, de modo que temos aqui três pólos dialógicos a serem considerados: o historiador, o “inquisidor-antropólogo”, o réu acusado de práticas de feitiçaria.<br />
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O limite da fonte – o desafio a ser enfrentado – é o fato de que o historiador deverá lidar com a “contaminação de estereótipos”. Mas uma riqueza da mesma documentação é a forma de registro intensivo que é trazida pelas fontes inquisitoriais – uma documentação atenta aos detalhes, às margens do discurso, e fundada sobre um olhar microscópico – isto, para além do forte dialogismo presente, seja de forma explícita ou implícita. Quanto à estratégia metodológica que aproxima inquisidores do século XVI e antropólogos modernos, a que dá o título ao artigo, é exatamente a de traduzir uma cultura diferente por um código mais claro ou familiar (GINZBURG, 1994, p.212).<br />
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O que nos ensina Ginzburg com o seu trabalho historiográfico sobre estas fontes, e com suas reflexões teóricas sobre as mesmas? Antes do mais, fica claro que o historiador deve formular indagações sobre os seus mediadores, para compreender tanto os seus “filtros” como para fazer a crítica de autenticidade e veracidade relacionada à sua mediação dos depoimentos dos réus. Fica claro para o autor, e esta é já uma resposta à indagação inicial, que existe no inquisidor uma vontade real de compreender, o que o leva a inquirir o detalhe e a dar efetiva voz ao acusado. Ao mesmo tempo, a este inquisidor – em que pese o seu desejo de apreender o ponto de vista do réu – nada resta senão tentar entender os depoimentos ou a cultura investigada adaptando-os às suas próprias chaves e estereótipos. A fonte inquisitorial, por estes dois fatores, torna-se intensamente dialógica (isto é: ela envolve o diálogo entre muitas vozes sociais).<br />
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O texto “O Inquisidor como Antropólogo” (1989) inicia-se com um pequeno balanço de Carlo Ginzburg sobre a apropriação historiográfica das fontes da Inquisição. Um historiador, ao aproximar-se de suas fontes, não se obriga necessariamente a historiar o uso historiográfico que até aquele momento foi feito de suas fontes, mas em todo o caso esta poderia ser uma boa recomendação metodológica. Estender um olhar sobre a historiografia que precede o próprio historiador com relação ao seu tema e ao uso historiográfico de suas fontes, permite que o historiador aprofunde a consciência histórica sobre si mesmo: saber em que ponto situa-se o seu trabalho, ao lado e contra que campos de possibilidades, diante de que redes intertextuais e inter-historiográficas. Os modos como pretende se aproximar de suas fontes repete experiências anteriores, aprimora-as, inverte-as, recusa-as em favor de novas direções?<br />
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O Quadro 3 propõe-se a sugerir um roteiro para o tratamento de fontes dialógicas. Os itens indicados não necessariamente precisam ser percorridos como etapas, e não apresentam uma ordem fixa; alguns são mesmo opcionais. O primeiro item que comentaremos é um destes que apresentamos como alternativo, mas de todo modo o deixaremos como sugestão. Trata-se de traçar, tão dedicadamente quanto possível, um pequeno histórico do tratamento historiográfico até então dispensado às fontes que agora tomamos como nosso corpus documental. As perguntas colocadas acima, em nosso entender, trazem maior consciência historiográfica sobre o tema. Ela são colocadas para a historiografia, e não para as próprias fontes ou para a realidade vivida a que se referem as fontes – o que será feito em outros itens.<br />
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Vamos retomar um pouco o texto de Ginzburg, no sentido de aprender um pouco com este micro-historiador italiano. Ele nos conta logo no início do artigo que é (surpreendentemente) tardia a descoberta dos arquivos da Inquisição para finalidades historiográficas (1994, p.203). Os primeiros historiadores da Inquisição se aproximaram da temática da Inquisição de uma perspectiva da ‘história da repressão inquisitorial’; e foi sob a limitação imposta por este horizonte de expectativas que buscaram apreender as fontes que poderiam ser constituídas pelos processos da Inquisição – dezenas de milhares na Itália, e cerca de dois mil processos de julgamentos inquisitoriais só no Friuli, que foi o universo investigado por Ginzburg. Eram de um lado historiadores protestantes de período posterior, que desejavam iluminar o heroísmo de seus antecessores frente à perseguição católica; ou que estavam interessados em revelar traços da crueldade dos repressores que pertenciam à tradição adversária. De outro lado, os historiadores que assumiam a perspectiva de uma História da Igreja Católica eram compreensivamente relutantes em se aproximar historiograficamente daqueles processos, tanto porque lhes era algo penoso descortinar o papel de seus irmãos de fé como torturadores, ainda que de hereges, como porque tendiam ou pretendiam “minimizar o Impacto da Reforma”, para aqui retomar uma observação do próprio Carlo Ginzburg (1994, p.204). Por fim, os historiadores liberais, que não se posicionavam religiosamente ou eclesiasticamente, também não se interessavam pelos processos de inquisição. Ginzburg nos explica por que:<br />
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“Sempre se considerou que as provas de bruxaria, fornecidas pelos julgamentos, eram um misto de extravagâncias teológicas e superstições populares. Estas eram, por definição, irrelevantes; aquelas podiam ser mais facilmente encaradas nos tratados demonológicos. Para os estudiosos que pensavam que o único tema histórico ‘válido’ era a perseguição, e não o seu objeto, percorrer as longas e muito provavelmente repetitivas confissões dos homens e das mulheres acusados de feitiçaria era, de fato, uma tarefa fastidiosa e inútil” (GINZBURG, 1994, p.204)<br />
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Ginzburg coloca com particular clareza o problema, neste pequeno balanço inicial da ‘história da apropriação historiográfica das fontes inquisitoriais’. Esta história – paralela a história de como a bruxaria “passou da periferia para o centro das questões históricas ‘válidas’” (GINZBURG, 1994, p.205) – mostra-nos nos seus primeiros momentos um interesse meramente eclesiástico (a favor ou contra a Reforma). Trata-se de uma apropriação historiográfica das fontes que é realizada ainda da perspectiva de uma história eclesial – de uma História da Igreja, examinada por um lado ou pelo outro – e não ainda da perspectiva de uma história religiosa, de uma história da religiosidade, e muito menos de uma ‘história do discurso religioso’, para não falar das possibilidades de uma ‘história cultural’ que toma estas fontes inquisitoriais como um caminho interessante para indagar sobre muitas outras coisas para além da religião ou das práticas religiosas em si mesmas.<br />
O que nos mostra Ginzburg no seu balanço é que uma nova pergunta ou uma nova ênfase podem abrir significativos e inusitados caminhos para a exploração de novas potencialidades em uma Fonte ou tipo de fonte. Na história da apropriação historiográfica das fontes inquisitoriais, a estagnação ou o desinteresse dos primeiros tempos só puderam ser efetivamente superados com o deslocamento do enfoque na ‘perseguição eclesiástica’ para o enfoque no discurso, no cotidiano, nas práticas culturais, bem como nos novos agentes históricos (os que entretecem uma história vista de baixo) – enfim, toda uma série de novas perspectivas que motivava a fazer com que o olhar historiográfico fosse deslocado da perseguição para o depoimento dos acusados. Nesta virada para um novo enfoque se insere o seu próprio trabalho.<br />
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Um balanço como o realizado acima – que de resto recomendamos como procedimento útil para o trabalho com qualquer tipo de fonte historiográfica, e não apenas para as dialógicas – permite que um historiador adentre o seu tema em maior nível de consciência historiográfica. Por vezes uma leitura como esta sobre a produção historiográfica anterior voltada para o tema, ou em torno das fontes escolhidas, permite que se tenha uma maior clareza sobre o que se ganha e o que se perde com a adoção de uma ou outra perspectiva. Colocar-se diante (e dentro) da história de uma produção historiográfica ajuda a escolher o caminho adequado, com plenos benefícios para a pesquisa. Por isto indicamos este procedimento como um item alternativo, mas a nosso ver importante.<br />
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O segundo item recomendado em nosso roteiro, no topo do hemisfério superior do esquema proposto, e que na verdade é o ponto de partida dos itens obrigatórios, corresponde à ‘descrição das fontes’. Sua forma textual, seu suporte material, o idioma, o tipo de vocabulário, o padrão de conteúdo, trata-se aqui de se aproximar de uma compreensão o mais abrangente e complexa quanto possível das próprias fontes, o que de resto prosseguirá nos itens seguintes. Se tratamos com processos inquisitoriais do século XVI, teremos que nos familiarizar com a estrutura do processo inquisitorial, compreender seu dialogismo, sua dinâmica interna, os tipos obrigatórios que o articulam (acusadores, investigadores, réus, testemunhas), e ainda as práticas que o estabelecem (investigação, inquérito, eventualmente a tortura). Se utilizamos como fontes historiográficas os relatos de viagem, será preciso compreender o que são os ‘relatos de viagem’ como gênero literário realista, e também compreender especificamente estes relatos de viagem específicos que tomamos para nossas fontes. Quem é o emissor desta fonte, e de outros tipos de fontes? Genericamente, quem é o ‘viajante’, e especificamente quem é este viajante? A que público se destina um relato como este? A que práticas culturais este gênero de texto atende? Se é um processo – embora isto seja óbvio – que finalidade ele cumpre?<br />
Questões como as envolvidas na ‘descrição das fontes’, remetem ao que já discutimos sobre a necessidade ou possibilidade de alguns textos serem examinados como “processos comunicativos”, o que envolve as figuras do emissor e do receptor, a existência de uma mensagem, os objetivos desta (comover, divertir, manipular, seduzir, persuadir, impor, esclarecer, mover, paralisar). Em se tratando de processos criminais ou inquisitoriais, documentação complexa que se articula em diversos tipos de texto e em diversos níveis, não se trata de compreender as instâncias de um processo comunicativo, mas sim compreender o papel de cada um dos seus agentes discursivos, e de perceber não propriamente uma mensagem, mas uma finalidade do processo como um todo pra depois, talvez por dentro, retornarmos as mensagens através dos depoimentos que instauram discursos específicos.<br />
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O terceiro item recomendado em nosso roteiro, logo em seguida a este, refere-se ao ‘contexto das fontes’. Para o caso das fontes de Richard Price sobre os saramakas, seria o caso de dar a si mesmo as adequadas possibilidades de entender as ‘condições de produção’ daquelas correspondências pessoais dos missionários morávios que foram tomadas pelo historiador americano como documentação central em seu trabalho. Se possível, é interessante levantar não apenas o contexto mais imediato das fontes, mas também a sua história como fonte: o contexto que as precede (uma prática dos missionários morávios de registrar relatos e se comunicar com suas bases através de correspondências deste tipo) e também a história posterior: como estas fontes chegaram até nós, que caminhos percorreram até encontrarem seu pouso mais estável em algum arquivo? Para o caso dos “Informantes do Sahagún”, seria o caso de nos aproximarmos da história de uma prática jesuítica, de verificar casos que precederam a experiência do jesuíta Sahagún junto aos astecas submetidos pelos conquistadores espanhóis. Se isto for possível, claro. Depois, verificar como estas fontes chegam até nós, historiadores atuais.<br />
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Há ainda o ‘contexto’ não da produção da fonte, mas dos fatos ou processos a que ela remete ou se refere. Se trata-se de um processo, teremos de esclarecer os aspectos que envolvem o crime ou a acusação de heresia: especificamente este crime ou esta acusação de heresia com a qual estamos lidando. Quem são os personagens envolvidos na trama? Que posição ocupam, uns em relação aos outros? Que relações de solidariedade e rivalidade emergem destas relações? Algumas destas perguntas serão preenchidas aos poucos, no decorrer da investigação historiográfica e da análise das fontes, mas apenas as situamos aqui como possibilidades para a constituição do contexto. Mais ainda, e mais importante, qual será o grande contexto? O que embasa esta sociedade e o que define os seus grandes horizontes, dos quais nenhum dos atores envolvidos pode escapar, por serem estes os horizontes intransponíveis de sua sociedade e de sua época? Começamos a lançar aqui as bases para entretecer uma história. Se há vários personagens envolvidos, talvez seja mesmo útil construir o contexto de cada um deles, se não aqui, ao menos no momento da investigação em que isto de fizer necessário.<br />
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De igual maneira, quando o que investigamos são as práticas ou as repercussões de uma prática, é preciso delinear também o contexto desta prática específica, e não apenas o dos atores sociais que estão com ela envolvidos, ou o contexto dos acontecimentos que tomaram forma através destas relações. A própria prática herdada de outras culturas, quando deslocada para uma nova sociedade, torna-se uma outra coisa, e precisa ser recontextualizada. Pensemos nas heranças medievais e modernas de práticas pagãs, nas sobrevivências das práticas mágicas e da alquimia no século XVIII. Ser um alquimista na era de Newton (e o próprio Newton tinha o seu lado alquimista), é algo bem distinto de ser um alquimista nos tempos medievais de Nicolas Flamel (1330-1418). Uma prática deslocada precisa ser recontextualizada, reinserida em seu “contexto total”.<br />
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A construção do “Contexto”, e eventualmente o que poderá ser entendido como uma “Recontextualização”, constitui uma etapa extremamente importante para qualquer tipo de fontes (e não apenas para as dialógicas). Em um artigo que será comentado mais adiante, Edward Palmer Thompson (1924-1993) chama enfaticamente atenção para a necessidade de reinserir as evidências, os discursos, as práticas ou os processos examinados em seu “contexto total”. Seu mote para a discussão desta questão, do qual mais adiante nos aproximaremos em maior nível de profundidade, é a crítica da sempre incorreta análise descontextualizada dos folcloristas que examinam rituais e práticas culturais como meras permanências de tradições anteriores, e a necessidade que deve ser perseguida pelos historiadores culturais de compreender estes mesmos rituais e práticas à luz das novas funções e usos correntes que estas práticas assumem em outras sociedades (THOMPSON, 2001, p.231). Um antigo ritual pagão deslocado para uma sociedade cristã industrial e para um ambiente urbano é já uma outra coisa, que não mais o que era nos seus tempos romanos. Com relação a esta preocupação historiográfica fundamental a que chamaremos de “recontextualização”, mais do que de uma “contextualização” – pois neste caso específico tratam-se de práticas que foram produzidas em uma configuração social mas deslocadas para outra – poderemos tomar emprestadas as irretocáveis palavras de Edward Thompson:<br />
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“O significado de um ritual só pode ser interpretado quando as fontes (algumas delas coletadas por folcloristas) deixam de ser olhadas como fragmento folclórico,uma ‘sobrevivência’, e são reinseridas no seu contexto total” (THOMPSON, 2001, p.238)<br />
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Retomado o nosso esquema de crítica documental, os próximos procedimentos referem-se já especificamente às fontes dialógicas. Enquanto os quatro procedimentos até aqui propostos referem-se a todos os tipos de fontes (e não apenas às narrativas, como também às seriais e informativas) – isto no sentido de que para toda fonte será útil recuperar a rede historiográfica que já a abordou, empreender a sua descrição tão complexa quanto possível, e adentrar os contextos tanto da própria produção da fonte como do processo a que ela se refere – já os procedimentos seguintes são especificamente voltados para o trabalho sobre as fontes dialógicas.<br />
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O quinto empreendimento que indicamos, refere-se à identificação e descrição da ‘polifonia interna das fontes’. Trata-se de identificar as várias vozes que compõem esta trama polifônica, situá-las em seus níveis arqueológicos (para utilizar a metáfora de Michel Foucault). Trata-se de compreender cada uma delas em um nível que se aproxima ou se afasta mais do historiador, perceber as mediações que lhes são interpostas. Trata-se ainda de entrever os seus diálogos, perceber como se situam umas em relação às outras não apenas nos termos da espacialidade arqueológica do discurso (os níveis de mediação), mas também como as diversas vozes interagem na polifonia textual. Lembraremos aqui o que é uma “polifonia” na teoria musical, campo do qual tomamos emprestada esta metáfora. A Polifonia é a modalidade de música, o método de apresentação musical, no qual diversas vozes soam juntas, sem que uma tenha precedência sobre as demais. Exemplos conhecidos são as fugas ou os corais de Johan Sebastian Bach e outros compositores barrocos e renascentistas, em cuja música há baixos, tenores, sopranos e contraltos, ou ainda nas composições em que diversificados instrumentos entoam melodias distintas. Uma fonte histórica ‘polifônica’ será aquela na qual se expressam efetivamente diversas vozes – por vezes explicitamente, através de um espaço que lhes é concedido para a fala; por vezes implicitamente, através do discurso de um outro que mesmo sem querer termina por permitir que outras vozes falem no interior de seu discurso. Trata-se de uma situação análoga à da jovem adolescente que vai ao psicanalista e na sua fala deixa escapar, diretamente ou através de atos falhos, a voz do pai, do irmão, da mãe, do namorado que a traiu, do professor por quem nutre paixões secretas.<br />
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Perceber polifonias no discurso requer sensibilidade, mais ainda do historiador, já que ele lida com planos polifônicos envolvendo várias épocas. Entre as várias vozes com as quais irá lidar está a sua mesma. É preciso não deixar que esta sufoque as vozes históricas sobre as quais tem a responsabilidade de trazer à vida, de recuperar a dimensão exata da sua música. É preciso evitar que a sua voz, com sua especificidade e seus limites, contamine as demais. Isso seria o “anacronismo” – o pecado máximo do historiador, segundo Lucien Febvre –, que corresponde a deixar inadvertidamente que a melodia específica da temporalidade presente tome o lugar das demais com seus ritmos e soluções melódicas específicas. Temos aqui a historiadora feminista que enxerga em Safo reivindicações que são apenas suas, ou o historiador revolucionário que quer enxergar em John Ball, ou ainda o historiador protestante que convoca para a sua causa reformista todos os hereges queimados pela Inquisição. Mas a voz do historiador existe; é preciso lidar com ela, deixar que também se expresse, para que não se caia na ilusão positivista que deslocava a melodia do historiador para a austera posição de um maestro protegido pela neutralidade científica.<br />
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Recomenda-se refletir, para as fontes dialógicas, sobre as várias vozes que adquirem vida através da investigação. Depois, agrupá-las segundo as afinidades, consoante critérios que só poderão ser definidos pelo problema histórico que está orientando a pesquisa e a reflexão historiográfica. Poderemos agrupar as vozes por classes sociais, mas também por relações de solidariedade, rivalidade ou preconceito em relação ao acusado que se senta no banco dos réus. Poderemos partilhá-los por gerações ou por gêneros, se o problema da pesquisa apontar para uma coisa ou outra. Poderemos criar critérios que combinem o gênero e as categorias profissionais, de modo a distinguir as mulheres operárias das que trabalham no comércio a varejo. Poderemos até mesmo criar um recurso para clarear o timbre de cada uma das vozes envolvidas, como fez Richard Price ao escolher um padrão tipográfico para cada um dos atores sociais que é posto a falar em seu livro Alibi’s Word (1990).<br />
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Uma tarefa mais difícil do historiador dialógico é a busca de dialogismos implícitos (item 6). Pela sua própria estrutura, um texto pode registrar explicitamente a voz do outro, como é o caso dos processos criminais e inquisitoriais. O padrão de pergunta e resposta não deixa dúvidas com relação à estrutura dialógica de uma situação, embora também tenhamos os clássicos exemplos dos Diálogos de Platão, mais monólogos disfarçados em estrutura dialógica do que qualquer outra coisa. Exceção feita ao Banquete – obra dialógica por excelência – a maior parte dos diálogos platônicos apenas forja uma estrutura de oposição interativa. Isto também podia ocorrer, é preciso ressalvar, mesmo no dialogismo inquisitorial, nas ocasiões em que “as respostas dos réus não eram mais do que o eco das perguntas dos inquisidores ‘ (GINZBURG, 1994, p.208). Tanto a percepção do “monódico” que se esconde sob a aparência polifônica (ou do monólogo que se esconde na estrutura de diálogo), como a percepção do ‘dialogismo implícito’ (item 7), eis aqui algo que requer um nível maior de sensibilidade do historiador. Com relação a este último aspecto, Ginzburg cita (dialogicamente) um texto de Roman Jakobson (1896-1982), o grande lingüista russo que foi pioneiro da análise estrutural da linguagem. Jakobson antecipa Bakhtin na sua percepção radical do dialogismo humano, e nos diz que “o discurso interior é na sua essência um diálogo, e todo discurso indireto é uma apropriação e uma remodelação por parte daquele que cita, quer se trate da citação de um alter ou de uma fase anterior do ego” (JAKOBSON, 1964, p.273). O dialogismo, enfim, pode se esconder mesmo no interior do discurso do “Eu”.<br />
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Ao sexto item de nosso quadro dialógico chamaremos de ‘crítica de veracidade dos mediadores’. Para entender este item, retornaremos agora ao texto “O Inquisidor como Antropólogo”, de Carlo Ginzburg (1989), no sentido de avançar na compreensão de certos aspectos relativos às fontes dialógicas e extrair mais sugestões de procedimentos a serem incorporadas ao nosso roteiro.<br />
Quando lidamos com fontes dialógicas, e particularmente com fontes processuais, devemos tentar entender em um primeiro momento o nosso “filtro”, os mediadores que se interpõem entre nós e os acusados, testemunhas, e outros agentes emissores dos discursos que nos interessam em última instância (isto, é claro, quando não estamos diretamente interessados no discurso destes mediadores: compreender o discurso emitido pelo próprio juiz, inquisidor ou delegado que conduz a investigação criminal).<br />
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Admitindo que nosso objetivo é atingir a outra camada arqueológica – a dos acusados da Inquisição, a dos astecas resgatados pelo padre Sahagún, a dos saramakas catequizados pelos missionários morávios, a dos chineses relatados por Marco Pólo, a dos nativos retratados por Debret – teremos que passar obrigatoriamente pela camada mais próxima. Estes mediadores é que nos entregam os discursos dos outros, dos vários atores cujas falas constituirão a base de nosso trabalho. É preciso indagar, antes de mais nada, pelo seu interesse – destes mediadores – em relatar com veracidade o que viram, em registrar com maior ou menor rigor os depoimentos que recolheram, em dar voz aos seus protegidos, aos seus reprimidos, aos seus vencidos. Mais do que isto, será preciso indagar não apenas se eles possuem interesse em agir no plano da veracidade, mas também se eles são capazes de agir neste plano, se estão dotados para tal da necessária “utensilhagem mental”, para retomar aqui a antiga expressão de Lucien Febvre.<br />
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Vimos no exemplo de Richard Price, ao menos se levarmos em consideração as críticas que Eric Hobsbawm dirige ao seu trabalho, que os missionários morávios não estavam em grandes condições de compreender o estranho mundo dos saramakas. Compreender a capacidade do ‘mediador’ em se aproximar compreensivamente ou não de uma cultura ou prática cultural que lhe é estranha, ou ao menos lançar uma indagação sobre os níveis possíveis ou os limites desta compreensão, é fundamental para não naufragarmos em nossa viagem de exploração. Como vimos nos comentários de Hobsbawm sobre o ensaio de Price, trata-se de uma dupla compreensão: é preciso que nós compreendamos os nossos mediadores, e que em seguida compreendamos a compreensão que lhes foi possível sobre os seus inquiridos, os seus nativos protegidos, os seus saramakas, os seus “outros” de vários tipos. Sobre seus próprios mediadores – os inquisidores do século XVI – Ginzburg tem algo a dizer:<br />
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“Foi a ânsia de verdade por parte do inquisidor (a sua verdade, claro) que permitiu que chegasse até nós essa documentação, extraordinariamente rica, embora profundamente deturpada pela pressão psicológica e física a que os acusados estavam sujeitos. Há, nas perguntas dos juízes, alusões mais que evidentes ao sabat das bruxas – que era, segundo os demonologistas, o verdadeiro cerne da feitiçaria: quando assim acontecia, os réus repetiam mais ou menos espontaneamente os estereótipos inquisitoriais então divulgados na Europa pela boca dos pregadores, teólogos, juristas, etc” (GINZBURG, 1994, p.206).<br />
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Ginzburg expõe alguns problemas nesta interessante passagem. Fala-nos por exemplo da “contaminação”. Ainda que reconheça a ‘veracidade’ (ou a intenção de veracidade) dos seus mediadores – aspectos que já comentaremos – observa um limite a ser considerado pelo analista historiador. As perguntas por vezes, já comportam respostas, ou se abrem a certos padrões de respostas e não a outros. Um certo vocabulário que se utiliza na pergunta, já pode contaminar de alguma maneira a resposta; um certo imaginário pode passar daquele que indaga àquele que responde. Este aspecto é um limite, mas também é uma riqueza. O próprio inquisidor que indaga, talvez ele mesmo já tenha sido contaminado pelos demonologistas, teólogos e pregadores de sua época. Mesmo que não fosse, ainda assim o próprio réu pode já ter sentado no banco da inquisição com conhecimento de certas imagens que fazem parte do outro campo cultural. Quando se estabelece o espaço da não-comunicação, quando ele se vê incapaz de transmitir uma imagem ou sensibilidade que é só sua, e que não existe no sistema cultural ou vocabular dos seus inquisidores, tentará romper o espaço de não-comunicação – que de todo modo é extremamente perigoso para quem está sob a ameaça de tortura – e talvez tente encontrar junto aos seus inquiridores uma linguagem ou repertório de sensibilidades em comum, algo que percebeu no seu horizonte de expectativas ou, de modo diverso, algo que escutou no mundo externo, e que supõe ser compreensível ao inquisidor. No caso do réu, por vezes ele quer escapar dali, nem que seja para a fogueira. Seu desejo é restabelecer um espaço de comunicação. O silêncio é perigoso, e pode ser mesmo doloroso.<br />
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Não é apenas sob pressão que a contaminação ocorre. Quantas concessões culturais tiveram de ser feitas pelos astecas a quem o padre jesuíta Sahagún pretendeu dar alguma voz, quando percebiam que seu protetor não conseguia penetrar no seu mundo? As palavras também são mediadores, como as imagens. Quantas aproximações deverão ter experimentado para estabelecer uma ligação entre dois mundos tão distintos como o dos europeus e o dos astecas no século XVI. Alguns destes tateamentos para preencher um espaço de não-comunicação, com vistas a restabelecer a comunicação solidária entre o jesuíta e os nativos oprimidos, devem certamente ter ficado registrados nos depoimentos que hoje constituem a chamada documentação do “Informantes de Sahagún”. Quantas manobras discursivas, torcendo e retorcendo padrões de sensibilidade, não terão sido feitas pelos quilombolas saramakas aos missionários morávios que tentavam catequizá-los, mas que se mostravam tão ineptos para a função de mediação que neles deveria ser perseguida como a principal virtude, se queriam mesmo trazer os saramakas para o seu mundo religioso. Como confiar diretamente no missionário morávio, tomando por base a correspondência que trocava com outro indivíduo de sua mesma espécie?<br />
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Para o seu universo dialógico, Ginzburg reconhece a ‘ânsia de verdade’ dos seus inquisidores. Existe outra passagem em seu artigo que é uma das mais brilhantes formas de descrever um dialogismo que também atinge o próprio historiador.<br />
“O que os juízes da inquisição tentavam extorquir às suas vítimas não é, afinal, tão diferente daquilo que nós mesmos procuramos – diferentes sim eram os meios que usavam e os fins que tinham em vista. Quando eu estava a ler processos dos tribunais da Inquisição, muitas vezes dava por mim a espreitar por cima do ombro do inquisidor, seguindo os seus passos, na esperança que também ele teria, de que o réu confessasse as suas crenças – por sua conta e risco, claro. Esta contigüidade com a posição dos inquisidores não deixa de entrar em contradição com a minha identificação com os réus. Mas não gostaria de insistir neste ponto” (GINZBURG, 1994, p.206)<br />
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Claro. Ginzburg também está dialogando com o politicamente correto de nosso ponto. Não fica bem espreitar por cima dos ombros do inquisidor para escutar a sofrida voz do réu, embora seja exatamente isto que o historiador acaba tendo de fazer. Mas, de todo modo, ao confessar a identificação com a ânsia de verdade do inquisidor, com o seu desejo de dar voz ao outro mesmo que para finalidades que o historiador reprovaria, é preciso também contrabalançar com a declaração de identificação com o réu. Não é possível aprovar nem os meios inquisitoriais nem os fins que se tinha em vista. Com esta frase, Carlo Ginzburg dialoga com os leitores de seus livros. Também é dialógica esta relação entre um autor e seus leitores. Mas, enfim, também não há muito que insistir sobre este ponto.<br />
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Deve-se atentar ainda, e registraremos como um sétimo item a ser considerado para a abordagem das fontes dialógicas, a identificação e análise dos ‘instrumentos e procedimentos de mediação’. A “tortura” em contexto como o da Inquisição ou das Ditaduras Militares, é um procedimento óbvio para os modelos de interrogatório violentos, e está relacionado à “assimetria entre as vozes”, da qual falaremos no próximo item. Mas há também inúmeros outros instrumentos de mediação ou intervenção que podem alterar o conteúdo ou o registro das vozes. Na documentação policial, como por exemplo nas “ocorrências”, deve-se considerar a intervenção do escrivão que anota os depoimentos, mas que nesta operação já os altera eventualmente; e mesmo um certo padrão prévio de maneiras de redigir pode estar entre os elementos capazes de distorcer as vozes, menos ou mais levemente.<br />
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Uma recomendação final é recuperar a rede de poderes, e eventualmente de micro-poderes, que se integra ao dialogismo das fontes (item 8). Tal como nos mostra Carlo Ginzburg (1994, p.208), o Inquisidor e seu Réu – embora se situem no plano do discurso como duas vozes de igual ressonância para o historiador – estão em situação de desigualdade, o mesmo ocorrendo com o antropólogo e os seus nativos ou outros informadores.Aqui aparecem situações que envolvem poderes reais e poderes simbólicos, mas que em todo o caso expõem uma assimetria entre as vozes examinadas. Há também uma assimetria entre os quilombolas saramakas e os missionários morávios estudados por Richard Price, embora seja difícil dizer quem está em posição mais confortável perante o outro. São assimetrias em que um poder não se impõe sobre a voz oprimida, tal como é o caso óbvio da Inquisição ou do poder simbólico que exerce o jesuíta Sahagún sobre os astecas já sobreviventes de uma sociedade destroçada pelos espanhóis. Entre os saramakas e os missionários morávios temos poderes e micro-poderes que se confrontam. O primeiro grupo se esquiva do segundo; este, por sua vez, acredita ter exercido algum poder simbólico, quando na verdade apenas foi empurrado para o mundo da não-comunicação. Não há poder mais sutil que o de enganar o antropólogo ou o missionário.<br />
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Leia o artigo completo no qual este texto encontra-se inserido: <a href="http://ning.it/hhjbtC">http://ning.it/hhjbtC</a><br />
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BARROS, José D'Assunção. “Fontes Históricas – um caminho percorrido e perspectivas sobre os novos tempos” in Revista Albuquerque. Vol.3, n°1, 2010. <a href="http://ning.it/hhjbtC">http://ning.it/hhjbtC</a><br />
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Referências:<br />
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BAKHTIN, Mikhail. Estética da Criação Verbal. São Paulo: Martisn Fontes, 1992.<br />
CHALHOUB, Sidney. Trabalho, Lar e Botequim, São Paulo: Brasiliense, 1986 [original: 1984].<br />
CHALHOUB, Sidney. Visões da Liberdade. São Paulo: Companhia das Letras, 2001.<br />
GINZBURG, Carlo. “Raízes de um Paradigma Indiciário” In Mitos, Emblemas e Sinais. São Paulo: Companhia das Letras, 1990. 143-179 [original: 1986].<br />
GINZBURG, Carlo. “Provas e Possibilidades” In A Micro-História e outros ensaios. Lisboa: Difel, 1991. 179-202.<br />
GINZBURG, Carlo. “O Inquisidor como Antropólogo” In A Micro-História e outros ensaios. Lisboa: Difel, 1994 [original: The Inquisitor as Anthropologist: an Analogy and its implications” in Class, Myths and the Historical Method. Baltimore: John Hopkins University Press, 1989].<br />
MARTINS, José de Souza Subúrbio. São Paulo: HUCITEC, 1992.<br />
PRICE, Richard. Alabi’s World. Baltimore: John Hopkins University Press, 1990.<br />
REIS, José Carlos. “Os Annales: a Renovação Teórico-Metodológica e ‘Utópica’ da História pela Reconstrução do Tempo Histórico” In SAVIANI, Dermeval, LOMBARDI, José Claudinei e SANFELICE, José Luís (orgs.). História e História da Educação – o Debate Teórico-Metodológico Atual. Campinas: Editora Autores Associados, 1998.<br />
SOUZA, Laura de Melo. O Diabo e a Terra de Santa Cruz: feitiçaria e religiosidade popular no Brasil Colonial. São Paulo: Companhia das Letras, 1994.<br />
THOMPSON, Edward P. “Folclore, Antropologia e História Social” In As peculiaridades dos ingleses e outros artigos, São Paulo: UNICAMP, 2001. p.254-255].José D'Assunção Barroshttp://www.blogger.com/profile/14616369888767129715noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-4699005453965610630.post-87557303770817606972011-01-29T07:30:00.000-08:002011-01-29T07:30:13.655-08:00Fonte Histórica (5). Abordagem Serial e recortes na FonteDizíamos em momento anterior que os historiadores lidam habitualmente com um recorte tridimensional de seu tema: Tempo, espaço e Problema. Vamos considerar, neste momento, um utro tipo de recorte possível para os historiadores de hoje: o ‘recorte serial’.<br />
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Neste caso, recorta-se o objeto não propriamente em função de uma determinada realidade histórico-social concernente a uma delimitação espaço-temporal preestabelecida, mas mais precisamente em função de uma determinada série de fontes ou de materiais que é constituída precisamente pelo historiador. Este tipo de caminho historiográfico começou a emergir a partir de meados do século XX, tendo como marco a já mencionada obra de Pierre Chaunu sobre 'Sevilha e o Atlântico' (1954).<br />
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Na chamada ‘História Serial’ o historiador estabelece uma “série”, e é esta série que particularmente o interessa. François Furet, em seu 'Atelier do Historiador' (1982), define a História Serial em termos da constituição do fato histórico em séries homogêneas e comparáveis. Dito de outra forma, trata-se de “serializar” o fato histórico, para medi-lo em sua repetição e variação através de um período que muitas vezes é o da longa duração. Na verdade a duração longa, ou pelo menos a média duração (relativa às conjunturas), foram as que predominaram nos primeiros trabalhos de História Serial – muito voltados, nesta primeira época, para a História Econômica e para a História Demográfica, ao mesmo tempo que combinados com a perspectiva de uma História Quantitativa. Todavia, pode-se proceder a uma serialização relacionada também a um período relativamente curto, desde que o conjunto documental estabelecido seja suficientemente denso.<br />
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De certo modo, as possibilidades de tratamento serial permitiram uma sensível ampliação de alternativas em termos de recorte historiográfico, uma vez que as séries singulares a serem construídas por cada historiador já não se enquadrariam nas periodizações tradicionalmente preestabelecidas. Criar uma série é, em certa medida, recriar o tempo – assumi-lo como ‘tempo construído’, e não como ‘tempo vivido’ a ser reconstituído.<br />
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Por outro lado, optar pelo caminho serial pressupõe necessariamente escolher ou construir um problema condutor muito específico – problema este que é fator fundamental na constituição da própria série. A História Serial veio assim diretamente ao encontro de uma História Problema, como as demais modalidades historiográficas que passaram a predominar na historiografia profissional do século XX.<br />
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Com relação a este aspecto, e em se tratando de uma série documental homogênea, não teria sentido examinar esta série evasivamente, de modo meramente impressionista. A História Serial constitui-se necessariamente de uma leitura da realidade social através da série que foi construída pelo historiador em função de um certo problema*. Não se trata, assim, de optar inicialmente pelo estudo de uma determinada sociedade para só depois buscar as fontes que permitirão este estudo ou o acesso a esta sociedade, como poderia se dar em outros caminhos historiográficos. O que o historiador serial estuda é precisamente a série: este é basicamente o seu recorte e a essência de seu objeto. E pode-se compreender como uma “série” tanto os fatos repetitivos que permitem ser avaliados comparativamente, como uma determinada documentação homogênea.<br />
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No primeiro sentido, François Furet fala em termos de uma serialização de fatos históricos que trazem entre si um padrão de repetitividade (fatos históricos que serão obviamente de um novo tipo, não mais se reduzindo aos acontecimentos políticos). No segundo sentido, ao examinar os novos paradigmas historiográficos surgidos no século XX, Michel Foucault assinala que “a história serial define seu objeto a partir de um conjunto de documentos dos quais ela dispõe” . Isto abre naturalmente um grande leque de novas possibilidades:<br />
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“Assim, talvez pela primeira vez, há a possibilidade de analisar como objeto um conjunto de materiais que foram depositados no decorrer dos tempos sob a forma de signos, de traços, de instituições, de práticas, de obras, etc ...” (FURET, 1982]<br />
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Portanto, em que pese que fontes administrativas, estatísticas, testamentárias, policiais e cartoriais se prestem admiravelmente a um trabalho de História Serial, é possível também constituir em série documentação literária, iconográfica, ou mesmo práticas perceptíveis a partir de fontes orais. É mesmo possível constituir séries às quais não se pretenda necessariamente aplicar um tratamento quantitativo propriamente dito, mas sim uma abordagem mais tendente ao qualitativo – interessada ainda em perceber tendências, repetições, variações, padrões recorrentes e em discutir o documento integrado em uma série mais ampla, mas sem tomar como abordagem principal a referência numérica.<br />
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Uma das obras de Gilberto Freyre, por exemplo, constitui como série documental para o estudo da Escravidão no Nordeste os anúncios presentes em jornais da época – onde os grandes senhores anunciavam a fuga de escravos fornecendo descrições detalhadas dos mesmos, inclusive sinais corporais que falavam eloqüentemente das práticas inerentes à dominação escravocrata . Não é propriamente o Escravo que é o seu objeto, mas “o Escravo nos anúncios de jornal”, como o próprio título indica. Ou seja, busca-se recuperar um discurso sobre o Escravo a partir de uma série que coincide com os periódicos examinados pelo autor; procura-se dentro desta série perceber uma recorrência de padrões de representação, mas também as singularidades e variações, e por trás destes padrões de representação os padrões de relações sociais que os geraram.<br />
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Quantitativos ou qualitativos, os caminhos historiográficos marcados pela ultrapassagem do documento isolado passaram a se integrar definitivamente ao repertório de possibilidades disponíveis para o historiador. Interessa-nos dar a perceber aqui que o recorte documental mostra-se como uma outra possibilidade para o historiador delimitar o seu tema. Definido este recorte, surgirá então uma delimitação temporal específica, que será válida para aquele recorte problemático e documental na sua singularidade, e não para outros. Dito de outra forma, em alguns destes casos é uma documentação que impõe um recorte de tempo, a partir dos seus próprios limites e das aberturas metodológicas que ela oferece.<br />
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Será bastante buscar uma exemplificação final com o próprio estudo pioneiro de Pierre Chaunu. O recorte de sua tese, estabelecido entre 1504 e 1650, é criado a partir de uma primeira data em que a documentação da ‘Casa de Contratação de Sevilha’ lhe permite uma construção estatística, e extingue-se no marco de uma segunda data quando a documentação já não permite uma avaliação quantitativa dos fatos (precisamente uma data relativa ao momento em que o comércio atlântico deixa de trazer a marca do predomínio espanhol e em que, consequentemente, a documentação de Sevilha se dilui como definidora de uma totalidade atlântica). O recorte documental problematizado, enfim, organizou o tempo do historiador.<br />
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O recorte serial é em boa parte dos casos um ‘recorte na fonte’. Mas existem, para além disto, outras possibilidades de recortar o tema de acordo com a fonte. Pode ser que o historiador pretenda examinar uma obra singularizada – ou para identificar o pensamento de um autor, ou para analisar a sua inserção nos limites da época – como se faz muito habitualmente nos campos da História das Idéias e da História Social das Idéias. Pode ser que o interesse seja examinar uma determinada produção cultural, e que uma crônica, um cancioneiro ou uma seqüência iconográfica surjam como objetos de interesse de uma História Cultural ou de uma História Social da Cultura. Um mito ou um conjunto de mitos pode se constituir simultaneamente nas fontes e objetos de um trabalho de Antropologia Histórica. As possibilidades de empreender ‘recortes na fonte’, conforme se vê, são inúmeras.<br />
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[O presente texto foi extraído do livro "O Projeto de Pesquisa em História"]<br />
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[BARROS, José D'Assunção. O Projeto de Pesquisa em História. Petrópolis: Editora Vozes, 2011, 7a edição. p.47-51]<br />
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Referências:<br />
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BARROS, José D'Assunção. O Projeto de Pesquisa em História. Petrópolis: Editora Vozes, 2011, 7a edição.<br />
CHAUNU, Pierre e CHAUNU, Huguette. Séville et l’Atlantique. Paris: S.E.V.P.E.N., 1955-1956.<br />
FREYRE, Gilberto. O Escravo nos anúncios de jornais brasileiros do século XIX. São Paulo: Brasiliana, 1988.<br />
FURET, François. A Oficina da História. Lisboa: Gradiva, 1991. v. I.José D'Assunção Barroshttp://www.blogger.com/profile/14616369888767129715noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-4699005453965610630.post-47405194923230537322011-01-29T07:28:00.000-08:002011-01-29T07:28:26.151-08:00Fonte Histórica (4). Aspectos a serem observados em uma FonteTentemos uma síntese. Tomaremos como ponto de partida o texto autoral, isto é, o texto que apresenta um autor definido (mesmo que anônimo), ao contrário do documento que é produzido institucionalmente como massa de dados (uma lista censitária, ou os documentos do fisco), ou que se produz involuntariamente, tal como os objetos que se perdem e depois são reencontrados na pesquisas arqueológicas.<br />
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Quando o historiador está diante de um texto que foi produzido por alguém, a primeira pergunta que costuma vir à sua cabeça é a que busca o autor. Quem escreveu este texto? O que pensava? Que intenções tinha no momento em que o escreveu? Fez de livre ou espontânea vontade, ou sob pressão? A quem visava?<br />
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Organizemos isso. Quando perguntamos "quem é o autor", podemos pensar em um indivíduo específico. Contudo, cedo aprendem os historiadores em formação que os indivíduos não se encontram soltos no tempo, desgarrados de uma sociedade, independentes dela. Se podemos nos perguntar pela (1) 'Autoria', logo também deveremos nos perguntar pelo (2) 'Contexto' que constrange ou libere esta autoria.<br />
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O Contexto corresponde a uma época, e também a uma sociedade que envolve um autor. Dificilmente um homem pode escapar aos limites impostos pelo seu tempo, e aos horizontes de percepção que lhe são franqueados a partir de sua época e da sociedade em que vive. Muitos dirão que, em hipótese alguma, um autor não pode escapar ao seu tempo. De um modo ou de outro, é nas águas de um Contexto que um Autor emerge: nelas ele se apoia, e contra elas ele se debate.<br />
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A pergunta pelo contexto autoral é uma pergunta que busca prescrutar também a sociedade no qual o indivíduo autoral está inserido. Perguntamo-nos, quando tentamos relacionar um Autor a uma Sociedade, pela 'posição social' que ocupa, pela 'profissão' que exerce, pelas 'instituições' que o enquadram.<br />
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Devemos também entender que um Autor, como todo indivíduo, possui uma história. Um texto foi escrito em determinado momento desta história. Podemos nos perguntar, portanto, pelas 'circunstâncias autorais'. Maquiavel, que foi eminência parda da política florentina em determinados momentos de sua história, escreveu sua obra mais conhecida - "O Príncipe" - alijado do poder. Essas circunstâncias autorais não podem deixar de interferir em sua obra. Adolf Hitler escreveu o primeiro volume do livro "Mein Kampf" na prisão, para a qual foi enviado após o fracassado "Putsch da Cervejaria" (1923). Além das circunstâncias da prisão, escreve-o no contexto que o alçou à liderança dos nazistas. Como estas circunstâncias - aquelas em que Maquiavel escreveu "O Príncipe", ou aquelas em que Hitler escreveu "Mein Kampf" - interferem ou ajudam a formatar cada um destes textos?<br />
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Na maior parte dos casos, senão sempre, um texto também é escrito visando um (4) Receptor. Escreve-se para comover alguém, para intimidá-lo, para informá-lo, para motivá-lo, para provocar-lhe reações.A Recepção, já discutimos isto anteriomente, termina por se inscrever também na Produção de um texto, uma vez que um autor também escreve o seu texto pensando naqueles que irão recebê-lo.<br />
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Todo texto lida com um (5) Vocabulário. Mesmo que o autor não pense nisso ou não deseje isto, um Vocabulário nos diz muitas coisas acerca deste autor - inclusive as que ele não pretendia dizer. Também diz muitas coisas acerca daqueles que lerão o texto. O texto, conforme já dissemos, é um ato de comunicação. O Vocabulário de um texto fala-nos de seu autor e de seus leitores.<br />
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Um texto pertence a algum (6) Gênero Textual. Ele pode ser um poema, uma carta, um edito régio, um ensaio científico, umdiscurso político, afora inúmers outras possibilidades, Há implicações quando estamos diante de um gênero ou de outro. O historiador, ao analisar o texto como fonte histórica, precisa se avizinhar deste aspecto. De igual maneira, todo texto possui uma (7) Forma, que corresponde à maneira como o discurso é organizado no texto. esta forma deve ser, igualmente, objeto de análise do historiador.<br />
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Já discutimos que todo texto está em (8) Intertextualidade. Ou seja,ele dialoga com outros textos: explicitamente ou implicitamente, voluntariamente ou involuntariamente. Recuperar a rede intertextual na qual se insere um texto é um passo importante da operação historiográfica de análise textual.<br />
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É claro, todo texto possui um (9) Conteúdo, embora seja muitas vezes difícil separar forma e conteúdo. O texto se apresenta como mensagem, como 'objeto de comunicação' que, é quase um truísmo dizer, pretende comunicar algo. O que o texto pretende dizer? O que ele não diz. É preciso analisar também, nesta mesma operação, os seus Silêncios (10).<br />
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Nem todo documento é autoral. Mas também podemos substituir algumas categorias. Se um documento do Censo não visa um Receptor, de todo modo, ele visa uma Finalidade. Os registros do Censo foram pruduzidos por algum motivo, ou para atender a determinadas finalidades. O que foi dito para o "texto", também pode ser pensado eventualmente para outros registros, como a 'imagem' ou a 'oralidade', embora cada tipo de suporte também apresente as suas singularidades.<br />
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Estes, e outros aspectos, devem ser considerados pelo historiador quando está diante de sua fonte.José D'Assunção Barroshttp://www.blogger.com/profile/14616369888767129715noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-4699005453965610630.post-16704034108070144862011-01-29T07:23:00.000-08:002011-01-29T07:23:27.914-08:00Fonte Histórica (3) Dimensões envolvidas na análise qualitativa do texto[o presente texto foi extraído do livro "O Campo da História"]<br />
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No último texto, vimos que, nos dias de hoje, tudo pode ser fonte histórica. Para muito além da documentação escrita, os historiadores contemporâneos aprenderam a lidar com fontes imagéticas, fontes materiais, fontes imateriais, fontes orais, ou mais o que s possa imaginar para além do suporte escrito.<br />
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Isso não quer dizer,todavia, que tenha decrescido o uso de fontes escritas pelos historiadores. Se outros suportes que não o escrito passaram a ser considerados pelos historiadores como fontes diretas para os seus estudos, o fato é que ainda hoje o historiador vê se ampliarem cada vez mais as oportunidades para trabalhar com os ‘textos escritos’. Ou seja, se a historiografia do século XX ampliou o seu conceito de fonte histórica para um mundo não-textual de possibilidades, também ampliou extraordinariamente os tipos de documentação escrita com as quais irá lidar. Não mais apenas as fontes institucionais e diplomáticas ou as crônicas oficiais que praticamente ocupavam todas as expectativas do historiadores do século XIX; hoje qualquer texto pode ser constituído pelo historiador como fonte: o diário de uma jovem desconhecida, uma obra da alta literatura ou da literatura de cordel, as atas de reunião de um clube, as notícias de jornal, as propagandas de uma revista, as letras de música, ou até mesmo uma simples receita de bolo. Não há mais limites para os tipos de textos que podem servir como materiais para o historiador.<br />
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Houve uma mudança na postura do historiador para com estes textos. Se antes os textos eram quase que exclusivamente utilizados como ‘testemunhos’ dos quais os historiadores do século XIX procuravam extrair informações mais ou menos diretas (na maior parte dos casos de uma maneira ingênua que associava o documento histórico à idéia de “prova”), hoje as fontes textuais são também utilizadas como ‘discursos’ a serem decifrados em si mesmos. Relembrar, ainda uma vez, o que vem a ser a ‘fonte histórica’, pode ajudar a iluminar melhor esta distinção entre “testemunho” e “discurso”.<br />
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A fonte histórica, já o dissemos, é aquilo que coloca o historiador diretamente em contato com o seu problema. Ela é precisamente o material através do qual o historiador examina ou analisa uma sociedade humana no tempo, ou um processo histórico na dinâmica do seu devir. Uma fonte pode preencher uma das duas funções acima explicitadas: ou ela é o meio de acesso àqueles fatos históricos que o historiador deverá reconstruir e interpretar (fonte histórica = fonte de informações sobre o passado), ou ela mesma ... é o próprio fato histórico. Vale dizer, neste último caso considera-se que o texto que se está tomando naquele momento como fonte é já aquilo que deve ser analisado, enquanto discurso de época a ser decifrado, a ser compreendido, a ser questionado. É neste sentido que diremos que a fonte pode ser vista como ‘testemunho’ de uma época e como ‘discurso’ produzido em uma época.<br />
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A historiografia, ao superar o positivismo ingênuo do século XIX, foi tendendo a valorizar cada vez mais esta dimensão da fonte histórica textual como ‘discurso’. Hoje, poderíamos dizer que a maior parte das práticas historiográficas insere-se em uma História do Discurso (ou, se quisermos, uma História Textual). Um discurso qualquer pode ser analisado tanto a partir de uma ‘abordagem qualitativa’ como a partir de abordagens 'quantitativas’, 'topológicas', ‘seriais’, considerandoque estas últimas examinam documentos reunidos em série. Falaremos das abordagens ‘serial’ e ‘quantitativa’ em outra oportunidade. Por ora, reflitamos sobre as possibilidades qualitativas de um texto.<br />
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Um texto pode ser abordado qualitativamente de muitas maneiras. Os historiadores, os críticos literários, os lingüistas, os psicanalistas, e quaisquer outros profissionais que dependam da interpretação de textos para o seu ofício (como é o caso também dos advogados e dos investigadores de polícia) não cessam de inventar novos modos de trabalhar sobre o texto, avançando para muito além daquilo que se encontra aparentemente exposto em sua superfície. As abordagens semióticas, por exemplo, hoje utilizadas por vários historiadores, enriqueceram muito as possibilidades de fazer um texto falar sobre coisas que o próprio autor do texto não pretendia dizer. Quando alguém utiliza determinadas expressões e palavras, já está dizendo algo ao bom analista de textos, independente dos sentidos que ele pretenda atribuir às palavras. A presença de certas imagens em um discurso, a recorrência de determinadas palavras, a maneira de organizar uma narrativa, as referências intertextuais (a outros textos) - sejam estas voluntárias, explícitas, implícitas ou involuntárias - tudo isto fala por si mesmo independente do ser falante que pronuncia o discurso.<br />
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Isto, sem levar em consideração a possibilidade de contrapor textos diferenciados, de pôr as várias versões a respeito de um acontecimento a se iluminarem ou a se contradizerem reciprocamente. Estas contradições, veremos mais adiante, podem ser de grande valia para um historiador. Sem contar que as contradições existem internamente a um mesmo texto, trazendo à tona o caráter polifônico de certos discursos.<br />
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A riqueza de qualquer texto está no fato de que ele é simultaneamente um ‘objeto de significação’ e um ‘objeto de comunicação cultural entre sujeitos’. Estes dois aspectos na verdade se complementam: se por um lado o texto pode ser definido pela organização ou estruturação que faz dele uma “totalidade de sentido”, por outro lado ele pode ser definido como um objeto de comunicação que se estabelece entre um destinador e um destinatário (ou entre um destinador e muitos destinatários).<br />
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A tentativa de avaliar o texto na sua primeira dimensão, a de ‘objeto de significação’, gera a análise interna ou estrutural do texto (que pode ser empreendida por aportes teóricos e metodológicos diferenciados, sendo a semiótica uma destas possibilidades). Já a avaliação do texto como ‘objeto de comunicação’ implica na análise do contexto histórico-social que o envolve e que, de alguma maneira, atribui-lhe sentido. Neste caso, empreende-se a análise externa do texto, que também pode ser concretizada através de diferenciados aportes teóricos e metodológicos. Ainda com relação à sua análise externa, o texto também pode ser exa-minado do ponto de vista das intenções ou das motivações pessoais do autor que o produziu, ou daqueles que dele se apropriam imputando-lhe novos sentidos. A perspectiva mais útil para a História é considerar mesmo o texto a partir da dualidade que o define enquanto ‘objeto de significação’ e ‘objeto de comunicação’.<br />
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De acordo com esta visão complexa e multidimensional do texto, que postularemos ser a mais adequada para o historiador, pode-se dizer que a análise de um discurso deve contemplar simultaneamente três dimensões fundamentais: o intratexto, o intertexto e o contexto. O ‘intratexto’ corresponde aos aspectos internos do texto e implica exclusivamente na avaliação do texto como objeto de significação; o ‘intertexto’ refere-se ao relacionamento de um texto com outros textos; e o contexto corresponde à relação do texto com a realidade que o produziu e que o envolve. São precisamente estas duas últimas dimensões que exigem que o texto, além de ser tratado como um objeto de significação em si mesmo, seja considerado também como objeto de comunicação.<br />
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A visão do texto a partir da tríplice abordagem do intratexto, do intertexto e do contexto é inegavelmente a mais rica para um historiador que pretende utilizar o discurso textual como fonte. Por outro lado, autores como Roland Barthes consideram o texto como um sistema auto-suficiente de signos cujo significado provém de suas interrelações, e não de fatores externos como a ‘intenção do autor’ ou o seu ‘contexto de produção’. Assim, para a perspectiva estruturalista de Roland Barthes as palavras, símbolos e imagens em interação criam sistemas de significados que repetem a estrutura da linguagem e refletem as funções sociais da mitologia. O resultado disto é que o texto poderia ser analisado sem um recolocação na sociedade que o produziu ou que o consome. Ou, dito de outra forma, a análise restringe-se neste caso apenas ao plano do intratexto.<br />
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Em que pesem as contribuições que o historiador possa extrair deste tipo de semiótica estruturalista que procura examinar o texto em si mesmo, desprezando as referências externas, a verdade é que sempre será muito importante para um historiador “contextualizar” o texto com o qual está trabalhando. Todo texto é produzido em um lugar que é definido não apenas por um autor, pelo seu estilo e pela história de vida deste autor, mas principalmente por uma sociedade que o envolve, pelas dimensões desta sociedade que penetram no autor, e através dele no texto, sem que disto ele se aperceba. Uma época, uma sociedade, um ambiente social (rural, urbano), uma Instituição, uma rede de outros textos às quais o autor deverá se conformar, as regras de uma determinada prática discursiva ou literária, as características do gênero literário em que se inscreve o texto: tudo isto constrange o autor que escreve o texto, deixando nele suas marcas a princípio indeléveis, mas que devem ser pacientemente decifradas pelos historiadores e outros analistas de textos.<br />
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Além de um lugar de produção, todo texto tem também um destino. Pode ser, por exemplo, um determinado receptor ou grupo de receptores (os leitores de um jornal ou de uma obra literária, a população que é comunicada acerca das decisões régias através de um edito). O receptor, mesmo que o autor ou produtor do texto não esteja plenamente consciente disto, ajuda também a escrever o texto. Quem escreve um texto acaba sem querer antecipando certas expectativas de quem irá recebê-lo, seja para contemplá-las ou para afrontá-las. Qualquer texto visa um receptor (ou um “lugar de recepção”), porque ele tem uma “intenção” (uma mensagem que quer ser transmitida ou uma informação a ser registrada).<br />
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É verdade que, em alguns casos, o texto não é produzido originalmente com vistas propriamente a um receptor, mas sim para contemplar determinada finalidade. Uma canção quer chegar a um público, um Edito quer chegar a um súdito, uma carta quer atingir um interlocutor ... mas os documentos cartoriais e paroquiais, a princípio, pretendem apenas registrar certas informações que serão necessárias oportunamente, ou para as autoridades que controlam uma população, ou para os próprios indivíduos aos quais se referem estes documentos. O historiador pode lidar tanto com textos que visam ‘receptores’, como com textos que buscam cumprir determinadas ‘finalidades’.<br />
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Grosso modo, pelo que pudemos ver até aqui, o triângulo da comunicação em que se insere todo texto tem estes três vértices: um lugar de produção, um conteúdo (intenção, mensagem), um lugar de recepção (ou de destino). O historiador deve lidar habilmente com cada um destes vértices e com a sua interação (porque cada um deles se inscreve no outro, no sentido, por exemplo, de que o produtor do texto antecipa certas expectativas do seu receptor).<br />
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A isto poderemos acrescentar uma outra dimensão que é a da ‘intertextualidade’, a que já nos referimos anteriormente. Qualquer texto insere-se em uma rede de semiose, em uma rede de textos da qual ele extrai um pouco do seu sentido. Já fizemos notar que o próprio ‘gênero’ no qual se enquadra um texto (edito, crônica, poesia, norma jurídica) já estabelece automaticamente um primeiro nível de intertextualidade (o texto irá dialogar, quer queira o autor ou não, com as normas literárias e com o repertório de possibilidades que regem aquele gênero, mesmo que em alguns casos o autor pretenda afrontá-los). Depois aparecem as demais intertextualidades: o autor irá se referir explicita ou implicitamente a outros textos, e existirão também os textos que, mesmo sem o conhecimento do autor, estarão inscritos no seu discurso.<br />
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A questão da intertextualidade é naturalmente bastante complexa, uma vez que ela pode aparecer tanto no texto que o historiador se põe a analisar (as intertextualidades explícitas e implícitas inerentes à construção textual do autor do documento estudado) como também na própria análise do historiador, que na sua leitura do documento estabelece intertextualidades em diversos níveis. É por isso que Eliseo Verón, em um livro intitulado "A Produção do Sentido" (1979), escreve que “não se analisa jamais um texto: analisa-se pelo menos dois, quer se trate de um segundo texto escolhido explicitamente para a comparação, quer se trate de um texto implícito, virtual, introduzido pelo analista, muitas vezes sem que ele o saiba” .<br />
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A história da historiografia inscreve-se em um gradual aprendizado do historiador diante dos textos com os quais ele deverá lidar. Muito aconteceu desde as primeiras aproximações positivistas e historicistas, especialmente preocupadas com as críticas interna e externa do texto, mas ainda ingênuas no tratamento do discurso. A Psicanálise, a Lingüística, a Semiótica e as teorias da Comunicação revolucionaram as possibilidades de interpretar um texto, e destas revoluções o historiador de hoje se vale. <br />
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Como já se deve ter percebido, não existe certamente uma técnica única que possa ser aplicada à análise de texto para todos os casos. O primeiro contato do historiador com a sua fonte textual consiste, de qualquer modo, em fazer-lhe algumas perguntas fundamentais (já se disse que o documento só fala quando o historiador faz as perguntas certas). Se, como dissemos antes, a boa análise deve abranger simultaneamente o contexto, o intertexto e o intratexto, o historiador pode começar por identificar a procedência da fonte, a sua inserção em uma sociedade mais ampla, as condições de sua produção (aspectos que, se tivéssemos de resumi-los em uma indagação primária, parecem perguntar ao texto: “de onde vens?”). Somente em seguida virão as perguntas que começam a perscrutar os caminhos internos do texto, ou a abrir as portas secretas de sua decifração. “Com quem falas”, “Do que falas?”, mas também “Sobre o que silencias?”.<br />
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O conteúdo de um texto, cedo aprende o historiador, não pode se resumir à superfície de sua mensagem. Há os entreditos, os interditos, os não-ditos, o vocabulário revelador. Se texto é falso, ou se ele mente, tanto melhor, pois o historiador poderá perguntar: “por que mentes?”. Não serão raras as vezes em que o analista irá encontrar o que procura precisamente nas contradições de um texto, seja ao nível do intratexto (as contradições internas) ou ao nível do intertexto (as contradições que aparecem no confronto com outras fontes). Ao historiador, o texto costuma falar através dos seus detalhes mais insignificantes, como um criminoso que fala através das pistas que deixa escapar descuidadamente.<br />
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[o presente texto foi extraído do livro "O Campo da História"]<br />
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[BARROS, José D'Assunção. O Campo da História. Petrópolis: Editora Vozes, 2011, 8a edição. p.134-140]<br />
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Referências:<br />
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BARROS, José D'Assunção. O Campo da História. Petrópolis: Vozes, 2011, 8a edição.<br />
BARTHES, Roland. Elementos de Semiologia. São Paulo: Cultrix, 1996.<br />
VERÓN, Eliseu. A produção do sentido. São Paulo: Verbo, 1982José D'Assunção Barroshttp://www.blogger.com/profile/14616369888767129715noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-4699005453965610630.post-33265750955302787982011-01-29T07:21:00.000-08:002011-01-29T07:21:19.099-08:00Fonte Histórica (2) A Expansão DocumentalO debate sobre as “fontes históricas” remete-nos a um dos dois fatores que constituem a mais irredutível singularidade da História como campo de conhecimento. De fato, se por um lado a História pôde um dia ser definida por Marc Bloch, nos anos 1940 como a “Ciência que estuda o Homem no tempo”, a obrigatoriedade do uso de “Fontes Históricas” pelo Historiador, como único meio de atingir diretamente este homem que se inscreve no Tempo, é certamente o segundo fator inseparável do conhecimento histórico. A ‘centralidade da dimensão temporal’, neste tipo de conhecimento que é a História, e a ‘utilização das Fontes’, pelo Historiador que o produz, são precisamente os dois fatores que fazem com que a História possa ser distinguida de qualquer outro campo de saber.<br />
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Começaremos por lembrar que Seignobos, em um manual escrito no início do século XX, um dia registrou uma frase que terminou por se tornar célebre: “Sem documento não há história” (1901). Com isto buscava situar a fonte histórica como o princípio da operação historiográfica. A frase seria contraposta, algumas décadas depois, por uma outra que seria criticamente pronunciada por Lucien Febvre: “Sem problema não há história”. O historiador dos Annales, com isto, queria mostrar que a operação historiográfica principiava na verdade com a formulação de um problema. Seria um problema construído pelo Historiador o que permitiria que ele mesmo constituísse as suas fontes, agora deslocada para o segundo passo da pesquisa.<br />
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Hoje, decorridas muitas décadas após os primeiros “combates pela história” travados pelos historiadores dos Annales contra uma historiografia que denominaram “positivista”, pode-se perceber mais claramente que os dois elementos – o “Problema” e a “Fonte” – acham-se frequentemente entrelaçados: se o “Problema” construído pelo historiador sinaliza para algumas possibilidades de “Fontes”, determinadas fontes também recolocam novos problemas para os historiadores. Podemos pensar, a título de exemplos, nas chamadas “fontes seriais”, que permitem aos próprios historiadores formularem novos tipos de problemas que só adquirem sentido no tratamento serial da documentação, ou ainda o caso das “fontes dialógicas”, aqui entendidas como aquelas que permitem ao historiador que sejam acessadas diversas vozes nas sociedades por ele examinadas. Os exemplos nos mostram que, se o “Problema” proposto pelo historiador permite que ele constitua suas fontes de determinada maneira, as próprias fontes históricas também devolvem algo ao historiador. Dito de outra forma, pode-se dizer que, na operação historiográfica, o sujeito que produz o conhecimento e os meios de que ele se utiliza interagem um sobre o outro, de modo que, no fim das contas, se o Historiador sempre escreve seu texto de um lugar no mundo social e no tempo, ao mesmo tempo ele mesmo pode se transformar a partir da sua própria experiência com as fontes.<br />
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Vamos lembrar aqui um interessante texto escrito por Carlo Ginzburg em 1979, com o título “Provas e Possibilidades”, no qual o micro-historiador italiano chama atenção para uma questão peculiar. Embora reconhecendo que o trabalho do historiador é inicialmente direcionado por um certo “imaginário historiográfico” (tal como propôs Hayden White em Meta-História) e também por um lugar social (tal como postula Michel de Certeau em “A Operação Historiográfica”), Ginzburg esmera-se em perscrutar o fato de que o historiador também se modifica pela interatividade com relação à alteridade trazida pela documentação (GINZBURG, 1989, p.196). Vale dizer, não é apenas um determinado lugar social-institucional, e uma certa “imaginação historiográfica” – ou o seu Presente – o que dá uma direção ao trabalho do historiador. O próprio Passado, através das especificidades de sua documentação, traz ao historiador vozes com as quais ele interage, colocando-o em contato com aspectos que passam a integrar a sua própria experiência, e com elementos vários que o reconstroem como sujeito de investigação. Desta forma, a própria documentação examinada traz a sua contribuição adicional para o resultado do trabalho historiográfico não apenas como objeto que se configura em testemunho ou discurso de sua época, mas também abrindo certos caminhos de compreensão e, para além disto, enriquecendo mesmo, como experiência, o próprio historiador que se vê modificado no momento mesmo inicial da pesquisa.<br />
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Estas questões são importantes, e ao final da palestra voltaremos a elas. As fontes históricas, além de permitirem que o historiador concretize o seu acesso a determinadas realidades ou representações que já não temos diante de nós, permitindo que se realize este “estudo do homem no Tempo” que coincide com a própria História, também contribui para que o historiador aprenda novas maneiras de enxergar a história e formas de expressão que poderá empregar em seu texto historiográfico. Neste momento, conforme discutiremos no final desta palestra, estabelece-se uma misteriosa possibilidade de contato entre as fontes que instauram a pesquisa e o texto final que o historiador oferece ao seu leitor. Lidar com variedades de fontes históricas, veremos adiante, também instrui o historiador acerca de diferentes e novas possibilidades de expressão – uma questão que cada vez mais tem sido abordada nos tempos recentes. É assim que, ao passo em que foi descobrindo novas possibilidades de fontes históricas, o historiador também viu-se diante de novas possibilidades teóricas e expressivas: são apenas alguns exemplos o “olhar longo” da História Serial, a “escrita polifônica” das fontes dialógicas, o “olhar microscópico” proporcionado por fontes intensivas como os processos-criminais, ou mesmo a “escrita cinematográfica” que pôde ser assimilada por aqueles que estudam o Cinema.<br />
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Mas antes de chegar a estas questões mais recentes, principiemos discutindo algumas questões fundamentais para a compreensão da “revolução documental” que ainda não cessou de ocorrer na historiografia desde que a história passou a se postular como uma historiografia científica. Abordaremos, a seguir, alguns aspectos que na verdade estão interligados: a ‘expansão documental’, a multiplicação de metodologias e abordagens das fontes históricas, sobretudo a partir do século XX, e a crescente explicitação do diálogo com as fontes no texto historiográfico.<br />
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1.2. Expansão Documental<br />
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Já é lugar comum dizer que o século XX conheceu uma extraordinária expansão na possibilidade de tipos de fontes históricas disponíveis ao historiador. A expansão documental começa com a gradual multiplicação de possibilidades de fontes textuais – isto é, fontes tradicionalmente registradas pela escrita – e daí termina por atingir também os tipos de suporte, abrindo para o historiador a possibilidade de também trabalhar com fontes não-textuais: as fontes orais, as fontes iconográficas, as fontes materiais, ou mesmo as fontes naturais. Com o desenvolvimento de novas tecnologias, pergunta-se se já não teremos em pouco tempo um número significativo de trabalhos também explorando as fontes virtuais.<br />
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De certo modo, a história da historiografia tem conhecido duas expansões paralelas no universo das fontes historiográficas: de um lado, as fontes textuais, que sempre foram tão amplamente empregadas pelos historiadores, começam a se diversificar; de outro lado, pode ser percebido um contraponto importante que é o da expansão das fontes com novos tipos de suporte. Concentremo-nos por hora no esforço de mostrar a complexidade que abarca a expansão das possibilidades de fontes textuais. O ‘Quadro 1’ procura registrar visualmente esta expansão: na verdade uma expansão que termina por se voltar sobre si mesma. O esquema visual parte de algumas das fontes que, um tanto impropriamente, chamaremos de ‘fontes realistas’ (1) – que são aquelas que se apresentam aos historiadores como discursos narrativos que tentam prestar conta de acontecimentos que se deram realmente, ou que então tentam convencer os seus leitores da natureza real do objeto de suas narrativas. Dos relatos de natureza historiográfica aos relatos de viagem, passando pelas hagiografias, crônicas e biografias, neste tipo de fontes costumava se concentrar o trabalho dos historiadores até o século XIX.<br />
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Então, podemos dizer que ocorrerá a primeira revolução documental da historiografia – ou, se quisermos, a primeira fase de uma revolução historiográfica que mais adiante teria, no século XX, o seu segundo tempo. O século XIX, efetivamente, introduz o trabalho dos historiadores – para além das fontes que já eram utilizadas anteriormente – no mundo dos arquivos que começam a ser montados por toda a Europa em um monumental esforço incentivado pelos governos nacionais. Os ‘Documentos Políticos’ (2) – notadamente da “grande história política” – os ‘documentos diplomáticos’ relacionados à intrincada dialética da Guerra e da Paz (3), a documentação governamental (4), com suas leis e atos governamentais diversos, passarão a constituir a base do trabalho do historiador, que começa a desenvolver as suas primeiras técnicas de crítica documental. Por muitos dos historiadores oitocentistas, estas fontes serão tratadas sobretudo como depósitos de informações. De todo modo, pode-se dizer que a Crítica Documental tornou-se uma contribuição inestimável desta interação entre o historiador e as fontes político-institucionais. Com elas, o historiador aprendeu o “olhar meticuloso” tão precioso para a prática historiográfica.<br />
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Uma segunda revolução documental inicia-se nos anos 1930. Ou, se quisermos, podemos dizer que o universo das fontes históricas começa a se expandir novamente. Para além das fontes já acumuladas pela revolução documental anterior, a multiplicação de objetos históricos – agora concentrada sobretudo em aspectos sociais e econômicos – permitirá que alguns setores da historiografia comecem a centrar a sua atenção nos documentos administrativos (5), comerciais (6), eclesiásticos (7), cartoriais (8); fontes que logo seriam exploradas pelos historiadores a partir de uma nova abordagem, serial ou quantitativa. Na França, um país cuja historiografia exerceu grande influência sobre a historiografia brasileira, é conhecido o papel que a “história serial” exerceu até os anos 1970. Um inquestionável fruto colhido pela historiografia ao entrar em contato com as fontes seriais, mas também presente nas diversas modalidades historiográficas que passaram na mesma época a trabalhar com a “longa duração”, foi um novo tipo de olhar sobre a história: esse “olhar longo” que se estende sobre a “série documental” ou sobre grandes extensões de tempo ou de espaço e que, a partir daí, aprimora-se na habilidade de identificar permanências, de perceber ciclos, de avaliar pequenas variações no decurso de uma série de dados. O “olhar longo” junta-se assim ao “olhar meticuloso”, de modo que o historiador torna-se aqui um pouco mais completo.<br />
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Novos métodos costumam sempre acompanhar cada expansão no universo de fontes historiográficas. Quando assistimos nos anos 1980 a um crescente interesse dos historiadores pelas fontes jurídicas (9) e policiais (10) – a exemplo dos processos-crime e da documentação de inquisição – logo os historiadores aprendem a tirar um máximo partido destas fontes que são ao mesmo tempo intensivas – isto é, extraordinariamente ricas de detalhes – e dialógicas, no sentido de que são espaços de manifestação para muitas vozes sociais. Surge tanto uma escrita da história polifônica, voltada para a explicitação das várias vozes sociais, como também a Micro-História – uma modalidade historiográfica que se mostra pronta a mergulhar no projeto de enxergar grandes questões sociais a partir de uma escala de observação reduzida, porém com um olhar intensivo, que aproxima o historiador do olhar do detetive ou do criminalista que investigam indícios, mas também do médico que tenta enxergar a grande doença por trás dos pequenos sintomas. Vamos denominar a este novo olhar que se oferece aos historiadores dos anos 1980 de “olhar interior”, pois se ele é um olhar capaz de captar os detalhes mais reveladores, é também um olhar capaz de apreender a complexidade interna das realidades examinadas, além de captar a polifonia interna que se oculta em todas as formações sociais. Mais uma vez o historiador desenvolve a sua completude: o “olhar meticuloso”, o “olhar longo” e o “olhar interior” agora se integram como possibilidades para a constituição de uma historiografia mais plena.<br />
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As últimas conquistas, talvez sob a égide de uma historiografia que traz para o centro do cenário histórico o mundo da Cultura – estão nas fontes que se relacionam à vida privada (11) e a todos os tipos de literatura (12). Também não é por acaso que, em um mundo que é invadido pelo discurso, intensifique-se nesta mesma época a interdisciplinaridade com a Lingüística, a Semiótica e as Ciências da Comunicação, oportunizando aos historiadores novas metodologias de análise textual e discursiva que hoje já se tornaram patrimônio da historiografia contemporânea. Ao mesmo tempo, pode-se dizer que, de alguma maneira, o historiador também conseguiu incorporar com estas novas experiências um certo “olhar estético”. A si mesmo, começou a se perceber como literato, e muitos passaram a buscar aprimorar novas formas de expressão na elaboração do seu texto historiográfico, conforme mais adiante discutiremos.<br />
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Tal como já assinalamos, um esquema como o que estamos tentando representar a complexidade das fontes históricas não pode ser senão circular: uma figura que se desdobra sobre si mesma. As fontes narrativas realistas (1), das quais partíramos, oferecem nos anos 1980 novas incorporações através dos jornais, e o chamado retorno da história política permite que os historiadores também incorporem, às fontes políticas (2) com as quais já lidavam, a documentação de partidos políticos e os discursos proferidos nestes mesmos ambientes.<br />
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As ampliações no universo de possibilidades das fontes textuais, já o dissemos, são acompanhadas de um movimento paralelo. Se os historiadores haviam começado a diversificar as suas fontes textuais, desde princípios do século XX, também começam a ser exploradas em um ritmo crescente as fontes com novos tipos de suporte. As imagens, por exemplo, deixariam de ser apenas objetos temáticos para os historiadores que já se interessavam pela História da Arte, e passaram a ser também fontes para historiadores interessados em chegar todo o tipo de questões sociais, econômicas e políticas através das fontes iconográficas. A História Oral, também nos anos 1980, conquista o seu lugar no campo da historiografia, e reaviva mais uma vez um diálogo com a Antropologia, com a qual a História já havia estabelecido tantas vagas de contatos interdisciplinares.<br />
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Poderíamos também seguir adiante na enumeração de conquistas historiográficas relacionadas às fontes não-textuais: os arquivos sonoros, o Cinema, a cultura material e mesmo as fontes naturais – aqui entendida como a natureza interferida pelo homem – abrem-se como novas possibilidades. Podemos hoje nos perguntar pelas fontes virtuais. Como os historiadores passarão a trabalhar com este tipo de fontes?<br />
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Leia a continuação deste texto em: <a href="http://ning.it/hhjbtC">http://ning.it/hhjbtC</a><br />
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[BARROS, José D'Assunção. “Fontes Históricas – um caminho percorrido e perspectivas sobre os novos tempos” in Revista Albuquerque. Vol.3, n°1, 2010]<br />
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Referências:<br />
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BLOCH, Marc. Apologia da História. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2001 [original publicado: 1949, póstumo] [original de produção do texto: 1941-1942]<br />
GINZBURG, Carlo. Indagações sobre Piero: o Batismo - o Ciclo de Arezzo - a Flagelação. Tradução de Luiz Carlos Cappellano. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1989..José D'Assunção Barroshttp://www.blogger.com/profile/14616369888767129715noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-4699005453965610630.post-9436348870563012802011-01-29T07:17:00.000-08:002011-01-29T07:17:39.203-08:00Fonte Histórica (1) O que é fonte histórica“Fonte Histórica” é tudo aquilo que, produzido pelo homem ou trazendo vestígios de sua interferência, pode nos proporcionar um acesso à compreensão do passado humano. Neste sentido, são fontes históricas tanto os já tradicionais documentos textuais (crônicas, memórias, registros cartoriais, processos criminais, cartas legislativas, obras de literatura, correspondências públicas e privadas e tantos mais) como também quaisquer outros que possam nos fornecer um testemunho ou um discurso proveniente do passado humano, da realidade um dia vivida e que se apresenta como relevante para o Presente do historiador.<br />
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Incluem-se como possibilidades documentais desde os vestígios arqueológicos e outras fontes de cultura material (a arquitetura de um prédio, uma igreja, as ruas de uma cidade, monumentos, cerâmicas, utensílios da vida cotidiana) até representações pictóricas e fontes da cultura oral (testemunhos colhidos ou provocados pelo historiador). As investigações sobre o genoma humano fizeram do corpo e da própria genética uma fonte histórica igualmente útil e confiável, que inclusive permitiu que os historiadores passassem a ter acesso aos primórdios da aventura humana sobre a Terra, forçando a que se problematize o antigo conceito de “pré-história” que antes sinalizava uma região da realidade um dia vivida que estava até então proibida aos historiadores.<br />
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De igual maneira, a partir do século XX, quando a geografia passou a atuar interdisciplinarmente com a história, mesmo uma paisagem natural passou a ser encarada como uma possibilidade documental. O mesmo se pode dizer das relações entre a história e a lingüística, que trouxeram os próprios fatos da língua para o campo das evidências históricas, e também das perspectivas que se produziram na confluência entre História e Antropologia, que permitem que se abordem como fontes históricas as evidências e heranças imateriais, já sem nenhum suporte físico e concreto, como as festas dramáticas populares e os ritos religiosos que se deslocam e perpetuam-se na realidade social, os sistemas integrados e reconhecíveis de práticas e representações, os gestos e modos de sociabilidade, os bens relacionáveis ao chamado ‘patrimônio imaterial’ (modos de fazer algo, receitas alimentares, provérbios e ditos populares, anedotários, apenas para citar alguns exemplos).<br />
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É certo que houve um longo desenvolvimento historiográfico até que chegasse o momento em que, para além dos documentos e fontes concretizadas em papel ou qualquer outro material, fossem também admitidas as ‘fontes imateriais’ como campos de evidências das quais poderia o historiador se valer. De todo modo, pode-se dizer que nos dias de hoje não há praticamente limites para um historiador quanto à possibilidade de transformar qualquer coisa em fonte histórica. Um repertório de gestos, por exemplo, pode ser revelador de permanências do passado. Lembremos o hábito de cumprimentar tirando o chapéu, que provém do repertório de atitudes medievais: quando um cavaleiro cumprimentava o outro, tirava o elmo em sinal de que suas intenções eram pacíficas (sem o elmo, peça bélica defensiva, manifestava algo como uma proposta de desarmamento). Foram-se as batalhas e os elmos, e veio a sociedade oitocentista dos chapéus burgueses. O gesto, contudo, manteve-se incrustado no repertório de atitudes, e mesmo com os chapéus em desuso ainda permanece como um movimento que toca a testa como que para tirar o “elmo imaginário”. É assim que, em certos hábitos enraizados, expressos na vida cotidiana e na prática comportamental – também aí poderemos ir buscar uma fonte, uma evidência ou um testemunho do passado.<br />
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A ampliação documental foi uma conquista gradual dos historiadores; verificou-se à medida que a própria Historiografia expandia seus limites no decurso do século XX. O historiador adotava novas perspectivas, passava a dispor de novos métodos e a contar com o intercurso de outras disciplinas (Geografia, Lingüística, Psicologia – apenas para mencionar três dos campos relacionados aos exemplos antes expostos: a paisagem, a palavra e o gesto). Tudo isto e mais o interesse por novos objetos, até então desprezados pela historiografia tradicional, fez com que a historiografia contemporânea caminhasse para necessitar cada vez mais de outras fontes ou documentos que não só as crônicas e registros arquivísticos. Assim, se os Arquivos são fundamentais para o trabalho dos historiadores, eles estão longe de serem suficientes para fornecerem tudo o que os historiadores necessitam para o seu trabalho. Na verdade, a questão de pesquisar ou não em fontes de arquivos tem muito mais a ver com o objeto ou com os problemas históricos que estão sendo examinados do que qualquer outra coisa.<br />
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Tem a ver com esta questão, aliás, outra palavra que muito freqüentemente é empregada como sinônimo de fonte histórica: ‘documento histórico’. Na verdade, há algum tempo atrás esta palavra era até mais comum no linguajar do historiador do que ‘fonte histórica’; e, antes dela, até a historiografia do século XVIII, predominava uma outra palavra: "monumento". A expressão ‘documento histórico’, que se tornou muito típica no século XIX, mas que continuou a ser usada com sentidos ampliados no século XX, estava primordialmente muito relacionada tanto com os arquivos que começaram a ser organizados sistematicamente na época, como também com a maneira como então se concebia a História. Esperava-se que o historiador documentasse, no sentido jurídico, todas as afirmações que fizesse no decorrer de sua narrativa histórica. Daí a palavra “documento”, que, além de possuir uma origem jurídica, estava muito associada à idéia de prova, de “comprovação”.<br />
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Hoje em dia, empregam-se indistintamente as expressões “fonte histórica” ou “documento histórico”. Mas nota-se uma certa tendência à preferência cada vez maior pela expressão “fonte histórica”, talvez porque a expressão “documento histórico” tenha ficado um pouco associada à historiografia positivista, e um pouco também porque o historiador não espera mais dos materiais e evidências que lhes chegam do passado apenas ou necessariamente uma “prova”, encarando também as fontes como discursos a serem analisados ou redes de práticas e representações a serem compreendidas. Por isto, tende-se freqüentemente à utilização da palavra “fonte” na atual prática historiográfica. Em contrapartida, quando um historiador utiliza nos dias de hoje a palavra ‘documento histórico’, ele pode estar se referindo a qualquer tipo de fonte histórica, e não apenas àqueles tipos mais específicos de documentos textuais que os positivistas priorizavam.José D'Assunção Barroshttp://www.blogger.com/profile/14616369888767129715noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-4699005453965610630.post-62053291043493721752011-01-01T15:54:00.000-08:002011-01-06T19:21:59.261-08:00Hipóteses e História: exemplificação a partir de um caso da História da AméricaNeste texto, vamos compreender a possibilidade de utilizarmos hipóteses na História (ou nas ciências humanas, de modo geral) a partir de um exemplo mais específico.<br /><br />Na História da Conquista da América, um dos problemas mais intrigantes e fascinantes que têm sido enfrentados pelos historiadores é o de tentar entender como impérios tão bem organizados como o dos astecas e o dos incas, habitados por milhões de nativos, foram derrotados nas primeiras décadas do século XVI por apenas algumas centenas de soldados espanhóis em tão curto espaço de tempo e com tão aparente facilidade .<br /><br />As hipóteses que têm sido propostas como respostas possíveis a este problema são muitas, “indo desde a inferioridade do armamento indígena (Las Casas), até as divisões políticas no interior desses impérios (Bernal Díaz, Cieza de León); desde os erros de estratégia militar apontados para explicar a derrota de Atahualpa em Cajamarca (Oviedo), até as sofisticadas explicações dos estudiosos modernos que consideram a derrota dos índios como conseqüência de sua incapacidade de decodificar os signos dos conquistadores (Todorov)” (BRUIT, 1994: 18).<br /><br />Vamos retomar este problema da História da América, pois ele nos ajudará a entender a importância das hipóteses para acondução de uma pesquisa, e também a entender - já no âmbito mais específico da historiografia - o que é propriamente uma hipótese.<br /><br />Perguntaremo-nos pelo fator ou pela combinação de fatores que teriam favorecido este acontecimento, tão significativo para o destino subseqüente do continente americano. Nesta formulação, o Problema apresentado ocupará a primeira parte do enunciado, enquanto a parte subsequente, depois das reticências, deverá ser preenchida pela redação pertinente a cada uma das diversas hipóteses que se apresentam como soluções satisfatórias para a questão imaginada, ou ao menos como caminhos de investigação possíveis. Pensemos neste conjunto formad por um problema específico, e pelas suas possíveis hipóteses, a partir do seguinte esquema visual:<br /><br /><br /><br /><br /><br /><br /><br /><br /><br /><br /><br /><br /><br /><br />Quadro 1: Um problema e suas hipóteses<br /><br /><br />Basta substituir o segundo termo (depois das reticências ...) por qualquer das alternativas propostas, ou por uma combinação de duas ou três das alternativas propostas, e teremos diversas possibilidades para o mesmo problema. O círculo à esquerda enquadra o problema proposto, que é também a primeira parte de uma hipótese a ser redigida. À direita, são apresentadas algumas respostas possíveis para o problema, que constituem a segunda parte da redação proposta para a Hipótese a ser formulada. Assim, uma das várias hipóteses indicadas no esquema (a célebre hipótese de Todorov, no livro "A Conquista da América") poderia ser redigida da seguinte forma:<br /><br />"a sujeição de milhões de nativos meso-americanos, organizados em impérios centralizados e desenvolvidos como o dos astecas, em curto espaço de tempo e para apenas algumas centenas de soldados espanhóis, ... deveu-se fundamentalmente à dificuldade dos astecas em lidar com a alteridade e com o choque cultural produzido pelo seu contato com os conquistadores."<br /><br />Em diversas ocasiões uma hipótese apresenta este tipo de formato redacional, particularmente as que buscam compreender as relações entre um acontecimento ou fenômeno e os fatores dominantes que o tornaram possível. O próprio problema pode aparecer neste caso como o primeiro termo da hipótese, e a solução provisória ou resposta antecipada pode corresponder ao termo subseqüente. Por ora, o aspecto importante a ressaltar – com relação à exemplificação que propomos – é que inúmeros historiadores têm proposto para o problema da Conquista da América diversas hipóteses, como estas ou outras, e, ainda mais freqüentemente, combinações de hipóteses que buscariam dar uma explicação complexa ou multifatorial para o problema formulado. Para sustentar as hipóteses propostas, estes historiadores têm desenvolvido argumentações diversificadas, apoiando-se em fontes diversas, analisando-as com metodologias variadas, e abordando o problema a partir de quadros teóricos específicos.<br /><br />A bem dizer, a formulação de hipóteses explicativas diversas para o processo da Conquista da América começou a ocorrer já desde a época dos próprios acontecimentos. Bernal Diaz, que acompanhou a expedição de Cortês, dá o ponto de partida nas hipóteses que procuram explicar o sucesso da Conquista em termos de uma extrema habilidade e coragem dos conquistadores espanhóis, o que é compreensível, uma vez que este historiador e participante da expedição não poderia senão defender o ponto de vista dos conquistadores espanhóis. Bem mais tarde, no século XIX, veremos ressurgir vigorosamente esta hipótese que buscava essencialmente enaltecer os conquistadores, particularmente com o setor da historiografia que ficou conhecido como responsável por produzir uma “História dos Grandes Homens” – essa história na qual os grandes personagens históricos eram os principais responsáveis pelos acontecimentos. Assim, William Prescott, um historiador que escreve sobre a Conquista da América em 1843 (PRESCOTT, 1909), iria atribuir o sucesso da empresa da Conquista da América às façanhas de Cortês e de seus homens, e mesmo no século XX, quando ocorreria uma crítica contumaz à História dos Grandes Homens, esta hipótese ainda estaria sendo reformulada algumas vezes .<br /><br />Já a hipótese da ‘superioridade bélica’ (2) – que em alguma medida deve entrar em qualquer análise sobre a Conquista da América – não poderia rigorosamente, sozinha, explicar a rapidez do processo e a intensidade da devastação, e nem tampouco o fato contundente de que os espanhóis tiveram de enfrentar uma descomunal desproporção diante de milhões de astecas contra apenas algumas centenas de soldados espanhóis. Essa hipótese, importante mas não suficiente, dificilmente pode ser convincente quando não articulada a outras, como por exemplo a hipótese indicada com o número ‘4’, e que postula que ‘divisões políticas no interior das sociedades astecas favoreceram ou foram exploradas habilmente pelos espanhóis’.<br /><br />Aliás, existem nuances possíveis dentro desta mesma hipótese. Quando se diz que os espanhóis souberam explorar as divisões existentes nas sociedades mexicanas e as rivalidades recíprocas entre alguns povos da região, coloca-se os conquistadores espanhóis no centro do palco, como atores principais, e escreve-se uma história do ponto de vista europeu . Quando se propõe que havia previamente uma guerra civil indígena que enfraquece o império asteca, e que daí surgem condições para os espanhóis impingirem sua dominação, desloca-se o conquistador espanhol para uma espécie de papel coadjuvante, e faz-se dos astecas e seus inimigos indígenas os atores centrais da trama. A história é contada do ponto de vista asteca, e a chegada dos espanhóis entra como um acontecimento externo, e não o contrário .<br /><br />Existe ainda a célebre hipótese de Todorov sobre o choque cultural, que, embora impactante para as duas civilizações que se encontraram no confronto entre espanhóis e astecas, teria favorecido no fim das contas os espanhóis. Afinal, os astecas, até o momento da chegada dos espanhóis à América, não conheciam senão povos relativamente parecidos com eles mesmos. Já os espanhóis, àquela altura de sua história, já conheciam populações muito distintas das populações européias, como as asiáticas, africanas, islâmicas. Os espanhóis, por assim dizer, tinham uma inegável experiência maior com a alteridade.<br /><br />É preciso acrescentar ainda que um historiador não precisa se ater a uma única hipótese sobre determinado processo. Ele pode combinar um certo conjunto possível de hipóteses. Por exemplo, um historiador poderia postular que o que conduziu o processo da Conquista a se dar tal como se deu foi uma combinação de fatores: a superioridade bélica,o choque cultural, e a exploração espanhola da diversidade asteca. Um historiaDOR pode combinar duas, três, quatro ou mais hipóteses na sua interpretação de determinado processo histórico. isso amplia ainda mais o universo de alternativas hipotéticas em um caso como este que estamos investigando.<br /><br />Com relação à temática trazida a exemplo, possivelmente, nunca se chegará a uma explicação sobre a Conquista da América que seja considerada mais pertinente do que todas as outras. Na verdade, a elaboração do conhecimento histórico consiste precisamente neste permanente re-exame do passado com base em determinadas fontes e a partir de determinados pontos de vista. As hipóteses na História ou nas Ciências Sociais dificilmente podem adquirir a aparência de verdades absolutas (se é que existem verdades deste tipo), porque há um espaço muito evidente de interpretação a ser preenchido pelo historiador ou pelo sociólogo na sua reflexão sobre problemas sociais do presente ou do passado. Em tempo: o que pode ser confirmado como afirmações indiscutíveis são determinados dados ou enunciados empíricos, mas não as proposições problematizadas que relacionam ou interpretam estes dados empíricos. Por isto mesmo, podemos dizer que a História corresponde a um conhecimento. interpretativo.<br /><br />...<br /><br />Para ler o texto completo sobre "O Uso de Hipóteses nas Ciências Humanas", acesse<br /><a href="http://ning.it/grnXjG">http://ning.it/grnXjG</a><br /><br />[BARROS, José D'Assunção. “As Hipóteses nas Ciências Humanas – considerações sobre a natureza, funções e usos das hipóteses” in Sísifo (Revista de Ciências da Educação da Universidade de Lisboa). 2008. n°7, p.151-162. <a href="http://ning.it/grnXjG">http://ning.it/grnXjG</a><br /><br />_______________________________<br /><br />BARROS, José D'Assunção. O Projeto de Pesquisa em História. Petrópolis: Editora Vozes, 2011, 7a edição.<br /><br />BRUIT, Hector. O Trauma de uma Conquista Anunciada. In GEBRAN, P. e LEMOS M. T. (orgs.) América Latina: Cultura, Estado e Sociedade. Rio de Janeiro: ANPHLAC, 1994.<br /><br />PRESCOTT, W. Conquest of México. Londres: Dent, 1909.<br /><br />TODOROV, T. A Conquista da América – a questão do outro. São Paulo: Martins Fontes, 1993.José D'Assunção Barroshttp://www.blogger.com/profile/14616369888767129715noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-4699005453965610630.post-57737134737413478742011-01-01T12:45:00.000-08:002015-04-06T20:56:34.745-07:00Hipóteses: na Filosofia, na Ciência e na vida cotidianaConceitos, conforme vimos em texto anterior, são instrumentos imprescindíveis para o historiador que pretende formular interpretações sobre realidades históricas específicas, ou para qualquer cientista social nos seus diversos campos de saber. Os conceitos fazem parte da Teoria, da visão de mundo do historiador. Os historiadores, além disto, lidam com outros instrumentos importantes para a operacionalização do seu trabalho, seja no que se refere ao âmbito da Teoria, seja no que concerne à instância da Metodologia.<br />
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Um recurso particularmente importante para os historiadores - assim como para os demais praticantes de ciências humanas, e também de outras modalidades do saber científico - é o uso de "hipóteses" como elementos importantes para a orientação da pesquisa. É sobre este recurso que discorreremos neste texto. Compreender como utilizar hipóteses na pesquisa é bastante importante, uma vez que, conforme veremos, as hipóteses estabelecem uma espécie de ligação entre a Teoria e a Metodologia.<br />
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Em um livro sobre Metodologia da História, intitulado "O Projeto de Pesquisa em História" (Editora Vozes, 2011, 7a edição), desenvolvi um capítulo que busca esclarecer mais sistematicamente o lugar da hipótese na pesquisa histórica, nas ciências humanas de modo mais geral, ou mesmo no conhecimento científico como um todo. Retomarei este texto a seguir.<br />
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Vejamos, em primeiro lugar, o que significa “hipótese” do ponto de vista da Filosofia e da Ciência, ou mesmo na vida cotidiana. Conforme se sabe, a investigação científica no Ocidente tem se edificado basicamente em torno da intenção de resolver “problemas” bem delineados, que grosso modo constituem o ponto de partida do próprio processo de investigação. Com a História, desde que ela assumiu o projeto de ser uma ciência, não tem sido muito diferente. Isto se tornou, aliás, cada vez mais característico da historiografia ocidental – sobretudo a partir do século XX, quando se superou a História Narrativa ou Descritiva do século XIX em favor de uma “História-Problema”. Já não existe sentido, para a historiografia profissional de hoje, em narrar simplesmente uma seqüência de acontecimentos, se esta narrativa não estiver problematizada.<br />
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A formulação de hipóteses, no processo de investigação científica, é precisamente a segunda parte deste modo de operar inaugurado pela formulação de um problema. Antes de mais nada, a hipótese corresponde a uma resposta possível ao problema formulado – a uma suposição ou solução provisória mediante à qual a imaginação se antecipa ao conhecimento, e que se destina a ser ulteriormente verificada (para ser confirmada ou rejeitada).<br />
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A hipótese é na verdade um recurso de que se vale o raciocínio humano diante da necessidade de superar o impasse produzi-do pela formulação de um problema e diante do interesse em adquirir um conhecimento que ainda não se tem. É um fio condutor para o pensamento, através do qual se busca encontrar uma solução adequada, ao mesmo tempo em que são descartadas progressivamente as soluções inadequadas para o problema que se quer resolver.<br />
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Um exemplo extraído da vida cotidiana poderá ajudar na compreensão deste uso das hipóteses ao longo de um raciocínio que visa resolver ou esclarecer um problema. Suponhamos que em uma determinada noite alguém está assistindo a um programa de televi-são, com as luzes apagadas, e que de repente a imagem do aparelho de TV se apaga, interrompendo o filme e deixando a sala às escuras, já que o televisor era o único foco de iluminação. Diante desta perturbação, o dono da casa formula um problema claramen-te delineado: o que terá levado a televisão a se apagar?<br />
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Para sair deste impasse, ele formula uma primeira hipótese. Talvez a tomada do televisor tenha se soltado da parede, interrom-pendo o fluxo de energia. É uma hipótese que pode ser facilmente verificada. Ele se levanta e vai até a tomada, quando verifica imediatamente que ela ainda está lá, corretamente conectada. Descartada esta hipótese, ele formula uma outra. Talvez tenha sido o tubo de imagens do televisor que, já antigo, não resistiu mais esta noite.<br />
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Como não entende de eletrônica, e não poderá verificar diretamente esta nova hipótese examinando os circuitos internos do aparelho de TV, o dono do televisor tem a idéia de caminhar até o interruptor da sala para acender a luz: se a luz se acender, é porque o problema é somente com a televisão (e neste caso será preciso chamar no dia seguinte um técnico, para saná-lo). Mas se também a luz da sala não se acender, por hipótese haverá um problema com a energia geral do apartamento, e o desligamento do televisor será apenas um de seus aspectos. Ele se levanta e, ao testar o interruptor, verifica que a luz não se acende, demonstrando que a hipótese válida é mesmo a de que interrupção da imagem da TV corresponde a uma interrupção na energia do apartamento.<br />
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Mas o que terá ocasionado então a interrupção de energia globalmente no apartamento? O problema continua colocado e clamando por soluções (ou, melhor dizendo, o problema é agora recolocado em termos mais precisos: não se trata de um problema só com o televisor, mas sim com o apartamento na sua totalidade). Quem sabe não foi o disjuntor geral do apartamento que se queimou? Eis aqui uma nova hipótese, da qual se pode verificar a exatidão de sua proposição através de um método ou operação bastante simples: substituir o disjuntor antigo, que hipoteticamente teria se queimado, por um novo. Feita a substituição, percebe-se que a luz continua apagada, e que portanto esta nova hipótese formulada não resistiu à verificação.<br />
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Quem sabe, então, se a luz do apartamento não foi cortada por falta de pagamento à Companhia de Energia Elétrica? O método para verificar esta hipótese é rapidamente encontrado: através de uma ligação telefônica, o dono do apartamento verifica junto a um serviço de gravações da Companhia de Energia Elétrica que os seus pagamentos estão em dia, e que portanto a sua energia não foi cortada por este motivo (também poderia ter comprovado isto por outro método: o de examinar os seus recibos bancários para verificar se estavam em dia). Se tivesse vingado a hipótese do corte de energia elétrica por falta de pagamento, as ações do investigador tomariam um novo rumo: seu novo problema seria o de sanar esta situação, o que poderia ser feito no dia seguinte pagando a conta de luz em um banco. Mas como não foi o caso, permanece em aberto a indagação sobre as verdadeiras razões da interrupção de energia, e a investigação prosseguirá neste mesmo rumo.<br />
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Uma última hipótese é a de que o problema não seja só com o seu apartamento, mas com todos os apartamentos daquela rua. Por algum motivo, pode ter sido interrompido o fornecimento de energia elétrica àquele setor da cidade. O primeiro método para verificar isto é levantar as persianas para examinar a vizinhança. Realmente, ele percebe em um relance de olhos que não há ilumi-nação em nenhum dos prédios de sua rua. Confirma-se a hipótese de que existe realmente um problema mais geral no fornecimento de energia elétrica. Para se aproximar de uma compreensão ainda mais plena da extensão do problema, ele se utiliza novamente do telefone e, entrando em contato com outro setor da Companhia de Eletricidade, recebe de um funcionário a informação precisa de que ocorreu um acidente que afetou a fiação que fornece eletricidade àquele setor da cidade, mas que dentro de vinte minutos este im-pedimento já estará resolvido. O problema chegou ao fim, depois de terem sido testadas algumas hipóteses e se verificado que uma delas correspondia à realidade.<br />
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Este exemplo, imaginado a partir de uma situação da vida cotidiana, permitirá esclarecer alguns aspectos sobre a utilização de hipóteses. Em primeiro lugar, pudemos perceber que todas as hipóteses são provisórias. Elas foram formuladas na tentativa de antecipar uma solução possível ao problema, e foram submetidas em seguida a um processo de verificação que buscou comprová-las ou rejeitá-las. Rejeitada, uma hipótese cede lugar a outra mais verossímil, que será submetida também a um processo de verificação. Deste modo, a formulação de uma Hipótese não inclui uma garantia de verdade.<br />
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Nesta mesma linha, deve ser considerado que a Hipótese não é uma evidência, mas sim uma suposição. Se o vidro do tubo de imagens tivesse se partido em pedaços quando ocorreu a interrupção da imagem, ficaria evidente de maneira imediata e óbvia que o problema ocorrera com o televisor, e não com o fornecimento de luz. Isto não seria mais uma hipótese, mas uma afirmação incontestável que não tem qualquer necessidade de verificação, por ser demais evidente. Trata-se antes de um ‘enunciado empírico’* de comprovação direta e imediata. Uma hipótese, ao contrário, é uma sentença que se propõe para um teste de verificação, ou que traz consigo possibilidades efetivas de ser verificada. Nisto a Hipótese também se distingue da mera Conjectura*, que embora também não corresponda a uma evidência imediata, não se pode ou não se pretende submetê-la à verificação.<br />
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Para o exemplo proposto, foi possível refutar a hipótese do corte por falta de pagamento através de um telefonema. Mas imaginemos que também as linhas de telefone não estivessem funcionando, ou que o apartamento não tivesse um telefone que pudesse ser utilizada. Neste caso, como a suposição não poderia ser verificada, não passaria de mera “conjectura”. Para que uma simples conjectura salte para a qualidade de hipótese, é preciso que ela traga consigo as possibilidades de uma verificação sistemática.<br />
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A formulação da suposição de que existe vida em Saturno, por exemplo, constitui no atual estado do conhecimento humano uma mera conjectura, que pode ser feita pelos autores de ficção científica. Ela só poderá passar a ser uma hipótese quando surgi-rem meios efetivos que permitam comprová-la. Se um dia for con-firmado, de maneira definitiva e incontestável, que existe efetiva-mente vida no planeta Saturno, a afirmação deixará de ser uma hipótese e passará a constituir um conhecimento adquirido. Também ocorrem casos em que uma hipótese comprovada (ou aparentemente comprovada) passa a ser aceita como uma “lei” em um determinado sistema científico (a “seleção natural” é uma “lei” para os darwinistas).<br />
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Voltando ao exemplo atrás proposto, pudemos perceber que, para ser verificada, foi utilizado para cada hipótese um método específico. Por exemplo, para verificar se a queda de energia não se deu em virtude da queima de um disjuntor, procedeu-se à sua substituição por um outro. Houve também momentos em que mais de um método poderia ter sido usado, alternativamente, para con-firmar ou rejeitar uma hipótese. Por exemplo, para verificar se o fornecimento de luz não foi interrompido por falta de pagamento, tanto se poderia utilizar o método de consulta junto à Companhia de Eletricidade, como o método de checar os recibos bancários para verificar se todos os pagamentos estavam em dia. Para verifi-car se o problema era só com o apartamento, tanto se pôde examinar a vizinhança para verificar se não havia problemas similares com os demais apartamentos da rua, como se pôde consultar por telefone a Companhia de Eletricidade.<br />
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Uma hipótese, conforme a sua natureza, encaminha o pesquisador para a utilização destes ou daqueles métodos (não necessariamente um apenas, mas de qualquer modo sempre métodos adequados ao tipo de hipótese proposta). Portanto, é ela que em última instância orienta o pesquisador na escolha dos métodos. Da mesma maneira, a utilização de hipóteses no exemplo considerado permitiu ao investigador que este desenvolvesse uma linha de ação concreta, desfazendo uma situação de imobilidade inicial. Dito de outra forma, cada hipótese forneceu a seu tempo uma direção para a pesquisa. Mesmo quando não comprovada, cada hipótese testada mostrou ser um eficiente instrumento para o encaminhamento da pesquisa, permitindo que se chegasse, ao final de um processo dedutivo de hipóteses interligadas, à solução definitiva do problema.<br />
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Ainda com relação aos processos de verificação de cada hipótese, vimos que estes puderam ser encaminhados em alguns casos através da observação de suas possíveis conseqüências (examinando dados empíricos como a correta conexão da tomada do televisor ou como a presença de outras luzes apagadas nos edifícios da vizinhança). Assim, para que o problema fosse só com o televisor, seria necessário que nenhum outro eletrodoméstico tivesse sido afetado. Da mesma forma, se o problema fosse só com o apartamento, o restante da vizinhança não deveria estar afetado. Portanto, examinando-se a conseqüência que seria necessária para que uma hipótese fosse verdadeira e observando que empiricamente os dados não a confirmavam, pôde se deduzir que a hipótese geradora seria falsa. Ou, ao contrário, se ao ser examinada a conseqüência necessária da hipótese fosse verificado que ela ocorre, ter-se-ia o sinal de uma possível veridicidade da hipótese, ou ao menos uma sinalização para continuar a investigação nesta direção.<br />
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Para dar um exemplo já dentro do campo da História, suponhamos a hipótese de que, ‘no século XVIII, o período revolucionário francês foi precedido por uma alta secular e geral de preços”. Para que esta hipótese seja rigorosamente verdadeira, é preciso que o preço do trigo em Marselha tenha tido uma alta no período, que o preço dos cereais na Provença tenha sofrido aumentos análogos, e assim por diante. Caso contrário, não teria ocorrido efetivamente uma alta geral dos preços. Se também em um certo número de cidades a alta de preços tiver correspondido apenas às duas últimas décadas do século, neste caso também não teria ocorrido uma alta secular dos preços. A afirmação de que ocorreu uma alta de preços simultaneamente geral e secular deve resistir nestes casos a um exame da verificabilidade das conseqüências que esta afirmação hipotética implicaria (generalidade relativa aos produtos e secularidade em relação à abrangência do recorte temporal). Em suma: para que tal ou qual hipótese seja verossímil, é preciso que todas as suas conseqüências necessárias se mostrem confirmáveis com dados empíricos.<br />
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Retomemos o exemplo da falta de energia atrás aventado. Naquele caso, outro meio além da observação pôde ser utilizado para a verificação das hipóteses. Tratou-se, em um caso ou outro, de proceder também à experimentação. Foi o caso, por exemplo, quando se experimentou um disjuntor no lugar do outro para ver se este não estava queimado. A experimentação é uma espécie de intervenção do pesquisador na realidade. Enquanto na observação o pesquisador examina os fenômenos nas condições em que eles se apresentam, na experimentação o pesquisador examina os fenômenos em condições determinadas ou produzidas por ele mesmo. É a diferença entre observar a realidade através da janela do apartamento e experimentar uma peça no lugar de outra para ver se há um defeito com a primeira.<br />
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Experimentação e observação sistemática, diga-se de passagem, são os dois procedimentos básicos utilizados nos métodos científicos. Ciências como a Física ou a Química costumam em-pregar freqüentemente a experimentação. Ciências como a História costumam se ater aos processos de observação sistematizada (neste caso, examinando dados obtidos das fontes e analisando-os com métodos diversos).<br />
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Examinemos até aqui o que já sabemos sobre as Hipóteses, não mais considerando o seu uso na vida cotidiana, mas sim na Filosofia e na Ciência. Sabemos por exemplo o que a Hipótese não é. Ela não é um mero enunciado empírico (embora possa ser com-provada precisamente pela investigação de um enunciado empírico) . A hipótese também não é uma evidência incontestável, e é por isto mesmo que necessita de demonstração. Neste sentido, a Hipótese difere do Axioma*, que na linguagem filosófica corresponde a um princípio indemonstrável mas considerado imediatamente evidente por todos aqueles que lhe compreendem o sentido.<br />
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Assim, não é uma hipótese a afirmação de que “todos os homens são mortais” (no sentido da conservação do corpo físico). Não temos aqui uma hipótese porque, por um lado, esta afirmação seria indemonstrável (para demonstrá-la seria preciso matar todos os homens, e não sobraria nenhum para concordar com a demonstração). Por outro lado, esta afirmação tem uma dimensão axiomática, já que ela parece evidente a qualquer um pelo simples fato de que não se conhece o caso de nenhum homem que, depois de de-terminado período de vida, tenha escapado à morte do corpo físico.<br />
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A Hipótese, por outra parte, é mais do que uma Conjectura, já que está ligada à idéia de que pode ser submetida a um processo de verificação, onde se poderá comprovar ou refutar a sua veridicidade. Dizer que existiu uma sociedade em algum ponto do pas-sado que foi chamada Atlântida e que submergiu sob as águas devido a um grande cataclismo seria, no atual estado dos conhecimentos científicos, mera conjectura, uma vez que não existe ao que se saiba nenhum elemento historiograficamente aceitável para comprovação desta afirmação.<br />
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Para que uma conjectura salte para o status de hipótese, é preciso que haja meios ou possibilidades de comprová-la; em História isto está ligado à presença de fontes, e às possibilidades efetivas de submetê-las a uma análise mais sistemática para posterior interpretação. As conjecturas têm menor valor científico. Elas só são admitidas para preencher os espaços vazios do conhecimento que sequer as hipóteses conseguiram preencher, e mesmo assim existe uma tendência na atitude científica ocidental m rejeitar o uso de meras conjecturas dentro de uma explicação científica .<br />
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A Hipótese deve portanto se conservar eqüidistante em relação à ‘ficção’ livremente concebida e aos ‘fatos’ evidentes ou inquestionavelmente comprovados. Ela está neste ‘caminho do meio’: traz em si o potencial imaginativo da ficção (mas sempre par-tindo de bases verossímeis e fundamentadas), e a possibilidade de ser comprovada em algum momento por fatos concretos que deve-rão ser discutidos argumentativamente. A Ficção e a Evidência são os horizontes em relação aos quais a Hipótese marca sua distância. Da mesma forma, pode-se dizer que a Hipótese vale-se da imagi-nação e dos fatos, mas não se confunde com eles.<br />
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É também em função de sua ligação a um processo de verificação ou demonstração que a Hipótese distingue-se da figura filosófica do Postulado, que é uma proposição que se faz admitir dentro de uma argumentação, com o assentimento do ouvinte, embora se reconheça que esta proposição não é nem suficientemente evidente para que seja impossível colocá-la em dúvida (como o axioma) e nem passível de demonstração (como a hipótese).<br />
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A Hipótese, para resumir o que foi visto até aqui, é uma asserção provisória que, longe de ser uma proposição evidente por si mesma, pode ou não ser verdadeira – e que, dentro de uma elaboração científica, deve ser necessariamente submetida a cuidadosos procedimentos de verificação e demonstração. Constitui-se em um dos elos do processo de argumentação ou investigação (na pesquisa científica ela é gerada a partir de um problema proposto e desencadeia um processo de demonstração depois da sua enunciação). É por isto que, etimologicamente, a palavra “hipótese” significa literalmente “proposição subjacente”. O que se “põe embaixo” é precisamente um enunciado que será coberto por outros, ou por uma série articulada de enunciados, de modo que a Hipótese desempenha o papel de uma espécie de fio condutor para a construção do conhecimento.<br />
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Apesar do seu caráter provisório, a Hipótese tem sido a base da argumentação científica e desempenha uma série de funções dentro da pesquisa e do desenvolvimento do conhecimento científico, como se verá mais adiante ...<br />
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[O presente texto foi extraído de BARROS,José D'Assunção. O Projeto de Pesquisa em História. Petrópolis: editora Vozes, 2011, 7a edição]<br />
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Veja um artigo que aprofunda este tema, mais especificamente abordando "As Hipóteses nas Ciências Humanas", em: <a href="http://ning.it/grnXjG">http://ning.it/grnXjG</a><br />
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Referências Bibliográficas:<br />
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BARROS, José D'Assunção. “As Hipóteses nas Ciências Humanas – considerações sobre a natureza, funções e usos das hipóteses” in Sísifo (Revista de Ciências da Educação da Universidade de Lisboa). 2008, n°7, p.151-162. <a href="http://ning.it/grnXjG">http://ning.it/grnXjG</a><br />
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BARROS, José D'Assunção. O Projetode Pesquisa em História. Petrópolis: editora Vozes, 2005.José D'Assunção Barroshttp://www.blogger.com/profile/14616369888767129715noreply@blogger.com1tag:blogger.com,1999:blog-4699005453965610630.post-86700011885777782252010-12-27T17:16:00.000-08:002011-02-02T19:14:29.682-08:00Anacronismo<div jquery1296699306203="131">O que é o Anacronismo? Em que momentos é legítimo trabalhar com categorias da própria época do historiador para analisar a História, e em que momentos o historiador desavisado desliza para a prática do Anacronismo - que corresponde à projeção indevida de um tempo sobre o outro? Como saber a diferença entre as duas situações?</div><div jquery1296699306203="131"><br />
</div><div jquery1296699306203="131">No post anterior (<a _mce_href="http://ning.it/hxFuZD" href="http://ning.it/hxFuZD">http://ning.it/hxFuZD</a>), discutíamos os usos dos conceitos pela História, e tocamos em uma questão importante para a formação dos historiadores, que era precisamente a necessidade de evitar isto que muitos teóricos costumam identificar como o pecado capital da historiografia: o Anacronismo. Na ocasião, evoquei como exemplo a palavra e o conceito de "feminismo", e seu uso indevido para sociedades anteriores ao século XX. Vamos retomar este exemplo, e imaginar que alguém proponha, como tema de Monografia ou de Tese, estudar "O Feminismo na Grécia Antiga" - predispondo-se a examinar as mulheres feministas da Atenas Clássica.</div><br />
Porque isto é um Anacronismo? Simplesmente porqueneste caso, eu estou pressupondo que fazia parte do ambiente mental das mulheres da Grécia Antiga uma categoria de nossa própria época - surgida no contexto das lutas sociais das mulheres no século XX, da expansão da mulher pelo mercado de trabalho, e da sua conquista de direitos políticos. O Feminismo é um fenômeno das sociedades ocidentais contemporâneas, é inclusive um movimento sócio-político-cultural datado de nossa época, com manifestos específicos, uma concepção teórica, um certo diálogo de idéias e um inventário de ações específicas. Uma mullher da Grécia Antiga não podia ser feminista, mesmo no sentido lato desta palavra, da mesma maneira que Átila não podia ser "nazista". Quando alguém diz estes absurdos, está efetivamente projetando algumas categorias de nossa época dentro da cabeça, das ações e do ambiente social de seres humanos que não podiam pensar de acordo com estas categorias.<br />
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Vou tomar a liberdade de citar uma passagem do meu próprio livro, "O Campo da História" (2004):<br />
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"O que o historiador não deve fazer, com vistas a evitar os riscos do anacronismo, é inadvertidamente projetar categorias de pensamento que são só suas e dos homens de sua época nas mentes das pessoas de determinada sociedade ou de um determinado período. Para compreender os pensamentos de um chinês da época dos mandarins, terei de me avizinha dos códigos que (tanto quanto me for possível perceber) regeriam o universo mental dos chineses. Este exercício de compreender o 'outro chinês' é que tem que ser feito. Mas não é a análise que tem que ser chinesa" (BARROS, José D'Assunção. O Campo da História. Petrópolis: Editora Vozes, 2010, 6a edição, p.53).<br />
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Certa vez, na época em que eu fazia doutorado, tive uma pequena discussão acadêmica com um colega. Eu tinha utilizado, em determinado trecho de um trabalho sobre a Idade Média, uma perspectiva ou algum conceito que tinha sido proposto por Nietzsche (mas que poderia ter sido também proposto por Marx; pois apenas estou dando um exemplo). Esse colega insistia que eu estava sendo anacrônico, pois não poderia utilizar um autor como Nietzsche para falar da Idade Média (suponho que então, também não poderia utilizar Marx, que inclusive seria anterior a Nietzsche, para falar do 'modo de produção feudal'; também não poderia utilizar Koselleck, um autor recente, para falar de qualquer outra época).<br />
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Este antigo colega de doutorado, conforme penso, estava com uma compreensão totalmente equivocada sobre o que era o anacronismo. Se fôssemos adotá-la, não poderíamos utilizar as modernas técnicas da História Oral para examinar os aontecimentos a serem rememorados pelos sobreviventes do Nazismo, pois naquela época (a Segunda Guerra Mundial) não existia ainda a História Oral como subcampo disciplinar da História; não poderíamos utilizar a análise semiótica para examinar um romance do século XVIII, porque a Semiótica só surgiu na segunda metade do século XIX; não poderíamos falar em "crise do Império Romano" porque o conceito de "crise" só surgiu muito depois, na Medicina, e ainda posteriormente na História,com os trabalhos de Ernst Labrousse sobre a "crise dos preços no Antigo Regime" (ele mesmo, nesse caso, teria sido primeiro anacronista).<br />
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Tampouco poderíamos falar em "crescimento populacional" para as sociedades européias do século XIII, ou do século XV, porque o conceito de "crescimento populacional" é bem posterior. Para falar rigorosamente, não poderíamos mesmo indagar pelas condições de vida das mulheres na Grécia Antiga, se quisermos considerar que a preocupação com as condições de vida das mulheres nas sociedades misóginas constituem uma preocupação típica de nosso tempo.<br />
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<div jquery1296699306203="132">Ora. As perguntas não só podem ser de nosso tempo, como são inevitavelmente de nosso tempo. A análise também tem que ser de nosso tempo. Alguns dos conceitos utilizados para analisar uma época antiga também podem perfeitamente ser de nosso próprio tempo -embora o historiador, quando está se referindo ao "outro" através do discurso que vem das fontes, também possa utilizar conceitos de uma outra época, já que ele trabalha com os dois níveis de conceitos, tal comovimos no último post (<a _mce_href="http://ning.it/hxFuZD" href="http://ning.it/hxFuZD">http://ning.it/hxFuZD</a>). Com relação a isto, já discutimos suficientemente no texto anterior o fato de que uma das competências que precisam ser desenvolvidas pelos historiadores é saber bem a diferença: quando um determinado conceito pode ser empregado na anáise de uma outra sociedade, e quando a utilização deste conceito produz anacronismo.</div><br />
De todo modo, é fundamental entendermos que a análise, os problemas, os modos de ver, as maneiras de falar na hora em que estamos escrevendo ao nível de historiadores (e não nos momentos em que estamos escrevendo ao nível das fontes) ... tudo isso tem que estar ligado à nossa própria época. Senão, estaríamos desprezando a grande conquista da historiografia ocidental a partir da contribuição dos historicistas da segunda metade do século XIX e de praticamente todos os historiadores a partir do século XX, que foi a de perceber com clareza incontornável que a História é construída pelo historiador de um lugar social e de uma época específica, e que este lugar dá à História por ele construída uma especificidade, uma tonalidade específica, um horizonte de expectativas, uma marca que é a de seu próprio tempo e também de todo umcomplexo de intersubjetividades que o envolve.<br />
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Isso, é claro, não significa em nenhum momento desconsiderarmos o fato de que, quando examinamos as fontes históricas, não podemos em nenhuma hipótese projetar categorias de pensamento da nossa época na mente das pessoas de uma outra época. Não podemos tentar enxergar um inglês da época digital em um homem da Inglaterra Puritana. Temos que entender uma outra época nos seus próprios termos quando estamos trabalhando ao nível das fontes (mesmo Ranke já se pronunciou sobre isto nos primórdios da historiografia científica). Todavia, na hora de fechar a nossa análise, temos de retornar à nossa época. As perguntas do historiador começam na sua própria época. A partir destas perguntas ele ilumina uma outra época, tentando enxergá-la nas suas fontes; e finalmente, ao analisar estas fontes, depois de tentar compreender como viviam os homens daquele período de seu passado, ele volta à sua época para fechar a análise. Isto é História.<br />
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O "anacronismo" só se dará se o historiador deformar os materiais do passado. Não é lícito chamar Safo, a sacerditosa grega da Ilha de Lesbos, de "feminista". Não é aceitável chamar o pintor Hieronymus Bosch (1450-1516), artista neerlandês do período renascentista, de "surrealista", mesmo que ele tenha desenhado algumas criaturas fantásticas a partir de uma extraordináriia imaginação que lhe dá uma singularidade incomum entre os pintores de sua própria época. Não tem nenhum sentido tentar enxergar uma estrutura sindical entre os escravos que se rebelaram sob a liderança de Spartacus, na Roma Antiga. Estes são anacronismos. Mas posso analisar a crise econômica que favoreceu o declínio do Império Romano. Como eu disse anteriormente: tenho que tentar compreender o chinês da era dos mandarins, mas não é a análise que tem de ser chinesa.<br />
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Tanto quanto possível, devo procurar me acercar dos modos de pensar de um chinês antigo, através das fontes, e tentar compreendê-lo. Um investigador criminal, para realizar o seu trabalho, também procura penetrar na mente do criminoso, imaginar suas idiossincrasias a partir das pistas e indícios deixadas na cena do crime. Esse exercício de se colocar no lugar do outro é importante; mas não é que você tenha (ou possa) se transformar nesse outro. Um Antropólogo que não soubesse bem a diferença entre uma coisa e outra, poderia acabar se transformando em Índio (um péssimo índio, claro), e nesse mesmo instante ele deixaria de ser Antropólogo. O Investigador Criminal não pode se transformar no Criminoso. O Historiador, para estudar os Cavaleiros Templários, não precisa se vestir com a túnica desta ordem e realizar a redação de seu texto em um castelo.<br />
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Usar Computador não é Anacronismo. Valer-mo-nos das sofisticadas técnicas de serialização, e da tecnologia que permite nos dias de hoje manipular em pouco tempo todo um universo de quantificação, não é Anacronismo. Dialogar com Marx, Nietzsche, Freud, Koselleck, Marc Bloch para entretecer uma rede teórica que ilumine de um modo específico um antigo período da História é perfeitamente possível.<br />
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Desconhecer que as fontes do início do Brasil-República,ao mencionarem a palavra "operário", tem em vista algo diferente do que hoje entendemos por um operário - isso é um Anacronismo. Acreditar que os romanos da época do primeiro saque de Roma (410 d.C) tinham o mesmo tipo de desespero que que os americanos que vivenciaram a crise inspirada pelos atentados que destruíram o World Trade Center em setembro de 2001,isso seria anacronismo. Podemos até comparar contrastivamente estes eventos, mas não para confundi-los. De igual maneira, podemos utilizar perfeitamente o conceito de "crise" para entender certos aspectos da sociedade e da economia da Roma Antiga, ao nível de nossa análise historiográfica, sem pensarmos que os romanos daquela época pensavam estar em crise, no sentido que hoje atribuiríamos a esta palavra. Podemos empregar conceitos da moderna psicologia e psicanálise para analisar períodos antigos, não podemos é colocar Napoleão no Divã. Saber a diferença entre uma coisa faz parte do complexo de competências que precisa ser desenvolvidopelos historiadores em formação. Posso utilizar um conceito de Nietzsche em minha análise, não posso é projetar a "crítica do conhecimento" desenvolvida por Nietzsche na mente de um humanista do século XVI.<br />
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A habilidade do Historiador é trabalhar com duas temporalidades da maneira adequada, a sua própria, e a do período que está examinando. Também precisa saber fazer a distinção entre um conceito a ser operacionalizado ao nível de sua análise, e uma categoria de pensamento que é a dos homens de uma outra época, no momento em que está trabalhandocom as fontes e tentando compreendê-los.<br />
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<div jquery1296699306203="230"><a _mce_href="http://api.ning.com:80/files/Wq8AkCsL-EWFwbd7VX3rlqAki-Xy1g1Mby0pycBcuExZ864OEJGpSpu5OdlLJeiauQeqhXyJtLXNIAYBDLD5AxiYmrolAa4M/OCampodaHistria.capafrontal.jpg" href="http://api.ning.com/files/Wq8AkCsL-EWFwbd7VX3rlqAki-Xy1g1Mby0pycBcuExZ864OEJGpSpu5OdlLJeiauQeqhXyJtLXNIAYBDLD5AxiYmrolAa4M/OCampodaHistria.capafrontal.jpg" target="_self"><img _mce_src="http://api.ning.com:80/files/Wq8AkCsL-EWFwbd7VX3rlqAki-Xy1g1Mby0pycBcuExZ864OEJGpSpu5OdlLJeiauQeqhXyJtLXNIAYBDLD5AxiYmrolAa4M/OCampodaHistria.capafrontal.jpg?width=120" class="align-left" src="http://api.ning.com/files/Wq8AkCsL-EWFwbd7VX3rlqAki-Xy1g1Mby0pycBcuExZ864OEJGpSpu5OdlLJeiauQeqhXyJtLXNIAYBDLD5AxiYmrolAa4M/OCampodaHistria.capafrontal.jpg?width=120" width="120" /></a></div><div jquery1296699306203="230"><br />
</div><div jquery1296699306203="230"><br />
</div><div jquery1296699306203="230">Sobre o Anacronismo, ver BARROS, José D'Assunção. O Campo da História. Petrópolis: Editora Vozes, 2011, 8a edição.</div><br />
Visite o site do livro "O Campo da História"<br />
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...José D'Assunção Barroshttp://www.blogger.com/profile/14616369888767129715noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-4699005453965610630.post-76343982778533126672010-12-27T16:44:00.000-08:002011-02-01T19:36:23.318-08:00Os Conceitos e a HistóriaOs textos anteriores, em torno da operacionalização de conceitos nas Ciências Humanas, abordaram questões importantes sobre a conceituação em História. Quando se fala em conceitos, existe um aspecto, contudo, que é particularmente importante, e que faz a História se distinguir do que acontece com outras ciências humanas como a Sociologia, Geografia, ou a Antropologia.<br />
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Reinhart Koselleck - historiador que se especializou em uma modalidade historiográfica que hoje é conhecida como "História Conceitual" - faz uma digressão importante sobre o uso dos conceitos pelos historiadores em seu célebre livro 'Futuro Passado'. Vamos discorrer um pouco sobre estas considerações, que também são retomadas com maestria por Antoine Prost no capítulo sobre conceitos de seu livro 'Doze Lições sobre a História'.<br />
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Devemos considerar, antes de mais nada, que todo historiador trabalha com dois níveis de conceitos, e também com dois níveis de realidade, da mesma forma que seu texto é constituído em dois níveis de escrita. Isto porque o historiador (1) escreve da sua própria época, sobre uma outra época. (2) escreve seu discurso de historiador, mas incluindo o discurso de uma outra época (a época trazida pelas fontes históricas).<br />
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O historiador lida com idéias, conceitos e palavras que são de sua própria época, ou melhor - que são elaborados ao nível do discurso dos historiadores. Mas ele também lida com idéias, conceitos e palavras que são da época que está examinando. Ele só tem que saber quando está fazendo uma coisa, e quando está fazendo outra, e a partir daí refletir sobre a adequação, ou não, do conceito que está pretendendo utilizar. Isto porque o uso inadequado de conceitos pode gerar, eventualmente, um problema sobre o qual refletiremos mais adiante, em um outro texto: o do Anacronismo.<br />
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Por exemplo, vamos retomar uma reflexão de Antoine Prost sobre o assunto e considerar o conceito de "crise", aplicando-o à "crise do Antigo Regime na época da Revolução Francesa". Em 1789, a palavra "crise" não era utilizada na História. Era uma palavra que existia na Medicina, mas não na História. Quem trouxe essa palavra pela primeira vez para a História foi Ernst Labrousse, na terceira década do século XX. A palavra caiu ttão bem no gosto dos historiadores e economistas, que hoje em dia, falar em "crise econômica" tornou-se lugar comum para a História e para a Economia, e conquistou mesmo o grande público. "Crise", desta maneira, é um conceito da nossa época.<br />
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Isto não impede que nós possamos utilizar este conceito de nossa época para tentar entender uma sociedade anterior, quando não havia o conceito de crise. Podemos também utilizar a "análise estatística" para entender o movimento dos preços no século XIII, mesmo que nessa época não existisse "análise estatística". Podemos, por exemplo, utilizar o conceito de "inconsciente", que surge no século XIX, um pouco antes de Freud, para nos referimos a sociedades da antiguidade ou da Idade Média, ou do período iluminista.<br />
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Embora estas maneiras de ver as coisas - com os recursos da análise econômica, da estatística e da psicanálise - sejam típicas de nossa época, e só tenham se tornado possíveis em nossa época, isso não impede que as utilizemos para analisar uma outra época. A nossa época nos permite fazer novas perguntas. E com estas perguntas novas, só possíveis em nossa própria época, lançamos um novo olhar para o passado. Vemos este passado de maneira diferenciada de como o viram nossos pais e nossos avós, metaforicamente falando.<br />
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Por outro lado, existem casos em que o uso inadequado de um conceito pode produzir o caso do Anacronismo, que ocorre, por exemplo, quando projetamos indevidamente categorias nossas nas mentes de seres humanos do passado, que estamos tentando representar através das fontes históricas. Por exemplo, constitui grosseiro anacronismo falar em algo como "O Feminismo na Grécia Antiga". Quando fazemos isto, estamos supondo, indevidamente, que uma cidadã grega da Antiguidade podia pensar como uma feminista dos dias de hoje. Estamos, em uma palavra, projetando nas mulheres da Antiguidade um conceito nosso, datado de nosso tempo e que está inteiramente vinculado ao contexto de nossa época. Não era possível a uma mulher da Antiguidade pensar como uma feminista. O 'Feminismo' é um movimento que só poderia ter surgido no contexto das sociedades industriais, e particularmente a partir do período em que a mulher conquista um lugar reconhecido no mercado de trabalho assalariado,ao lado da afirmação de direitos políticos que a equiparariam aos homens. O Feminismo é também um "movimento" específico, com conotações culturais e políticas. Não pode ser conceituado apenas como uma forma de comportamento atemporal.<br />
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O problema com a projeção anacrônica do conceito de "feminismo" nas mulheres da Antiguidade decorre do fato de que estamos projetando uma forma de pensamento de hoje em pessoas que existiram há tempos atrás, quando estas formas de pensamento não teriam sido possíveis. Neste caso, estamos considerando um conceito pertinente ao 'nível 1' - a época do próprio historiador - como um conceito pertencente ao 'nível 2', que é o nível da época das fontes examinadas. Mas o problema mesmo é que, neste caso específico do Feminismo, ocorre uma deformação da mentalidade dos indivíduos da Antiguidade. Era possível enxergar "crise" na Grécia Antiga, mesmo que os gregos antigos não conhecessem este conceito, e isto porque a utilização deste conceito não deforma a mentalidade ou os modos de sentir e de se comportar dos gregos antigos. Mas não é possível utilizar o conceito de "feminismo" para estes mesmos gregos antigos, simplesmente porque o uso deste conceito implica em uma deformação do pensamento grego.<br />
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Saber quando o uso de um conceito implica em anacronismo ou não é de fato uma das competências mais importantes a serem desenvolvidas pelos historiadores. No próximo post, falaremos mais especificamente sobre o problema do "Anacronismo".José D'Assunção Barroshttp://www.blogger.com/profile/14616369888767129715noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-4699005453965610630.post-75710465423079642172010-12-27T16:36:00.000-08:002011-01-31T20:06:20.511-08:00'Extensão' e 'Compreensão' de um Conceito<div jquery1296529869679="267" style="border-bottom: medium none; border-left: medium none; border-right: medium none; border-top: medium none;">Conceitos,conforme discorremos em texto anterior, são instrumentos teóricos fundamentais para os diversos campos de saber, inclusive a História. O presente texto avança mais um pouco no esclarecimento sobre como podemos usar conceitos na historiografia, e sobre quais são as propriedades de um conceito. Foi extraído do livro "O Projeto de Pesquisa em História" [BARROS, José D'Assunção. O Projeto de Pesquisa em História. Petrópolis: editora Vozes, 2011, 7a edição).</div><div jquery1296529869679="267" style="border-bottom: medium none; border-left: medium none; border-right: medium none; border-top: medium none;"><br />
</div><div jquery1296529869679="267" style="border-bottom: medium none; border-left: medium none; border-right: medium none; border-top: medium none;">...</div><br />
<div style="border-bottom: medium none; border-left: medium none; border-right: medium none; border-top: medium none;"><a _mce_href="http://api.ning.com:80/files/GPAxtoQSCQOSvtUzdjXLci7MEwnSRQKvBKju5S7oejm4pgm8M7Wv0SWeq2FfAAZCapz7BoxWz7NKn8kqFrGnGa7q4NLJHSo*/OProjetodePesquisaemHistria.capafrontal.jpg" href="http://api.ning.com/files/GPAxtoQSCQOSvtUzdjXLci7MEwnSRQKvBKju5S7oejm4pgm8M7Wv0SWeq2FfAAZCapz7BoxWz7NKn8kqFrGnGa7q4NLJHSo*/OProjetodePesquisaemHistria.capafrontal.jpg" jquery1296529869679="266" style="clear: left; cssfloat: left; float: left; margin-bottom: 1em; margin-right: 1em;" target="_self"><img _mce_src="http://api.ning.com:80/files/GPAxtoQSCQOSvtUzdjXLci7MEwnSRQKvBKju5S7oejm4pgm8M7Wv0SWeq2FfAAZCapz7BoxWz7NKn8kqFrGnGa7q4NLJHSo*/OProjetodePesquisaemHistria.capafrontal.jpg?width=100" class="align-left" src="http://api.ning.com/files/GPAxtoQSCQOSvtUzdjXLci7MEwnSRQKvBKju5S7oejm4pgm8M7Wv0SWeq2FfAAZCapz7BoxWz7NKn8kqFrGnGa7q4NLJHSo*/OProjetodePesquisaemHistria.capafrontal.jpg?width=100" width="100" /></a>Do ponto de vista filosófico, todo conceito possui duas dimensões a serem consideradas: a “extensão” e a “compreensão” (às vezes também chamada de “conteúdo”). Chama-se “extensão” de um conceito precisamente ao grau de sua abrangência a vários fenômenos e objetos (seu campo de aplicação, por assim dizer); e chama-se “compreensão” de um conceito ao esclarecimento das características que o constituem. À medida que um conceito adquire maior “extensão”, perde em “compreensão”. Para deixar mais clara esta relação, exemplificaremos com um caso específico.</div><br />
Quando se conceitua “revolução” como “qualquer movimento social que se produz de maneira violenta”, dá-se a este conceito uma ‘extensão’ muito grande, que passa a abranger diversos movimentos sociais mas que, em contrapartida, reduz a sua ‘compreensão’ a dois elementos apenas (“movimento social” e “violento”). Quando definimos “revolução” como um movimento social que se produz de modo violento, implicando em mudanças efetivas nas relações sociais entre os grupos envolvidos, acrescentamos-lhe um elemento de ‘compreensão’, mas diminuímos a sua extensão, já que proposto deste modo o conceito de “revolução” passa a abranger menos movimentos sociais (excluindo os que implicam em meras trocas de poder, mas sem produzir modificações reais na estrutura social, sem falar nas meras agitações sociais).<br />
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Hannah Arendt, no seu livro "Da Revolução" (1963), combina alguns elementos essenciais à ‘compreensão’ do seu conceito de “revolução”. Para a autora, em primeiro lugar o conceito moderno de revolução “está inextricavelmente ligado à noção de que o curso da História começa subitamente de um novo rumo, de que uma História inteiramente nova, uma História nunca antes narrada está para se desenrolar” (ARENDT, 1998: 23). Atores e espectadores dos movimentos revolucionários a partir do século XVIII, passariam a ter uma consciência ou uma convicção muito clara de que algo novo estava acontecendo. É esta consciência do novo, da ruptura com o anterior, o que a autora considera essencial no moderno conceito de “revolução”.<br />
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Com este elemento essencial incorporado à “compreensão” do que chama de moderno conceito de Revolução, Hannah Arendt separa as autênticas revoluções, posteriores aos dois marcos modernos das revoluções ‘francesa’ e ‘americana’, de insurreições ou revoluções no sentido antigo, onde os homens pensavam nos seus movimentos políticos como restauradores de uma ordem natural que havia sido interrompida, e não como algo que visava à instituição do “novo” . Percebe-se que esta ampliação da ‘compreensão’ do conceito de “revolução” produziu, inversamente, uma restrição da ‘extensão’ deste conceito, que assa a excluir uma série de movimentos sociais da designação proposta.<br />
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Prosseguindo na ampliação da ‘compreensão’ do seu conceito de “revolução”, Arendt acrescenta que esta sempre envolve o desejo de obtenção da “liberdade”, noção incorporada dentro da definição de revolução e que a autora distingue muito claramente da noção de “libertação”. Enquanto a “liberdade” é conceituada em torno de uma opção política de vida (implicando em participação das coisas públicas, ou em admissão ao mundo político), a “libertação” implica meramente na idéia de ser livre da opressão (por exemplo, quando se livra um povo de uma tirania intolerável, mas sem modificar-lhe fundamentalmente as condições políticas). Assim, embora a “libertação” possa ser a condição prévia de “liberdade”, não conduziria necessariamente a ela. A noção moderna de “liberdade”, pensada como direito inalienável do homem, diferia inclusive da antiga noção de “liberdade” proposta pelo mundo antigo, relativa “à gama mais ou menos livre de atividades não-políticas que um determinado corpo político permite e garante àqueles que o constituem”.<br />
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Podemos ver, assim, que o conceito de revolução proposto por Hannah Arendt combina dois elementos essenciais, para além da mera mudança política matizada pela violência social, e mesmo da modificação na estrutura social. Devem estar presentes necessariamente a idéia de “liberdade”, na moderna acepção já discutida, e a convicção dos próprios atores sociais de que o ato revolucionário instaura um “novo começo”. Ampliada a ‘compreensão’ do conceito para esta combinação de elementos (mudança política, violência, transformação social efetiva, liberdade política, convicção de um “novo começo”), a ‘extensão’ de Revolução passa a enquadrar muito menos situações, excluindo uma série de movimentos políticos e sociais aos quais Hannah Arendt assim se refere:<br />
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“Todos esses fenômenos têm em comum com a revolução o fato de que foram concretizados através da violência, e essa é a razão pela qual eles são, com tanta freqüência, confundidos com ela. Mas a violência não é mais adequada para descrever o fenômeno das revoluções do que a mudança; somente onde ocorrer mudança, no sentido de um novo princípio, onde a violência for utilizada para constituir uma forma de governo completamente diferente, para dar origem à formação de um novo corpo político, onde a libertação da opressão almeje, pelo menos, a constituição da liberdade, é que podemos falar de revolução” (ARENDT, 1998: 28)<br />
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Percebe-se, através do exemplo atrás discutido, que a conceituação científica deve ser muito mais rica e precisa do que a conceituação cotidiana. O conceito de “revolução” proposto por Hannah Arendt mostra-se muito mais enriquecido, ao propor uma ampliação da sua ‘compreensão’ e uma redução da sua ‘extensão’, do que o conceito banalizado proposto por um dicionário comum.<br />
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Assim, na edição de bolso do Dicionário Aurélio (FERREIRA, 1975) – um dicionário muito utilizado no Brasil pelo grande público – pode-se ler no verbete “revolução” que esta é uma “rebelião armada; revolta; sublevação”. Um tal conceito, com tamanha redução da sua ‘compreensão’, mostra-se extensivo a um tal número de movimentos sociais, ou mesmo de golpes de Estado, ações criminosas e privadas, insurreições espontâneas e badernas, que muito pouco se poderia fazer com ele em termos de precisão sociológica e historiográfica . Foi com uma ‘compreensão’ assim reduzida do conceito de “revolução” que a Ditadura Militar de 1964, no Brasil, procurou afastar de si o estigma de que ali se tinha nada mais nada menos do que um articulado “golpe militar” direcionado para a conservação de antigos privilégios e para o abortamento de um movimento social e de consciência política que começava a se fortalecer.<br />
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Admitidas estas características, o Golpe de 1964 encaixa-se mais na noção de “contra-revolução”, ou pelo menos de “golpe de Estado”, do qualquer outra coisa .<br />
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Outro aspecto que podemos perceber a partir do exemplo de Hannah Arendt é que, conforme já havíamos mencionado anteriormente, a elaboração de uma definição de conceito pode gerar a necessidade da especificação de novos conceitos, ou requerer novas definições como desdobramentos. Assim, uma vez que a autora inclui como elemento inerente ao conceito de “revolução” a idéia de “liberdade”, preocupa-se em definir com muita precisão o que está entendendo por “liberdade”, já que não se trata aqui da noção vulgar de liberdade. Deste modo, opõe este conceito ao de “libertação”, também definido com precisão, além de apresentá-los dentro de um percurso histórico onde se examina a passagem da antiga noção de liberdade a uma noção já moderna. Também não faltam as referências teóricas e históricas pontuando um e outro caso.<br />
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Para confirmar ainda uma vez a diferença de qualidade entre a conceituação científica e a conceituação vulgar, basta comparar o conceito altamente elaborado de “liberdade política” em Hannah Arendt com a noção de “liberdade” que aparece registrada na versão de bolso do Dicionário Aurélio:<br />
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“liberdade. 1. Faculdade de cada um se decidir ou agir segundo a própria determinação. / 2 . Estado ou condição do homem livre” (FERREIRA, 1975)<br />
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Já nem será necessário lembrar que na definição ‘2’ o Dicionário comete a inadequação lógica de definir uma palavra por ela mesma, dizendo que “liberdade é o estado ou condição do homem livre” (definição que não acrescenta nada), e que na definição ‘1’ (“faculdade de cada um se decidir ou agir segundo a sua própria determinação”) uma mesma seqüência de palavras poderia se adaptar à idéia de “tirania” enquanto modo de governar (o tirano também “age e decide segundo a sua própria determinação”, particularmente sem consultar bases políticas e sociais).<br />
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Assim, para tornar a segunda definição de liberdade mais científica (já que a primeira não tem salvação), seria necessário acrescentar mais elementos, ampliando a sua compreensão e diminuindo a sua extensão. Está bem, “liberdade é a faculdade de cada um se decidir ou agir segundo a sua própria determinação”; mas com respeito a que tipo de ações, observando que tipos de limites no que se refere ao confronto com a liberdade do outro? Fazendo acompanhar as decisões e ações de que tipo de consciência? Não seria necessário nuançar também este último aspecto para distinguir o homem livre do homem louco (que por vezes tem a sua liberdade encerrada dentro das paredes de um hospício exatamente porque “decide e age segundo a sua própria determinação”)? Ou seria o caso de dizer que “a liberdade é a faculdade socialmente restringida de decidir ou agir segundo a sua própria determinação”? Como se vê, para tornar um conceito utilizável em um trabalho científico, é preciso lhe dar um tratamento mais elaborado.<br />
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Ainda com relação ao esforço de elaborar a “compreensão” de um conceito, deve se destacar que um conceito mais amplo pode ir sendo desdobrado em sucessivas divisões conceituais. Assim, retomando o conceito mais amplo de “revolução”, delineado de acordo com a ‘compreensão’ proposta por Hannah Arendt, poderia ser o caso de se construir uma nova divisão conceitual, que cindisse a classe maior das revoluções em “revoluções burguesas” e “revoluções socialistas”.<br />
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Por um lado todas as revoluções (de acordo com Arendt) possuem em comum certas características – como a mudança política brusca e violenta, a consecução ou o projeto de uma transformação social efetiva, a presença da idéia de “liberdade política” para além da mera “libertação”, e a convicção de um “novo começo” por parte dos atores sociais. Este conjunto de atributos independe de estas revoluções serem “revoluções burguesas” ou “revoluções socialistas”.<br />
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Por outro lado, no que se refere à participação ou ao tipo de participação de determinados atores ou classes sociais no processo de luta, e também ao seu resultado ou intenções em termos da organização social alcançada ou a alcançar, podem começar a ser entrevistas as diferenças entre as “revoluções burguesas” (conduzidas pelas classes enquadradas dentro da burguesia e almejando uma sociedade fundada na propriedade privada individual e na expansão capitalista) e as “revoluções socialistas”, conduzidas por lideranças operárias ou camponesas e motivadas pela possibilidade da dissolução das formas de propriedade típicas da sociedade burguesa (isto é, considerando-se a conceituação de “revolução socialista” habitualmente proposta pelo marxismo).<br />
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Seria possível continuar conduzindo desdobramentos conceituais como estes. Cindir, por exemplo, a classificação das “revoluções socialistas” entre aquelas que tiveram uma participação mais ativa do proletariado (como a Revolução Russa) e as que tiveram uma participação mais ativa do campesinato (como a Revolução Chinesa). Estaríamos deste modo elaborando ‘compreensões’ mais amplas e ‘extensões’ mais restritas que se desdobrariam nos novos conceitos de “revolução socialista proletária” e “revolução socialista camponesa”. Cada um destes desdobramentos conceituais passa a se restringir a um número menor de casos que, em contrapartida, seriam compreendidos de maneira mais rica. Mas chega um momento em que a operação de ampliar a ‘compreensão’ de um conceito e de reduzir a sua ‘extensão’, ou de desdobrar um conceito mais amplo em novas subdivisões conceituais, atinge os seus limites. Saímos do plano generalizador de “revolução”, para entrar no plano particularizador de cada revolução específica. Se a Revolução Chinesa e a Revolução Albanesa podem ser caracterizadas como “revoluções socialistas camponesas”, o evento da “Grande Marcha” foi uma especificidade histórica da Revolução Chinesa. Descrever os vários processos e eventos inerentes a este acontecimento único e irrepetível que foi a Revolução Chinesa já não é mais da esfera da conceituação. Não se pode conceituar a Revolução Chinesa; pode-se enumerar as suas características, descrever aspectos essenciais do seu desenrolar histórico, e assim por diante. Descrições e definições não-conceituais também são necessárias aos estudos históricos e sociológicos, mas são de outra natureza que não a das operações da conceitualização.<br />
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Cumpre extrair um ensinamento do exemplo acima. A definição proposta para um conceito não deve ser nem excessivamente ampla, nem demasiado estreita, existindo uma medida mais ou menos adequada que o autor deve se esforçar por atingir. Definir “revolução” de maneira exageradamente ampla, fazendo-a significar “qualquer movimento social armado”, seria tão problemático quanto definir “revolução” de maneira extremamente estreita, a tal ponto que dentro desta designação só coubesse um único exemplo histórico de revolução. Tais procedimentos são inúteis do ponto de vista científico.<br />
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Um exemplo aparentemente mais simples poderá iluminar a questão. “Homem” não pode ser definido simplesmente como um “mamífero bípede”, já que existem inúmeros outros animais que são mamíferos bípedes mas que não são homens; também não pode ser definido como “um animal que habita cidades construídas por ele mesmo”, já que existem homens que vivem no campo e não em cidades, sem falar nas sociedades humanas que não investiram na urbanização (como os povos indígenas brasileiros ou os aborígines australianos). Neste último caso a ‘expressão definidora’ foi demasiado estreita (mais estreita que a essência do ‘termo a definir’) incluindo uma característica que não é essencial ao gênero humano, mas apenas eventual (a urbanidade). Já no primeiro caso a ‘expressão definidora’ foi mais ampla do que a essência do ‘termo a definir’, mencionando apenas uma combinação de duas características que não pertence exclusivamente ao gênero “homem” (mamífero bípede).<br />
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Quem sabe se a definição do “homem” como “construtor de cidades” não poderia ser melhorada dando-se uma maior extensão ao aspecto faber (construtor) registrado na ‘expressão definidora’ proposta? O homem seria então definido como “um animal que constrói” (não apenas cidades, mas também ocas como os indígenas, e também ferramentas, armas, utensílios). Em duas palavras, mais do que "homo sapiens" (homem que sabe), o Homem poderia ser definido como "homo faber" (homem que faz). Na mesma linha, poderia se tentar uma definição adaptada daquela que foi proposta por Marx e Engels “o homem é o único animal capaz de produzir as suas próprias condições de existência” (Marx e Engels, "A Ideologia Alemã").<br />
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Esta Definição, se por um lado registra a inserção do homem no mundo animal, por outro lado o diferencia como animal capaz produzir inventivamente as suas próprias condições de vida, interferindo na natureza. Mas então sempre surgiria alguém para dizer que o pássaro joão-de-barro também constrói o seu ninho, ou um castor a sua represa, de modo que seria preciso acrescentar que o homem produz os seus meios de vida transformando os materiais que a natureza oferece, e não apenas coletando-os . Estes tateamentos em busca de uma definição mais ajustada mostram as imprecisões que os estudiosos devem enfrentar diante da aventura de conceituar e de definir.<br />
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Uma lição, ainda, pode ser colhida dos exemplos até aqui discutidos: nenhum conceito é definitivo, sendo sempre possível redefini-lo. Se Hannah Arendt definiu “revolução” a partir do seu caráter originário de movimento social, operando sucessivos recortes na sua extensão, o mesmo conceito pode adquirir um enfoque bem diferente, mas igualmente válido, como aquele proposto por Krzystof Pomian:<br />
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“Efetivamente, qualquer revolução não é mais que a perturbação de uma estrutura e o advento de uma nova estrutura. Considerada neste sentido, a palavra ‘revolução’ perde o seu halo ideológico. Já não designa uma transformação global da sociedade, uma espécie de renovação geral que relega para a sua insignificância toda a história precedente, uma espécie de ano zero a partir do qual o mundo passa a ser radicalmente diferente do que era. Uma revolução já não é concebida como uma mutação, se não violenta e espetacular, pelo menos dramática; ela é, muitas vezes, silenciosa e imperceptível, mesmo para aqueles que a fazem; é o caso da revolução agrícola ou da revolução demográfica. Nem sequer é sempre muito rápida, acontece que se alongue por vários séculos. Assim (como o demonstram François Furet e Mona Ozouf), uma estrutura cultural caracterizada pela alfabetização irrestrita foi substituída por outra, a da alfabetização generalizada, no decurso de um processo que, em França, durou cerca de trezentos anos” (POMIAN, 1990: 206)<br />
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“Revolução”, segundo a ‘compreensão’ proposta por Pomian, já não é necessariamente uma mudança brusca (“acontece que se alongue por vários séculos”) ou sequer violenta (“ela é muitas vezes silenciosa e imperceptível”). Tampouco é concebida como um novo começo (“essa espécie de ano zero a partir do qual o mundo passa a ser radicalmente diferente do que era”). Por outro lado, implica necessariamente na passagem de uma “estrutura” a outra. Desta forma, associada ao conceito de “estrutura” tal foi como proposto pelos historiadores dos Annales, “revolução” passa a ter a sua ‘extensão’ aplicável a uma série de outros fenômenos para além dos movimentos políticos, como a “revolução agrícola” ou a “revolução demográfica”.<br />
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Pode-se dar que o polissemismo possível de um conceito esteja presente em um mesmo autor, mas referindo-se a situações diversas. Em Marx e Engels, por exemplo, ocorre que às vezes – como em A Ideologia Alemã – a expressão “revolução” apareça relacionada com o salto de um modo de produção para o seguinte . Neste sentido, portanto, também pode incorporar fenômenos como a “revolução agrícola” ou a “revolução urbana”, de maneira similar ao enfoque de Pomian. Mas Marx e Engels também empregam a expressão “revolução” no seu sentido mais propriamente político, referindo-se especificamente a movimentos sociais – o que implica em um enfoque mais próximo do proposto por Hannah Arendt, embora bem mais flexível (ou “extenso”).<br />
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É preciso notar, ainda, que dois autores podem elaborar um conceito a partir de uma ‘compreensão’ idêntica ou muito próxima, e no entanto diferirem na sua concepção concernente à ‘extensão’ deste conceito, no que se refere a quais os casos observáveis que se enquadrariam neste conceito. Assim, Gianfranco Pasquino, encarregado de compor o verbete “revolução” para o Dicionário de Política coordenado por Norbert Bobbio (PASQUINO, 2000: 1121), não deixa de chegar a uma ‘compreensão’ deste conceito bastante compatível com a de Hannah Arendt, uma vez que nela combina os aspectos da violência, da intenção de promover efetivamente mudanças profundas nas relações sociais, além do aspecto relativo ao sentimento do novo . No entanto, no exame dos casos empíricos – isto é, na avaliação de que processos históricos se enquadrariam na categoria “revolução” – discorda da afirmação de que a Revolução Americana tenha sido efetivamente uma Revolução, preferindo enxergá-la como uma “sub-espécie da guerra de libertação nacional” . Por outro lado, já admite que a Revolução Francesa teria introduzido uma mudança no conceito de “revolução”, passando-se à fé na possibilidade da criação de uma ordem nova. Assim, apesar de uma ‘compreensão’ relativamente próxima ou compatível de um mesmo conceito, os dois autores divergem no que se refere ao ajuste dos casos concretos à ‘extensão’ atribuída a este conceito.<br />
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Estes exemplos, entre tantos outros que poderiam ser relacionados, são suficientes para mostrar que, ao procurar precisar os conceitos que irá utilizar, o estudioso pode ter diante de si uma gama relativamente ampla de alternativas. É esta variedade de possibilidades – verdadeira luta de sentidos diversos que se estabelece no interior de uma única palavra – o que torna desejável uma delimitação bastante clara do uso ou dos usos que o autor pretende atribuir a uma determinada expressão-chave de seu trabalho.<br />
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<div jquery1296529869679="403" style="border-bottom: medium none; border-left: medium none; border-right: medium none; border-top: medium none;"><br />
</div><div jquery1296529869679="403"><br />
</div><div jquery1296529869679="403">O presente texto foi extraído do capítulo 5 do livro "O Projeto de Pesquisa em História" (BARROS, José D'Assunção. O Projeto de Pesquisa em História. Petrópolis: Editora Vozes, 2010, 7a edição).</div><div jquery1296529869679="403"><br />
</div><div jquery1296529869679="403" style="border-bottom: medium none; border-left: medium none; border-right: medium none; border-top: medium none;"><a _mce_href="http://api.ning.com:80/files/dG*xHFZgy9JwCVIILsMU0PraePBarqtsNIXpi6smDFv4foHevTyf*1zVW5g1w1m16n7TTU*wVhFmhNTVNxOpQIg4cpZ8ngTr/OProjetodePesquisaemHistria.capafrontal.jpg" href="http://api.ning.com/files/dG*xHFZgy9JwCVIILsMU0PraePBarqtsNIXpi6smDFv4foHevTyf*1zVW5g1w1m16n7TTU*wVhFmhNTVNxOpQIg4cpZ8ngTr/OProjetodePesquisaemHistria.capafrontal.jpg" jquery1296529869679="538" style="clear: left; cssfloat: left; float: left; margin-bottom: 1em; margin-right: 1em;" target="_self"><img _mce_src="http://api.ning.com:80/files/dG*xHFZgy9JwCVIILsMU0PraePBarqtsNIXpi6smDFv4foHevTyf*1zVW5g1w1m16n7TTU*wVhFmhNTVNxOpQIg4cpZ8ngTr/OProjetodePesquisaemHistria.capafrontal.jpg?width=100" class="align-left" src="http://api.ning.com/files/dG*xHFZgy9JwCVIILsMU0PraePBarqtsNIXpi6smDFv4foHevTyf*1zVW5g1w1m16n7TTU*wVhFmhNTVNxOpQIg4cpZ8ngTr/OProjetodePesquisaemHistria.capafrontal.jpg?width=100" width="100" /></a>Aos leitores deste Blog que se interessarem em conhecer um pouco do livro, dois capítulos serão disponibilizados por e-mail. Basta pedir para <a href="mailto:jose.assun@globo.com">jose.assun@globo.com</a></div>José D'Assunção Barroshttp://www.blogger.com/profile/14616369888767129715noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-4699005453965610630.post-4745716388759063462010-12-27T16:28:00.000-08:002011-01-30T20:06:15.045-08:00Os Conceitos e sua instrumentalização teóricaO que são os conceitos, e como eles podem ser empregados operacionalmente na História, nas Ciências Sociais e nas Ciências Humanas? Como se relacionam com a realidade que pretendem ajudar a descrever, ou com a base teórica que ampara uma determinada argumentação em áreas como a História, a Sociologia, a Antropologia, a Geografia? O objetivo deste texto será refletir livremente sobre estas questões, visando auxiliar didaticamente o seu entendimento e as suas possibilidades de esclarecimento no âmbito da metodologia científica aplicável às ciências humanas de modo geral, e à História, mais especificamente. Nosso objetivo será, de um lado, discutir a questão dos conceitos em um nível mais abstrato e filosófico, e, de outro lado, oferecer exemplificações concretas relacionadas às ciências sociais e humanas.<br />
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Antes de tudo, consideraremos, para nossa própria operacionalização, que um conceito pode ser entendido como uma formulação abstrata e geral, ou pelo menos como uma formulação passível de generalização, que o indivíduo pensante utiliza para tornar alguma coisa inteligível nos seus aspectos essenciais ou fundamentais, para si mesmo e para outros. Visto desta forma, o conceito constitui uma espécie de órgão para a percepção ou para a construção de um conhecimento sobre a realidade, mas que se dirige não para a singularidade do objeto ou evento isolado, mas sim para algo que liga um objeto ou evento a outros da mesma natureza, ao todo no qual se insere, ou ainda a uma qualidade de que participa.<br />
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Vale lembrar que este entendimento do conceito simultaneamente como algo instrumental (algo que pode ser utilizado como instrumento) , e como algo que se apresenta como uma unidade de conhecimento produzido, não é um consenso no âmbito dos estudos de metodologia. De fato, o conceito pode, de modo diversificado, ser alternadamente discutido como unidade de pensamento, unidade de conhecimento e unidade de comunicação . Ingetraut Dahlberg, em um artigo intitulado “Teoria do Conceito” (1998: 101-107), acrescenta que, para que se possa dizer que estamos propriamente diante um conceito, é preciso identificar necessariamente em torno da expressão considerada três dimensões: o referente, o termo e as características. As ‘características’ correspondem mais especificamente às propriedades atribuídas ao ‘referente’, que por sua vez é uma unidade de pensamento através da qual se torna possível falar (pensar) em “pássaro”, conceitualmente, para além dos pássaros específicos que existem efetivamente na realidade observável, singularizados, cada um diferente do outro. Mas a isto voltaremos mais adiante. ‘Termo’, por fim, corresponde à palavra ou grupo de palavras que está sendo utilizada para designar o conceito (a expressão verbal “pássaro”, por exemplo). Embora em outros campos do saber, como a matemática, o ‘termo’ possa ser uma fórmula, um algarismo ou um símbolo, para o nosso âmbito de estudos, invariavelmente os “termos” se apresentam como palavras ou como um grupo mínimo de palavras.<br />
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Voltando ao que dizíamos sobre a dimensão de generalização trazida pelo conceito, podemos considerar que, muito habitualmente, os conceitos correspondem a categorias gerais que definem classes de objetos e de fenômenos dados ou construídos, e o seu objetivo é sintetizar o aspecto essencial ou as características existentes em comum entre estes objetos ou fenômenos. Desta maneira, a Revolução Francesa ou a Revolução Americana não são conceitos, mas “revolução” sim. Da mesma forma, o conceito marxista de “modo de produção” pode encontrar um desdobramento no “modo de produção asiático” ou no “modo de produção feudal”: mas não tem sentido, por exemplo, dizer que se pretende conceituar o “modo de produção feudal” em uma determinada região da Europa medieval. O que se está fazendo neste último caso é descrever uma situação social específica, que pode até se enquadrar no que habitualmente se define como “modo de produção feudal”, mas que neste tipo de operação (a descrição de um fenômeno) virá misturada com singularidades que não fazem parte do âmbito conceitual.<br />
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De maneira análoga, pode-se “explicar” historicamente o que foi a Revolução Francesa a partir de um certo ponto de vista, mas não se pode “conceituá-la”, uma vez que a Revolução Francesa constitui um conjunto singular e único de situações e aspectos. Uma descrição histórica, ou uma narrativa historiográfica, mesmo que sintetizada, não pode ser confundida com uma conceituação. A explicação construída sobre a Revolução Francesa, por outro lado, poderá se valer dentro dela do uso do conceito de “revolução”, mediante o qual, se a explicação for levada até este ponto, o leitor poderá saber o que há de comum entre a Revolução Francesa e a Revolução Chinesa e a Revolução Cubana, e o que habilita chamar a cada um daqueles eventos e situações de “revolução”.<br />
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Este tipo de conceito, quando bem formulado, representa somente os elementos que são absolutamente essenciais ao objeto ou fenômeno considerado na sua generalidade, e deste modo ele deve trazer para a sua definição aspectos que são comuns a todas as coisas da mesma espécie, deixando de fora fatores que são somente particularizantes de um objeto ou fenômeno singular.<br />
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Exemplos de conceitos que reúnem objetos particulares em uma única classe podem ser encontrados na própria vida cotidiana. “Pássaro”, por exemplo, é um conceito construído a partir da abstração das características que todos os pássaros têm em comum. Trata-se, por outro lado, de um exemplo de conceito muito menos abstrato que o de “revolução”, uma vez que as características que todos os pássaros têm em comum, e que constituem o conceito de “pássaro”, são facilmente observáveis ou mensuráveis. Já a elaboração do conceito de “revolução”, conforme teremos oportunidade de verificar mais adiante, requer um grau maior de abstração que transcende a mera observação direta. Alguns autores chamam a este tipo de conceito construído a um nível de abstração mais elevado de constructo .<br />
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Enquanto o conceito propriamente dito tem os seus elementos mais imediatamente apreensíveis (por observação ou por mensuração), o constructo não permite uma apreensão ou mensuração direta de suas propriedades ou aspectos essenciais, e muitas vezes tem de ser construído utilizando-se de outros conceitos, de menor nível de abstração, como materiais de base. Assim, “peso” é um conceito de nível mais direto de apreensão (já que os objetos se apresentam imediatamente à sensibilidade humana como “leves” ou “pesados”). “Volume” remete a apreensões imediatas que estão relacionadas ao espaço ocupado por um corpo. “Massa” é um conceito mensurável fisicamente com os instrumentos adequados (a massa de um corpo depende simultaneamente de quantos átomos ele contém e da massa individual destes átomos). “Densidade”, contudo, é um conceito que necessita de um nível maior de abstração: pode ser definido no caso como uma ‘relação entre “massa” e “volume” (massa volume). Nesta situação, a elaboração do constructo “densidade” necessitou da utilização dos conceitos de “massa” e “volume”, de menor nível de abstração.<br />
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Retornando à idéia de “revolução”, mais adiante veremos que este conceito necessita da utilização de outros materiais conceituais para a sua elaboração, construindo-se na combinação ou na relação entre conceitos e noções como os de “violência”, “mudança”, “liberdade”, “movimento social”, que de um modo geral são conceitos mais imediatamente apreensíveis (todos já estão familiarizados com a “violência” ou com a idéia de “mudança” a partir da sua própria vida cotidiana). Assim, mais rigorosamente, “revolução” seria um constructo. Para simplificar, neste artigo chamaremos de “conceitos” às diversas elaborações nos vários níveis de abstração, independentemente de serem constructos ou conceitos propriamente ditos. <br />
Vimos acima que “revolução” ou “pássaro” são conceitos que sintetizam as características essenciais de fenômenos ou objetos do mesmo tipo. Mas vale lembrar que existem conceitos que não se referem propriamente a categorias gerais nas quais se enquadram objetos particulares, mas sim a propriedades, a processos ou situações generalizadas que ajudam a compreender o mundo circundante. O conceito darwiniano de “seleção natural”, por exemplo, foi cunhado para representar um processo global relativo a um sistema de mútuas interações do qual participariam todos os seres vivos na sua luta pela sobrevivência. O conceito de “centralização política” articula-se a uma certa maneira de ver o processo mediante o qual determinados poderes e atribuições de controlar e organizar a sociedade passam a se concentrar em torno de um núcleo estatal. O conceito de “imaginário” procura dar conta de uma dimensão da vida humana associada à produção de imagens visuais, mentais e verbais, na qual são elaborados ‘sistemas simbólicos’ diversificados e na qual se constroem ‘representações’.<br />
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Estes três exemplos (“seleção natural”, “centralização”, “imaginário”) referem-se a conceitos que não produzem, necessariamente, sistemas de classificação. Da mesma forma, atributos ou propriedades podem ser conceituados, como “justiça”, “liberdade”, “densidade”.<br />
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O importante é compreender que o conceito é uma abstração elaborada a partir da generalização de observações particulares. Sobretudo, é preciso ter em mente que o conceito é uma construção lógica que tem o objetivo de organizar a realidade para o sujeito que busca conhecê-la, mas não se devendo confundir a abstração conceitual com esta mesma realidade. Assim, os conceitos não existem como fenômenos reais, mesmo que tentem representar os fenômenos reais (a não ser, é claro, em teorias idealistas como a platônica, onde as idéias têm uma existência concreta para além do universo imaginário criado pelos homens na sua busca de compreender o mundo).<br />
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Não obstante, apesar de não possuir uma existência real, o conceito é um instrumento imprescindível não apenas para o conhecimento científico, como para a própria vida comum. Se os objetos e fenômenos não pudessem ser concebidos em termos de semelhanças e diferenças, com a ajuda dos conceitos, a ciência e uma série de outras atividades humanas fundamentais simplesmente não seriam possíveis. Neste sentido, o conceito é um mediador necessário entre o sujeito pensante e a realidade.<br />
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Em se tratando de “conceitos científicos”, acrescentaríamos que o conceito deve possuir destacada clareza e suficiente precisão, uma vez que são eles que irão definir a forma e o conteúdo da teoria a ser construída pelo sujeito de conhecimento. Distingue-se, portanto, de outros instrumentos importantes mas certamente mais vagos e menos precisos na comunicação humana, como os “termos” – que são expressões que habitualmente passam a fazer parte do vocabulário de um campo disciplinar ou de um universo temático mas sem uma maior precisão conceitual. Poder-se-ia falar ainda das “noções”, que são ‘quase conceitos’, mas ainda funcionando como imagens de aproximação de um determinado objeto de conhecimento que ainda não se acham suficientemente delimitadas. É possível, neste sentido, que um estudioso crie uma “noção” e que, ao longo de diversos trabalhos científicos – seus e de outros – esta noção vá gradualmente se transformando em “conceito” ao se adquirir na comunidade científica uma consciência maior dos seus limites, da extensão de objetos à qual se aplica, e também ao se clarificar melhor o seu polissemismo interno com as conseqüentes escolhas dos estudiosos. Diga-se de passagem, os “termos” e “noções” são igualmente ‘instrumentos’ imprescindíveis para o estudioso, cumprindo notar que o conceito pode ser metaforicamente comparado a um “instrumento de alta precisão”<br />
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O presente texto foi extraído, com adaptações, do 'capítulo 5' do livro "O Projeto de Pesquisa em História". (BARROS, José D'Assunção. O Projeto de Pesquisa em História. Petrópolis: Editora Vozes, 2009, 6a edição)José D'Assunção Barroshttp://www.blogger.com/profile/14616369888767129715noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-4699005453965610630.post-67629418310407054952010-08-26T20:26:00.000-07:002010-08-29T20:12:21.700-07:00Importância da Teoria e Metodologia da HistóriaCostumo dizer, e realmente acredito nisso, que a Teoria e Metodologia da História é aquilo de mais importante que um curso superior de História pode oferecer a um estudante de graduação - isto é, um 'historiador em formação'. E acrescento que esse 'historiador em formação' irá aprender Teoria e Metodologia da História não apenas nas disciplinas que levam este nome e em outras do mesmo circuito, mas nas próprias disciplinas de conteúdo específico relacionadas a uma temporalidade ou espaço ("História Antiga", "História Medieval", "História Moderna", "História do Brasil", "História da África", etc).<br />.<br />Na verdade, penso mesmo que aquilo de mais essencial e útil que um aluno pode aprender dos seus professores destas diversas 'disciplinas de conteúdo' é precisamente Teoria e Metodologia da História. Assim, não é tão importante aprender conteúdos específicos de 'História Moderna' em um curso de graduação em História, quanto aprender Teoria ou Metodologia da História "através" da História Moderna. É menos importante aprender conteúdos específicos sobre a Revolução Francesa ou sobre o Renascimento, do que desenvolver competências relacionadas a Teoria e Metodologia através destes conteúdos. Por exemplo, ao estudar a Revolução Francesa em si mesma, o aluno pode alcançar aspectos ainda mais decisivamente importantes, para o seu futuro de historiador, do que os próprios conteúdos diretamente relacionados à Revolução Francesa. Quando se estuda a revolução francesa, ou qualquer outra revolução, pode-se aperfeiçoar a competência, por exemplo, de lidar teoricamente com as revoluções de diversos tipos, ou pode-se aprimorar a sua capacidade de trabalhar com as fontes deste período. Quando estudamos uma sociedade antiga ou medieval, não importa qual seja ela e em qual período, estamos aprendendo a lidar (teórica e metodologicamente) com sociedades antigas e medievais, e também aperfeiçoando ainda mais a nossa competência teórica e metodológica geral como historiadores.<br />.<br />De fato, o principal a se aprender em um curso de graduação em História não pode ser os conteúdos espaço-temporais específicos, por eles mesmos. Estes conteúdos vão ser aprendidos ou assimilados, obviamente, mas o que eu quero dizer é que não são eles o que há de mais importante. Não é mesmo necessário que um conteúdo específico seja aprendido (isto é, se um conteúdo específico não for aprendido ou assimilado no curso de graduação, e uma infinidade deles não o serão, isso não repercutirá necessariamente como uma lacuna para a vida futura do historiador).<br />.<br />Se os conteúdos específicos fossem o principal, o Ensino de História sempre seria lacunar. Por mais que um currículo de Graduação em História esteja bem guarnecido de disciplinas de História Antiga, sempre existirão sociedades antigas que ficarão faltando. Na História do Egito, por mais que seja oferecido um bom conteúdo, será obviamente impossível abarcar tudo sobre os vários milênios desta História, ou tudo o que seria importante para a humanidade saber sobre o Antigo Egito.<br />..<br />O que podemos realmente aprender em um curso de graduação em História é sermos historiadores. Aprendemos a pensar teoricamente como historiadores, a agir metodologicamente como historiadores, a escrever como historiadores. Em um curso de História - "através" dos diversos conteúdos - aprendemos sobre o Tempo, sobre a alteridade das fontes, e sobre muitas outras coisas. Aprendemos a não cometer anacronismos, aprendermos a sermos críticos, e assim por diante. Não é um conteúdo espaço-temporal específico que é o mais importante, mas todas essas coisas.<br />.<br />Costumo dar um exemplo. Imaginemos que um dia sejam descobertas as ruínas da Atlântida, e que, subitamente, os historiadores tenham à sua disposição as fontes de uma civilização antiga correspondente à Atlântida. A Atlântida, neste momento, deixaria de ser apenas uma lenda e passaria a ser História. No momento em que passassem a estar acessíveis aos historiadores as fontes históricas relacionadas à Atlântida, haveria uma espécie de corrida dos historiadores para escreverem os primeiros livros de história sobre a Atlântida. Possivelmente, algumas universidades incluiriam em seus currículos uma "História da Atlântida". De todo modo, é importante ter em mente que, se o principal a ser aprendido nos cursos de graduação fossem os conteúdos específicos ("História da Grécia", "História dos estados Unidos"), os historiadores não poderiam elaborar - pela primeira vez - a "História da Atlântida".<br />.<br />O que permite que os historiadores possam a qualquer momento elaborar uma história de qualquer coisa, inclusive a de uma civilização cujas fontes tenham sido repentinamente descobertas, é o fato de que eles aprenderam a pensar historiograficamente, a teorizar, a agir metodologicamente, a produzir uma escrita específica que é a do historiador. Diga-se de passagem, antes que existissem os cursos de graduação em História, a partir do século XIX, os historiadores não deixavam de aprender essas coisas, de acordo com o padrão de suas próprias épocas. É perfeitamente possível aprender fora da Universidade, também. De qualquer maneira, se existe uma Universidade, e um curso de graduação em História, é para que se aprenda algo ainda mais importante do que os conteúdos específicos: os pensares e fazeres relacionados à História, um modo de escrita, uma competência para dialogar com as fontes e com outros historiadores - uma consciência histórica. Em duas palavras: Teoria e Metodologia.<br />.<br />É por isso que são tão importantes as disciplinas relacionadas à Teoria e Metodologia da História - e à Historiografia, que corresponde à análise das obras produzidas pelos historiadores. E é por isso, também, que é importante aos professores de disciplinas relacionadas a conteúdos espaço-temporais específicos - a "História do Brasil", a "História Contemporânea", e assim por diante - ensinar Teoria e Metodologia através de suas disciplinas.<br />.<br />Quando digo "ensinar", estou utilizando a expressão com um sentido mais flexível. Não é "ensinar" no sentido de transmitir uma competência que é sua ao aluno. Ensinar aqui é mediar o grupo de alunos para que trabalhem de uma determinada maneira para que, a partir desta atividade, possam desenvolver competências várias. Trata-se, portanto, de agir como mediador de um grupo para que este aprimore a capacidade de pensar teoricamente, agir metodologicamente, escrever historiograficamente.<br />.<br />Essa enfim, é a importância da caminhada que aqui iniciamos. Sem Teoria, Método, e o desenvolvimento de uma habilidade historiográfica de Escrita, não é possível a alguém se formar historiador. Teoria, Metodologia e Historiografia são o mais importante. Tudo o mais é negociável.José D'Assunção Barroshttp://www.blogger.com/profile/14616369888767129715noreply@blogger.com1tag:blogger.com,1999:blog-4699005453965610630.post-37823361143674867552010-08-26T20:23:00.000-07:002010-08-27T05:10:38.191-07:00Dois Modelos Imaginários de EnsinoAntes de iniciar a caminhada de reflexão sobre a Escrita da História, eu gostaria de entretecer algumas reflexões sobre o Ensino, de maneira geral, e sobre o Ensino de História nos cursos de graduação, em especial. Faço isso apenas para me situar, ainda que primariamente e cometendo algumas simplificações (partirei, aliás, de uma dicotomização que não se verifica como tal na realidade complexa do Ensino, mas que é um bom começo para reflexão). Vou introduzir alguns comentários iniciais, e depois remeter a um texto que poderá ser acessado. Antes de mais nada, peço também desculpas aos especialistas em Educação, pois não sou um conhecedor específico da Teoria da Educação, e, aos especialistas, alguns de meus comentários talvez pareçam primários, lugares-comuns, ou mesmo equivocados. A maior parte das reflexões que apresento aqui foram produzidas por uma vivência de muitos anos em sala de aula, particularmente no Ensino de graduação em História, e também no Ensino de Música, uma outra área em que também atuei durante muito tempo.<br />.<br />Fala-se muito no deslocamento, no último século, de modelos que visavam a 'transmissão de conhecimento' (que muitas não eram senão camuflagens de modelos voltados para a 'transmissão de informações') para novos modelos baseados na 'produção de conhecimento'. Esta questão, obviamente, é fundamental para o Ensino de História - inclusive para o Ensino de História em níveis de graduação, isto é, o Ensino destinado à formação do historiador. Vamos chamar aqui a esta formação específica, a que irá permitir que surja um profissional de história, ou ao menos alguém com um conhecimento especializado sobre o fazer histórico, de "formação histórica".<br />.<br />É claro que este deslocamento de modelos sintoniza perfeitamente com o deslocamento de um modelo imaginário de História Factual, narrativa ou informativa, para um modelo de História problematizado, e por isso também se agrega a esta reflexão algo que também será útil mais adiante. Mas neste momento estou preocupado com a questão mais geral do Ensino mesmo - que poderia ser também o Ensino de Biologia, Física, Economia, Música, ou qualquer outro. Pretendo refletir sobre a posição dos vários agentes que fazem parte do processo de ensino, no que concerne a dois modelos-limite. Não digo que estes modelos ocorram de forma pura na complexidade real, mas será interessante refletir sobre esta dicotomia, mesmo que para discordar dela, propor depois uma reflexão mais complexa, motivar novos desdobramentos, e assim por diante.<br />.<br />Deste modo, quero começar esta caminhada com este assunto que não fará parte do caminho central - o da reflexão sobre a Teoria da História - mas que poderá ser metaforicamente considerado como uma pequena estalagem na qual os viajantes pernoitaram antes de seguir a viagem. Afinal, estaremos envolvidos a partir daqui em um processo de Ensino e Aprendizagem em torno do fazer histórico, ou, mais especificamente, em um processo de construção da "formação histórica" que permitirá que assumamos no futuro - e refiro-me neste momento aos historiadores em formação - uma profissão específica, que se estabelece sobre a prática em uma disciplina que tem desenvolvido os seus próprios aportes teóricos, os seus métodos, uma forma de Escrita.<br />.<br />Proponho então a leitura do seguinte texto, que escrevi para esta finalidade. Trata-se de uma reflexão sobre o que é o Ensino hoje, sobre como nos situamos diante dele. Refletir sobre isso poderá contibuir para as nossas escolhas diante do caminho a seguir:<br /><br /><a href="http://www.scribd.com/doc/36440618/Modelos-Limite-de-Ensino-uma-reflexao-livre-2010">http://www.scribd.com/doc/36440618/Modelos-Limite-de-Ensino-uma-reflexao-livre-2010</a>José D'Assunção Barroshttp://www.blogger.com/profile/14616369888767129715noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-4699005453965610630.post-6503644691936469752010-08-25T20:12:00.000-07:002010-08-25T20:43:52.098-07:00Início de uma CaminhadaVamos iniciar, nesse momento, uma caminhada pelo universo da Teoria e da Metodologia da História, da Historiografia, e de outros assuntos correlatos. Peço que todos os que quiserem fazer comentários, a um ou outro dos textos ou mensagens que serão postados daqui por diante, se apresentem rapidamente, não apenas indicando o nome mas também definindo a sua relação com o tema (professor ou estudante de alguma Universidade, leitor habitual de historiografia, ou curioso sobre a área, por exemplo). Isso apenas para situar as pessoas, o lugar de onde falam, suas circunstâncias.<br />.<br /> Embora a construção deste blog tenha sido motivada por encontros presenciais, que estarão ocorrendo na Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro (onde sou professor na área de Teoria da História), a idéia é que ampliemos o universo de interlocutores, que consigamos dar início à produção de uma reflexão coletiva e interativa, em rede, sobre a História e a Teoria da História, seus métodos, sua escrita. Se conseguirmos a adesão de outros professores de Teoria e Metodologia da História para que tragam suas turmas a estes encontros virtuais, isso poderá vir a constituir uma experiência extremamente interessante.<br />.<br />Quem quiser iniciar uma discussão, ou intercalar uma discussão autônoma entre os assuntos que serão discutidos semanalmente, também poderá fazer isso. Basta enviar um e-mail com o seu texto para mim, e eu o publicarei neste blog como parte desta caminhada que agora iniciamos. A orientação geral do blog é anarquista: aqui não existe um lugar de fala hierarquizado; todos podem se expressar livremente sobre os assuntos que serão tratados, trazendo suas próprias vivências, conhecimentos, incertezas, hesitações, ou mesmo suas angústias diante da complexidade deste campo de conhecimento que é a História.<br />.<br />José D'Assunção Barros<br />e-mail: jose.assun@globo.comJosé D'Assunção Barroshttp://www.blogger.com/profile/14616369888767129715noreply@blogger.com0