Tentemos uma síntese. Tomaremos como ponto de partida o texto autoral, isto é, o texto que apresenta um autor definido (mesmo que anônimo), ao contrário do documento que é produzido institucionalmente como massa de dados (uma lista censitária, ou os documentos do fisco), ou que se produz involuntariamente, tal como os objetos que se perdem e depois são reencontrados na pesquisas arqueológicas.
Quando o historiador está diante de um texto que foi produzido por alguém, a primeira pergunta que costuma vir à sua cabeça é a que busca o autor. Quem escreveu este texto? O que pensava? Que intenções tinha no momento em que o escreveu? Fez de livre ou espontânea vontade, ou sob pressão? A quem visava?
Organizemos isso. Quando perguntamos "quem é o autor", podemos pensar em um indivíduo específico. Contudo, cedo aprendem os historiadores em formação que os indivíduos não se encontram soltos no tempo, desgarrados de uma sociedade, independentes dela. Se podemos nos perguntar pela (1) 'Autoria', logo também deveremos nos perguntar pelo (2) 'Contexto' que constrange ou libere esta autoria.
O Contexto corresponde a uma época, e também a uma sociedade que envolve um autor. Dificilmente um homem pode escapar aos limites impostos pelo seu tempo, e aos horizontes de percepção que lhe são franqueados a partir de sua época e da sociedade em que vive. Muitos dirão que, em hipótese alguma, um autor não pode escapar ao seu tempo. De um modo ou de outro, é nas águas de um Contexto que um Autor emerge: nelas ele se apoia, e contra elas ele se debate.
A pergunta pelo contexto autoral é uma pergunta que busca prescrutar também a sociedade no qual o indivíduo autoral está inserido. Perguntamo-nos, quando tentamos relacionar um Autor a uma Sociedade, pela 'posição social' que ocupa, pela 'profissão' que exerce, pelas 'instituições' que o enquadram.
Devemos também entender que um Autor, como todo indivíduo, possui uma história. Um texto foi escrito em determinado momento desta história. Podemos nos perguntar, portanto, pelas 'circunstâncias autorais'. Maquiavel, que foi eminência parda da política florentina em determinados momentos de sua história, escreveu sua obra mais conhecida - "O Príncipe" - alijado do poder. Essas circunstâncias autorais não podem deixar de interferir em sua obra. Adolf Hitler escreveu o primeiro volume do livro "Mein Kampf" na prisão, para a qual foi enviado após o fracassado "Putsch da Cervejaria" (1923). Além das circunstâncias da prisão, escreve-o no contexto que o alçou à liderança dos nazistas. Como estas circunstâncias - aquelas em que Maquiavel escreveu "O Príncipe", ou aquelas em que Hitler escreveu "Mein Kampf" - interferem ou ajudam a formatar cada um destes textos?
Na maior parte dos casos, senão sempre, um texto também é escrito visando um (4) Receptor. Escreve-se para comover alguém, para intimidá-lo, para informá-lo, para motivá-lo, para provocar-lhe reações.A Recepção, já discutimos isto anteriomente, termina por se inscrever também na Produção de um texto, uma vez que um autor também escreve o seu texto pensando naqueles que irão recebê-lo.
Todo texto lida com um (5) Vocabulário. Mesmo que o autor não pense nisso ou não deseje isto, um Vocabulário nos diz muitas coisas acerca deste autor - inclusive as que ele não pretendia dizer. Também diz muitas coisas acerca daqueles que lerão o texto. O texto, conforme já dissemos, é um ato de comunicação. O Vocabulário de um texto fala-nos de seu autor e de seus leitores.
Um texto pertence a algum (6) Gênero Textual. Ele pode ser um poema, uma carta, um edito régio, um ensaio científico, umdiscurso político, afora inúmers outras possibilidades, Há implicações quando estamos diante de um gênero ou de outro. O historiador, ao analisar o texto como fonte histórica, precisa se avizinhar deste aspecto. De igual maneira, todo texto possui uma (7) Forma, que corresponde à maneira como o discurso é organizado no texto. esta forma deve ser, igualmente, objeto de análise do historiador.
Já discutimos que todo texto está em (8) Intertextualidade. Ou seja,ele dialoga com outros textos: explicitamente ou implicitamente, voluntariamente ou involuntariamente. Recuperar a rede intertextual na qual se insere um texto é um passo importante da operação historiográfica de análise textual.
É claro, todo texto possui um (9) Conteúdo, embora seja muitas vezes difícil separar forma e conteúdo. O texto se apresenta como mensagem, como 'objeto de comunicação' que, é quase um truísmo dizer, pretende comunicar algo. O que o texto pretende dizer? O que ele não diz. É preciso analisar também, nesta mesma operação, os seus Silêncios (10).
Nem todo documento é autoral. Mas também podemos substituir algumas categorias. Se um documento do Censo não visa um Receptor, de todo modo, ele visa uma Finalidade. Os registros do Censo foram pruduzidos por algum motivo, ou para atender a determinadas finalidades. O que foi dito para o "texto", também pode ser pensado eventualmente para outros registros, como a 'imagem' ou a 'oralidade', embora cada tipo de suporte também apresente as suas singularidades.
Estes, e outros aspectos, devem ser considerados pelo historiador quando está diante de sua fonte.
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