No último post deste blog (http://ning.it/gInpPJ), procuramos mostrar que um Projeto pode cumprir múltiplas funções e finalidades no trabalho de Pesquisa. De saída, um bom projeto procura antecipar algumas perguntas fundamentais relacionadas à Pesquisa proposta, tanto no sentido de dar uma satisfação a terceiros (quando for o caso) como no sentido de promover um auto-esclarecimento para o próprio pesquisador e um delineamento preciso do recorte temático, de cada etapa, de cada instrumento, de cada técnica a ser abordada. Assim, ele responde de antemão às seguintes perguntas relacionadas à pesquisa proposta: O que se pretende fazer? Por que fazer? Para que fazer? A partir de que fundamentos? Com o que fazer? Como fazer? Com que materiais? A partir de que diálogos? Quando fazer?
Cada uma destas perguntas remete, a princípio, a uma parte específica do Projeto, a uma espécie de compartimento redacional onde o pesquisador procura esclarecer de maneira clara e precisa, para os outros ou para si mesmo, as várias instâncias que devem alicerçar o seu trabalho (ver Quadro 2 no artigo emreferência).
“O que fazer?”, por exemplo, é uma pergunta que se busca esclarecer logo de princípio, na “Introdução” do Projeto e, eventualmente, em um capítulo denominado ‘Delimitação Temática’ (1) ou ‘Exposição do Problema’ (estes nomes variam muito, de instituição a instituição, e não devem ser tomados como parâmetros absolutos). Veremos mais adiante que a resposta a esta pergunta deve sofrer sucessivas delimitações, bem como integrar recortes simultâneos que podem remeter a um tempo, a um espaço, a um problema investigado. Por ora, de uma maneira algo simplificada, diremos que é precisamente aqui que o pesquisador deve esclarecer ao seu leitor qual é o objeto de sua investigação ou da sua realização científica.
“Por que fazer?” é uma pergunta importante, que interessa particularmente àqueles que irão decidir se o seu projeto deve prosseguir, se deve ser financiado, se pode ser aceito em um programa de pesquisa ou de Pós-Graduação. O capítulo do Projeto que busca esclarecer isto, de forma bem convincente e argumentativa, denomina-se habitualmente ‘Justificativa’ (2). Não raro também se acrescenta a esta denominação as palavras ‘relevância’ ou ‘viabilidade’, que no fundo não são mais do que aspectos específicos de uma ‘justificativa’ no seu sentido mais amplo.
“Para que fazer?” vincula-se ao estabelecimento de objetivos a atingir ¾ dando origem a um capítulo bastante conciso que se refere às finalidades a serem alcançadas, freqüentemente enunciadas em ordem numérica e da maneira mais simples possível. Este capítulo recebe habitualmente o título de “Objetivos” (3).
“A partir de que fundamentos?” remete a todo um conjunto de possibilidades teóricas ou mesmo de visões de mundo que, pelo menos em parte, o pesquisador já deve trazer consigo ao iniciar a sua viagem produtora de conhecimento. O capítulo que busca concentrar a referência a estes aspectos fundamentais, verdadeiros alicerces mentais que nortearão as ações e as escolhas feitas pelo pesquisador, denomina-se “Quadro Teórico” (4). Trata-se aqui, de definir desde as filiações mais amplas, até os conceitos, expressões e categorias que serão utilizados na elaboração reflexiva e na sua exposição de resultados.
“Com o que fazer?” e “Como fazer?” são indagações que reenviam respectivamente aos instrumentos e às técnicas de pesquisa. De fato, um “instrumento” é aquilo com o que se faz, e remete aos recursos de natureza material ou mesmo abstrata que serão empregados como verdadeiras ferramentas para a pesquisa. Neste caso, são ‘instrumentos’ um cronômetro, uma balança. um tubo de ensaio (para o caso de pesquisas nas áreas das ciências exatas e biológicas) mas também um formulário, um questionário, ou mesmo um gráfico que se elabora para acondicionar os dados colhidos e prepará-los para a interpretação.
Já uma ‘técnica’ remete ao modo de realizar algo, e abrange procedimentos como as coletas de informações, as entrevistas, as maneiras sistematizadas de empreender observações, e também as análises de conteúdo, as análises estatísticas, ou outras metodologias destinadas à interpretação dos dados que foram coletados ou captados. Enfim, as “técnicas” podem se referir tanto à coleta de dados e à constituição de documentação, como também às análises destes dados e destas fontes.
Os instrumentos e técnicas são habitualmente acondicionados em um capítulo bastante importante do Projeto, e que se denomina “Metodologia” (5), “Métodos e Técnicas”, “Procedimentos Metodológicos”, ou algo do gênero. Também é utilizada, talvez de maneira ainda mais apropriada, a designação “Materiais e Metodologia” (“Fontes e Metodologia”, por exemplo, para o caso da História). É uma designação interessante quando o pesquisador precisa descrever também os materiais sobre os quais irá trabalhar ¾ materiais que não são propriamente aparelhos e ferramentas, mas sim a matéria-prima que sofrerá a intervenção das ferramentas e instrumentais diversos.
No caso da História, para dar o exemplo de uma das ciências humanas, esta espécie de matéria-prima fundamental da qual precisará partir o historiador que empreende a sua viagem ao passado é a “fonte” ou o “documento histórico”. É conveniente dissertar sobre as “fontes” que serão utilizadas, antes de discorrer sobre as metodologias que serão utilizadas para constituí-las em um corpus documental definido e para interpretá-las. Daí ser bastante comum a designação ‘Fontes e Metodologia’ em um Projeto de História (equivalente a ‘Materiais e Metodologia’ em projetos experimentais vinculados ao campo das ciências exatas).
Deve-se acrescentar que a Metodologia, para muito além do mero registro dos materiais e técnicas, deve apresentar essencialmente a caracterização da abordagem que a pesquisa pretende utilizar em seu desenvolvimento, considerando o problema e seus objetivos. Neste sentido, a Metodologia pressupõe todo um referencial ontológico, epistemológico do pesquisador.
“A partir de que diálogos?” é a pergunta que situa uma Pesquisa em uma rede de intertextualidades com outros autores. Dito de outra forma, indaga-se aqui pelos “interlocutores” da reflexão a ser realizada. Dificilmente uma pesquisa científica parte do “ponto zero” (se é que já existiu alguma que o tenha feito na história do conhecimento humano). Nem que seja para contestar radicalmente os autores precedentes que já se debruçaram sobre o mesmo problema, o pesquisador precisa inserir a sua reflexão em um diálogo implícito ou explícito com a literatura e com o conhecimento já existente. Mais comum é que, além das eventuais contestações e correções a autores precedentes, o pesquisador também encontre autores e obras que lhe servirão como pontos de apoio, como alavancas para se impulsionar para mais adiante, como inspiração para novos rumos e abordagens.
É neste sentido que, em um Projeto de Pesquisa, não pode faltar o que se poderia chamar de uma “Revisão Bibliográfica”. Alguns modelos de Projeto atribuem um capítulo especial a este levantamento crítico, onde o pesquisador irá apresentar e discutir algumas das obras preexistentes que serão reapropriadas no seu trabalho, seja sob a forma de assimilação ou de confronto. Mas, por outro lado, o já mencionado “Quadro Teórico”, que vimos ser aquele capítulo em que o pesquisador expõe o seu referencial teórico e os conceitos de que irá se valer, pode também incluir como item a revisão bibliográfica, já que de algum modo esta revisão também representa uma base de teoria da qual partirá o pesquisador para elaborar as suas próprias reflexões.
O importante é que este item (ou o seu conteúdo) esteja efetivamente presente, embora sem repetições. Portanto, se foi destacado um capítulo especial para a “Revisão Bibliográfica” (que muitas vezes aparece logo depois da “Introdução” ou a da “Delimitação Temática”) as obras ali mencionadas não devem ser rediscutidas no “Quadro Teórico”. É possível também discutir algumas obras na “Revisão Bibliográfica”, mais diretamente ligadas ao tema, e deixar para o “Quadro Teórico” a discussão de outras que se referem mais propriamente a instrumentais teóricos que serão utilizados, a conceitos importantes para a pesquisa, a categorias e abordagens.
Quando o Projeto de Pesquisa delimita um capítulo especial para a “Revisão Bibliográfica”, logo depois da apresentação do tema e da definição da problemática, esta oportunidade deve ser aproveitada para apresentar as lacunas existentes no conhecimento sobre o assunto que será abordado. Tornar claras as lacunas bibliográficas relativas ao enfoque proposto, por sinal, é um excelente elo de ligação para o item “Justificativa”, que pode principiar precisamente ressaltando que, dadas as lacunas ainda existentes neste ou naquele aspecto, o Projeto proposto torna-se extremamente relevante, já que poderá contribuir de alguma maneira para supri-las. Com isto, o pesquisador já parte com um excelente argumento a favor da necessidade de a sua pesquisa ser empreendida.
Não é necessário, por outro lado, discutir toda a bibliografia que existe sobre o assunto. Isto seria exaustivo, quando não impossível. Algumas obras podem apenas ser referenciadas no compartimento final do Projeto, a “Bibliografia” ou “Referências Bibliográficas” (8). Outras obras, consideradas pouco importantes para a pesquisa, sequer precisam aparecer. O que não pode faltar são as fontes mais diretas, que no caso de uma pesquisa historiográfica, por exemplo, são os chamados “documentos” ou “fontes históricas”. Estas “fontes primárias”, aliás, devem aparecer separadas da “bibliografia geral”, precedendo-a. Ou seja, no caso dos projetos de História o capítulo “Bibliografia” deve ser organizado em dois itens distintos, um relativo à documentação de época ou mais diretamente assimilada como material primário pertinente ao problema examinado, e outro relacionado às obras de autores vários que refletiram sobre o mesmo tema, e que constituem o diálogo intertextual estabelecido pela Pesquisa.
“Quando fazer?” é a pergunta que remete à temporalidade relacionada à duração da pesquisa, ao planejamento das suas várias etapas. Toda pesquisa deve ser proposta em relação a um intervalo de tempo definido, mesmo que passível de renovação. Freqüentemente, ela será realizada por etapas, e se abranger um período relativamente amplo (um ano ou mais) será necessário dar à Instituição satisfações periódicas a respeito do andamento da Pesquisa, o que poderá ser feito com a utilização de um tipo de texto que é chamado “Relatório de Pesquisa”.
Com relação ao Projeto, as várias etapas previstas, as várias atividades que serão realizadas, os diferentes trabalhos que integrarão a pesquisa ¾ tudo isto precisa ser referenciado em um “Cronograma de Pesquisa”, normalmente sob a forma de um quadro ou tabela que expõe de maneira instantânea a relação entre o conjunto de ações previstas e o tempo previsto para serem realizadas. O Cronograma é um instrumento não apenas para o controle da Instituição, mas principalmente para o autocontrole do pesquisador no que se refere ao andamento do seu trabalho. Ele não é, naturalmente, uma tábua sagrada e implacável, mas é uma orientação importante para a realização do trabalho.
Será oportuno mencionar um capítulo recorrente em Projetos que é aquele que se relacionado às “Hipóteses”, e que normalmente vem situado após o “Quadro Teórico” e antes do capítulo relacionado à “Metodologia”. De certo modo, as hipóteses constituem o verdadeiro cerne da pesquisa do tipo “tese”. Veremos adiante que uma hipótese corresponde a uma resposta (ou possibilidade de resposta) que se relaciona ao problema formulado. Dependendo da intencionalidade da Pesquisa, seu problema e objetivos, pode-se ainda recorrer ao uso de ‘Questões Norteadoras de Pesquisa’ em substituição às Hipóteses, o que, naturalmente, também implica diferenciação de procedimentos de coleta e análise dos dados ou informações.
Retomando o esclarecimento relacionado à função de hipóteses em certos tipos de pesquisa, deve-se ressaltar que uma hipótese representa uma direção que se imprime à Pesquisa, mesmo que seja abandonada no decorrer do processo de investigação em favor de outra. Ao mesmo tempo em que deve estar intimamente relacionada ao “Quadro Teórico”, as hipóteses também contribuem para definir a “Metodologia” que será empregada. Desta forma, as hipóteses preenchem um certo espaço entre a teoria e a metodologia de um Projeto de Pesquisa, razão por que se prefere localizá-la entre estes dois capítulos.
De certo modo, é somente quando se consegue elaborar uma ou mais hipóteses de trabalho que a Pesquisa começa a tomar a forma requerida a uma Dissertação de Mestrado ou a uma Tese de Doutorado. Caso contrário, tem-se apenas um trabalho descritivo, que pode ser adequado a uma Monografia ou a um Livro que se proponha a desenvolver determinado assunto, mas que não corresponde propriamente ao modelo de tese. Uma tese não é uma reflexão livre, descritiva ou ensaística, mas sim uma reflexão sistematizada e orientada por um determinado problema.
Por outro lado, vale lembrar que nem toda Pesquisa corresponde necessariamente a um modelo de Tese, e pode se dar que o objetivo do pesquisador seja apenas o de levantar determinado conjunto de dados ou de informações. Este tipo de pesquisa é em diversas ocasiões requerido por empresas que precisam se manter informadas para definir suas linhas de ação. Pode-se, por exemplo, encomendar uma “pesquisa de mercado”, ou ainda uma “pesquisa de tendências” que vise acompanhar um processo eleitoral com tal ou qual finalidade. Pode-se visar o levantamento do perfil de determinado grupo de consumidores, ou empreender uma pesquisa descritiva que busque levantar as características de determinada localidade. Neste caso, se o Projeto de Pesquisa do qual estamos falando não é um projeto problematizado no modelo de tese, obviamente não tem sentido um capítulo relativo a “Hipóteses”.
Em linhas gerais, as partes acima descritas compõem a totalidade do Projeto de Pesquisa, podendo ainda ser incluído um capítulo relacionado a “Recursos” para o caso de serem requeridos a determinada instituição financiamentos diversos, equipamentos, passagens, e também a contratação de pessoal técnico. O capítulo “Recursos”, que pode abranger um plano de custos da pesquisa e uma exposição de suas necessidades materiais, estaria respondendo a uma nova pergunta: “Quanto vai custar?”.
Pode-se dar, ainda, que para além dos recursos econômicos e materiais seja necessário planejar diversificados recursos humanos. Neste caso, estaremos falando de uma pesquisa que não será empreendida por uma só pessoa, mas por uma equipe que poderá ser coordenada pelo autor do Projeto. Trata-se, neste caso, de planificar a contribuição e atuação de todos os participantes, e de indicar eventualmente entidades que estejam atuando em conjugação com o Projeto. Em uma palavra, trata-se de responder às perguntas “Quem vai fazer?” e “O que cada um vai fazer?”.
Estes últimos aspectos, naturalmente, fogem ao caso dos Projetos de Dissertação ou de Tese, que implicam necessariamente em trabalhos individuais. Quanto aos demais aspectos, correspondem ao tipo de conteúdo que deve aparecer em qualquer espécie de Projeto ao qual se queira dar um tratamento minimamente profissional. Para sintetizar o que já foi dito, o esquema abaixo procura relacionar as várias perguntas que se faz a um Projeto com os seus capítulos correspondentes.
Por outro lado, embora os vários tipos de conteúdo atrás descritos marquem uma presença quase certa, deve ficar claro que não existe um parâmetro oficial e único de Projeto de Pesquisa no que tange à sua ordem e definição de capítulos. Partindo do modelo atrás proposto, o pesquisador pode considerar adequado suprimir ou acrescentar capítulos, reunir duas seções em uma única, modificar a ordem de apresentação dos capítulos propostos, e assim por diante ¾ desde que isto faça algum sentido para a sua pesquisa ou que atenda a um padrão qualquer de lógica proposto pelo próprio autor do projeto. De igual maneira, um tipo de pesquisa ou um campo de conhecimento específico pode exigir a abertura de um capítulo que não seria necessário, ou mesmo pertinente, em outro. Enfim, qualquer modelo de Projeto proposto em uma obra de Metodologia Científica não é mais que isto: um modelo, pronto para ser alterado e adaptado de acordo com as necessidades.
...
Leia o início e o final deste artigo em: http://ning.it/hiOVFx
[BARROS, José D'Assunção. “Projeto de Pesquisa - suas funções e partes constitutivas” in Liberato – Revista da Escola Técnica de Novo Hamburgo, n°11, 2008, p.67-75]
O artigo foi baseado em um dos capítulos do livro "O Projeto de Pesquisa em História" [BARROS, José D'Assunção. O Projeto de Pesquisa em História. Petrópolis: Editora Vozes, 2011, 8a edição]
*Quemse interessar em receber dois capítulos do livro "O Projeto de Pesquisa em História", para conhecer a obra, peça pelo e-mail: jose.d.assun@globomail.com
Nenhum comentário:
Postar um comentário